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No ano em que chega à marca do centenário, a Disney, que começou como o sonho de um animador até se tornar em um império do entretenimento, é uma empresa em transformação e com desafios ao virar da esquina. Os últimos anos têm sido desafiantes para a gigante, que até teve de fazer regressar da reforma o executivo Bob Iger, que voltou no ano passado ao cargo de CEO.
A Disney nunca teve um portefólio de conteúdos tão grande como hoje em dia, construído através de aquisições estratégicas, da 21st Century Fox até à Lucasfilm. Mas também nunca teve tantos desafios. No mundo do streaming, onde entrou em 2019, teve de ganhar terreno à Netflix e ainda enfrentar um mundo crescente de concorrentes. Depois surgiu a pandemia de Covid-19, que levou à paragem de consideráveis fontes de receita, como os parques de diversões e os cruzeiros. E, quando o mundo dava sinais de estar a voltar às tendências pré-pandemia, surgiu uma guerra na Ucrânia, que trouxe pressão aos preços da energia, e ainda a escalada da inflação.
O resultado? Uma empresa que passou a falar com frequência sobre a necessidade de se reestruturar e aumentar a eficiência. Aos 100 anos de vida, o que faz mexer a máquina Disney e que fatores é que se podem tornar uma “pedra” na engrenagem?
Uma empresa em mudança e a dificuldade de encontrar um novo CEO
A Disney assinala 100 anos de vida em modo de reestruturação. O que até levou ao adiar da reforma de Bob Iger. Em 2020, o gestor decidiu sair do cargo de CEO, sinalizando que era hora de se reformar, ainda que, de acordo com o New York Times, o afastamento não tenha sido feito de ânimo leve – afinal, durante os 15 anos em que esteve no cargo, de 2005 a 2020, Iger adiou três vezes a saída do cargo de CEO. Passou o testemunho a Bob Chapek, em fevereiro de 2020, mas as críticas à gestão do sucessor e algumas controvérsias no campo político, levaram a uma nova dança das cadeiras.
Chapek foi afastado em novembro de 2022 e Iger regressou, por tempo limitado, prevendo precisar de dois anos para pôr ordem na casa. Foi-lhe pedido pelo conselho de administração que “definisse uma direção estratégica para um crescimento renovado e para trabalhar de perto com o conselho para encontrar um sucessor (…)”. No entanto, os planos de reestruturação da companhia parecem precisar de mais tempo e, em julho, a Walt Disney anunciou que Iger, com 72 anos, vai manter-se no cargo por mais dois anos, até 2026.
O veterano arregaçou as mangas e rapidamente começou a delinear o plano de reestruturação da Disney, focado na redução de custos, com a ambição de eliminar gastos de 5,5 mil milhões de dólares, nomeadamente através do corte de 7 mil empregos nas várias empresas do grupo, e a vontade de fazer com que o negócio do streaming se torne rentável.
Na última apresentação de resultados, no início de agosto, Iger fez um ponto de situação. “Nos oito meses que passaram desde o meu regresso, fizemos uma transformação sem precedentes na Disney”, declarou aos analistas, garantindo que a empresa fora “completamente reestruturada”. E assumiu: a “criatividade voltou ao centro do negócio”. Embora “ainda haja muito a fazer”, sublinhou a confiança de que “a excelência criativa e as marcas e franquias populares” seriam suficientes para colocar a gigante numa trajetória de sucesso financeiro.
A estratégia da Disney assenta em duas grandes frentes: o portefólio de conteúdos (é dona da 21st Century Fox, ABC, Lucasfilm, Pixar e Marvel) e a área de experiências, onde se contam os parques de diversões, na Florida, Paris e Xangai, e ainda o negócio de cruzeiros. E, nesses pilares de estratégia, uma economia que leve os consumidores a reduzir gastos com entretenimento, como as idas ao cinema e a parques de diversões, pode ser penalizadora. Mesmo com um CEO confiante, a empresa revelou um prejuízo de 460 milhões de dólares no trimestre terminado em julho, contra um lucro de 1,41 mil milhões de dólares no período homólogo.
O CEO salientou o crescimento das receitas nos parques de diversões como um todo (aumento de 13% para 8,3 mil milhões), mas também notou a tendência de abrandamento das visitas e reservas de hotéis no Disney World, na Florida. No entretenimento, salientou a necessidade de colocar o Disney+, o serviço de streaming, a ser sustentável e admitiu o “desempenho desapontante” de alguns filmes em que a gigante depositava esperanças, como o de animação “Elemental” ou o “Indiana Jones e o Marcador do Destino”.
Encontrar um sucessor para assumir as rédeas da empresa, uma das tarefas que trouxe Iger de volta à cadeira do poder, estará também a revelar-se mais difícil do que era esperado. Há pouca informação sobre estes planos e, pelo meio, a Disney ainda ficou sem um dos seus rostos mais conhecidos na equipa de executivos. Em junho, Christine McCarthy, diretora-financeira, abandonou o cargo, após mais de duas décadas na empresa do rato Mickey.
