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Bettmann Archive

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40 anos depois, entrevista a um sobrevivente do sequestro de Teerão: "Ataram-me, vendaram-me e apontaram-me uma arma à cabeça"

John Limbert é um dos 52 americanos que estiveram 444 dias sequestrados na Embaixada dos EUA em Teerão. 40 anos depois, recorda tudo sem rancor. "É bom poder olhar para trás", diz ao Observador.

John Limbert ainda tentou, mas de nada lhe valeu e aos outros 51 norte-americanos que ficaram, na sua maioria, sequestrados durante 444 dias na Embaixada dos EUA no Irão há 40 anos, no dia 4 de novembro de 1979 que nesta segunda-feira foram assinalados com várias manifestações no país.

À altura, tinha 36 anos e era adido dos EUA no Irão, país em forte convulsão. A Revolução Islâmica ainda estava fresca e o novo poder iraniano — os aitolas — queriam vingar-se do antigo regime, liderado pelo Xá Mohammad Reza Pahlavi, forte aliado dos EUA. Doente com um cancro, o Xá pediu aos EUA que o recebessem para fazer tratamento. O então Presidente dos EUA, Jimmy Carter, aprovou a entrada do ditador — e, de forma quase imediata, um grupo de estudantes radicais afetos à Revolução Islâmica invadiram a Embaixada dos EUA em Teerão.

Foi ao vê-los pegar no primeiro funcionário da embaixada que John Limbert tentou falar com eles e negociar. Fluente em persa, língua que aprendeu por ter vivido no Irão pela mão dos pais e depois como professor voluntário de inglês, John Limbert procurou chegar a um compromisso. Não conseguiu: aquele acabaria por ser o primeiro de 444 longos dias em que foi vítima de um dos sequestros mais consequentes da política internacional.

Numa entrevista ao Observador, fala daqueles dias sem rancor — afinal, é casado com uma iraniana e mantém uma relação próxima com aquele país, mesmo discordando daqueles que o governam. “É bom poder olhar para trás”, acaba por dizer, agora com 76 anos.

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Pouco depois de os estudantes iranianos terem entrado na embaixada dos EUA, um agente de segurança foi ter com eles para exigir-lhes que saíssem do recinto da embaixada. Mas os estudantes agarraram logo nele e puseram-lhe uma venda nos olhos. Foi aqui que você entrou, uma vez que já na altura falava persa fluentemente, e tentou negociar com eles. O que lhe pergunto é isto: passou-lhe pela cabeça que era possível fazer daquilo uma chatice de uma hora apenas?
Não sei. Teria sido bom… Mas creio que teria sido mais uma questão de atrasar tudo aquilo, porque isso seria necessário no caso de nos mandarem ajuda. Além disso, era preciso acalmar a situação. Nós não sabíamos os detalhes todos da situação, mas era perigoso! Podia ter corrido muito mal. E obviamente nós não queríamos que isso acontecesse.

Mas o que é que aconteceu quando tentou convencê-los a parar com a tomada da embaixada? Eles chegaram a ouvi-lo ou…
… não, eles não estavam interessados nisso. Eles sentiram que tinham o baralho inteiro na mão.

Então o que lhe fizeram?
Ataram-me, vendaram-me e apontaram-me uma arma à cabeça.

John Limbert (terceiro a contar da esquerda), numa cerimónia de homenagem aos oito militares norte-americanos que morreram numa missão abortada para resgatar os 52 reféns (Joe Raedle/Getty Images)

Joe Raedle/Getty Images

Sei que esteve muito tempo preso em regime solitário, um total de nove meses. Foi assim logo desde o início do sequestro?
Não, foi em várias alturas. Foi intervalado. É que numa situação destas nada faz sentido.

Como assim?
A situação em si é de loucos. E quanto mais depressa aceitarmos isso melhor.

Mas era de uma situação de loucos porquê? Seria também porque os sequestradores eram jovens estudantes, que talvez fossem pouco preparados e se adequassem ao estereótipo de jovens ativistas com uma visão romântica e heróica das suas ideias?
Não faço ideia. Eles eram na sua maioria jovens na casa dos 20, havia muitos estudantes de engenharia… Eles eram muito sabidos, tinham muitas leituras. Eram muito inteligentes, pelo menos o suficiente para entrarem nas faculdades de engenharia do Irão, que eram muito competitivas. Mas, no que diz respeito a experiências com o mundo, não tinham muito.