A justificação? Aos 67 anos, vai tirar uma “baixa médica por questões familiares”. “É uma das executivas financeiras mais admiradas da América e o seu impacto na Walt Disney durante estes 23 anos de serviço dedicado não pode ser exagerado”, disse Bob Iger numa nota de imprensa. A veterana da Disney, que passou a ser uma conselheira estratégica, ainda não foi substituída. Kevin Lansberry, um dos nomes da equipa de McCarthy, é o diretor financeiro interino.
Os desafios do streaming e a caça à partilha de contas
Em 2019, a Disney decidiu entrar no negócio do streaming, uma movimentação natural para uma empresa com um portefólio e propriedade intelectual destas dimensões. Primeiro, testou os Estados Unidos da América e só mais tarde arrancou para a expansão noutros mercados, nomeadamente a Europa.
Durante a pandemia, com o mundo confinado, o Disney+ passou por uma expansão considerável da base de utilizadores, também fruto da entrada em vários países. Até que, com os consumidores a tentar cortar nas despesas, começou a ver os números de subscritores a recuar. Em agosto, revelou uma queda de 7,4% nos utilizadores para 146,1 milhões – principalmente devido ao tombo nas subscrições Disney+ Hotstar. Na altura, foi justificado que uma boa parte deste fenómeno se devia à perda de direitos dos jogos da liga indiana de críquete.
Bob Iger reconheceu que a Disney conseguiu conquistar muitos utilizadores logo no início, acima até das expectativas, o que levou a que se tenha “encostado a um nível de despesa para alimentar o crescimento de subscritores”. Mas até isso o CEO quer mudar, já que os custos de streaming estão a aumentar consideravelmente. Para levar o serviço de streaming a um nível financeiro saudável quer “priorizar a força das marcas e franquias” e “racionar o volume de conteúdos que são feitos, o que se gasta e os mercados onde se investe”.
A acompanhar estas despesas mais contidas, foi anunciado um aumento de preços no serviço de streaming e a ambição de “explorar ativamente a partilha de contas”. Em Portugal, a subscrição mensal passa, a 1 de novembro, a custar mais dois euros, para 10,99 euros, enquanto a subscrição anual, que permite poupar duas mensalidades, passou de 89,90 euros para 109,90 euros. Iger prometeu mais pormenores sobre a “caça” à partilha de contas no final deste ano. A Disney vai, assim, seguir os passos da Netflix, a primeira a adotar medidas para impedir que os utilizadores partilhem contas.
Com a inclusão de conteúdos da Star e da Hulu, a empresa deixou de ter um serviço composto maioritariamente por conteúdo infantil e familiar, como era na altura do lançamento. E é justamente na Hulu que poderá residir mais uma dor de cabeça para a gigante Disney. A empresa é dona de 67% da Hulu e o resto pertence à Comcast, a dona da NBCUniversal. A Disney sinalizou que está interessada em comprar a participação da Comcast, podendo assumir o controlo total da marca responsável por conteúdos como a distopia “Handmaid’s Tale” ou a comédia “Only Murders in the Building”. Segundo o diretor financeiro interino da Disney, o negócio poderá rondar os 9,2 mil milhões de dólares, mas as duas empresas ainda estão em conversações.
Disney+ sobe preços das subscrições, incluindo em Portugal, e admite “caça” à partilha de contas
As quezílias com o governador da Florida sobre os impostos
Como se já não bastassem os desafios económicos, a Disney ainda tem contratempos políticos — que até já avançaram para a via judicial. Há mais de um ano que está em curso uma batalha entre a Disney e Ron DeSantis, governador republicano do estado e um dos interessados em entrar na corrida à presidência dos Estados Unidos.
Ron DeSantis ameaça subir impostos e taxa à Disney na luta pelo poder administrativo do parque
Primeiro, DeSantis apontou a mira à Disney pelos conteúdos que a empresa está a produzir, que considera serem “woke”. Quando o republicano decidiu criar no estado uma lei que restringe o debate de temas relacionados com a identidade de género e a sexualidade nas escolas, a liderança da Disney criticou a legislação. Depois, DeSantis ameaçou com a cobrança de mais taxas e o fim do estatuto especial da Disney, que lhe dá uma relativa autonomia na zona dos parques.
A resposta foi clara: a Walt Disney, a maior empregadora do estado e responsável por 75 mil postos de trabalho, recorreu à justiça. Ao mesmo tempo, anunciou o fim de um projeto para um complexo empresarial, num investimento avaliado em mil milhões de dólares, que poderia criar mais dois mil empregos, relatou o New York Times. “O estado quer que invistamos mais, empreguemos mais pessoas e paguemos mais impostos ou não”, questionou Bob Iger, numa farpa atirada ao governador republicano durante uma apresentação de resultados da empresa.
Disney abre processo judicial contra o governador da Florida, Ron DeSantis
Passados vários meses, Ron DeSantis diz que já ultrapassou o assunto, mas a Disney não está disposta a aceder ao pedido do governador para que “deixassem cair o processo”. A empresa mudou a estratégia legal e está agora interessada em compensações por alegada violação de acordos entre o governo e a Disney. Resta saber quais são os próximos desenvolvimentos desta saga.