"Eles não estavam interessados em negociar connosco. Eles sentiram que tinham o baralho inteiro na mão."

Lembra-se de alguma conversa que teve com os sequestradores?
A conversa de que mais me lembro foi com um estudante que me perguntou afinal porque é que eu falava persa tão bem. Eu disse-lhe que tinha sido um professor em regime de voluntariado com os Peace Corps 15 anos antes [no Irão]. E um dos estudantes disse-me: “Ah, sim! Lembro-me bem dos Peace Corps. Havia um voluntário na minha terra e ele era tipo muito simpático!”. [Risos] E eu fiquei ali a pensar: “Ó, Deus, isto não faz sentido nenhum!”.

E da vez em que falou com Ali Khamenei [à altura um clérigo com algum destaque no Irão, mas que em 1981 foi eleito Presidente e que desde 1989 é Líder do Supremo]? Como é que foi, do que é que falaram?
Na altura não fiz grande caso daquela conversa, mas depois soube que aquilo passou na televisão no Irão. Uns amigos meus do Irão disseram-me depois que tinham visto a conversa e que gostaram da mensagem que eu estava a tentar passar.

Qual era essa mensagem?
Basicamente a minha mensagem era: “O que vocês estão a fazer é uma desgraça e vai contra todas as normas da vossa própria cultura”. Os iranianos são como todos nós: podem fazer coisas horríveis e podem fazer coisas excelentes, mas o que eu nunca vi um iraniano a fazer foi maltratar um hóspede cuja segurança é da sua responsabilidade. Eles eram responsáveis pela nossa segurança e, com isso, violaram uma das normas mais profundas da cultura deles. Tenho quase a certeza de que o Khamenei percebeu o que eu lhe queria dizer. Mas aquilo na altura apareceu nas notícias nos EUA, mas eu esqueci-me daquilo. Mas, depois com os milagres da Internet, esta história ressuscitou há uns 10 anos.

Os estudantes exigiam aos EUA a extradição do Xá Pahlavi, que morreu durante as negociações. Em troca dos reféns, os EUA descongelaram quase 8 mil milhões de dólares de bens iranianos nos seus bancos

Getty Images

Quando é que se apercebeu que o sequestro era algo para durar, e não um incidente de um dia, uma semana ou até um mês? É que acabou por ser 444 dias.
Ao início uma pessoa pensa: “Isto é só um erro, alguém há-de resolver isto e saímos daqui num dia, talvez dois ou três”. Mas logo ao início apercebi-me de que podia durar mais tempo quando o próprio aiatola Khomenei apoiou o sequestro. Naquele momento, soubemos logo que estávamos em apuros. Afinal, quem é que nos ia deixar sair? E depois a outra vez em que me apercebi de que o sequestro podia durar muito tempo foi quando, já cerca de um mês depois do início do sequestro, alguém me enviou uma encomenda de casa com livros. E os livros eram coisas do género “Paz e Guerra” e “Irmão Karamazov” e coisas desse género. Tudo livros para aí com uma média de 1200 páginas.

São livros bem grandes!
E a mensagem ali era: “Vais ter muito tempo para ler estes livros”.

Quem é que lhe enviou esta encomenda?
Foi a minha família, mas não me lembro exatamente quem era.

"Alguns dos nossos colegas não sobreviveram lá muito bem. Como resultado, houve pessoas que tiveram problemas graves com drogas, álcool, divórcios, esgotamentos nervosos, suicídios..."

Como é que contactava com o mundo exterior? Pelo que sei, à altura do sequestro já era casado e tinha os seus dois filhos, também. Manteve contacto com eles?
Trocámos algumas cartas. Eu escrevia cartas, ela escrevia cartas… Mas só para aí uma carta em dez é que era enviada. Mas ainda bem que foi assim, porque eu não contava muitas coisas nas cartas. O importante era dizer que estávamos bem, o que era um alívio. E era importante eu saber que os miúdos estavam bem e que a minha mulher conseguia dar-lhes uma vida normal. Tudo isto era muito importante.

E que coisas é que autocensurou nas suas cartas?
Coisas específicas sobre as condições em que estávamos, os nomes dos sequestradores ou o sítio onde estávamos. Coisas deste género.

Já agora, falemos sobre as condições em que vocês estavam. No Irão há quem diga ainda que vocês estavam ali como se estivessem num hotel. O facto é que todos sobreviveram, o que é um bom sinal quanto às condições em que estavam. Mas também não era nenhum hotel, pois não?
Não, era nenhum hotel. E alguns dos nossos colegas não sobreviveram lá muito bem. Como resultado, houve pessoas que tiveram problemas graves com drogas, álcool, divórcios, esgotamentos nervosos, suicídios…

Acha que os sobreviventes do sequestro não receberam a merecida atenção do Estado depois de terem sido libertadas? Um fator que aponta para aí foi que só em 2015 é que foi aprovada uma lei para vos compensar a cada um com 4,44 milhões de dólares [3,98 milhões de euros]?
Na verdade, a Câmara dos Representantes aprovou uma lei com um esquema de indemnizações, mas essa lei nunca foi implementada.

"Eu já era diplomata há seis ou sete anos quanto tudo aquilo aconteceu e depois voltei ao trabalho. O que aconteceu foi uma chamada de atenção que me disse: "A diplomacia é uma atividade muito importante e quando ela cai as consequências são muito sérias."

Então nunca recebeu aquele dinheiro?
Só uma pequena parte. Por isso, mesmo 40 anos depois, esta questão ainda não desapareceu.

Acredita então que algumas das pessoas que se tornaram alcoólicos, toxicodependentes e até acabaram por se suicidar chegaram a esse ponto como consequência direta de não terem sido seguidos pelo Estado?
Não sei, não sei, não tenho como dizê-lo. O que eu sei é que as pessoas reagem a situações como esta de diferentes maneiras. Fala-se de stress pós-traumático, que com algumas pessoas é muito grave e com outras pessoas nem tanto. Mas os médicos com quem eu tenho falado dizem-me que não se sabe muito sobre isto.

E consigo, como foi? Aparentemente, não guarda grandes traumas, porque manteve a sua carreira diplomática, que passou toda pelo Médio Oriente e países muçulmanos de África. Apesar daquilo por que passou, não desistiu da sua carreira nem daquela parte do mundo.
Claro que não. É isto que nós diplomatas fazemos! Eu já era diplomata há seis ou sete anos quanto tudo aquilo aconteceu e depois voltei ao trabalho. O que aconteceu foi uma chamada de atenção que me disse: “A diplomacia é uma atividade muito importante e quando ela cai as consequências são muito sérias”.

A campanha para a reeleição de Jimmy Carter foi marcada pelos 444 dias de cativeiro na Embaixada dos EUA no Irão. Carter acabou por perder as eleições de forma pesada para Reagan (Bettmann Archive)

Bettmann Archive

Então acabou por gostar e a admirar ainda mais do trabalho diplomático.
É justo dizer que passei a olhar para a diplomacia com mais seriedade.

Falemos do que motivou a tomada da embaixada pelos estudantes. Embora a situação fosse de tensão entre os dois países, o que acabou por espoletar o vosso sequestro foi o facto de o Presidente Jimmy Carter ter aceitado receber o Xá Mohammad Reza Pahlavi, nos EUA, para ali fazer tratamentos a um cancro. Critica essa decisão do Presidente Jimmy Carter?
Eu sou um admirador de Jimmy Carter, ele sacrificou a presidência dele por nós. Tirou-nos de lá todos vivos, o que não é coisa pouca. Sobre esse caso em particular, tanto quanto sei de todas as pessoas que testemunharam sobre o assunto, ele não queria que o Xá entrasse nos EUA.

Mas teve de fazê-lo?
Sentiu que teve de fazê-lo. Ele foi abandonado pelos seus conselheiros. Cyrus Vance [secretário de Estado durante o mandato de Jimmy Carter], que estava sempre do lado dele, mudou de ideias quando soube da doença do Xá.

"Carter estava determinado a resolver este assunto diplomaticamente e isso levou muito tempo. Ele foi criticado constantemente por não nos tirar de lá, por ser fraco, por ser humilhado pelos iranianos... E ele aguentou isso tudo. Mesmo que isso lhe tenha custado a presidência. Eu não estava cá na altura, mas creio que é justo dizer que ele perdeu as eleições em 1980 em grande parte por causa do que aconteceu no Irão."

Então a maior parte das pessoas na Casa Branca e à volta de Jimmy Carter queria que o Xá fosse para os EUA… e Jimmy Carter simplesmente seguiu-os?
Sim, é isso. Ele estava sozinho, ninguém o apoiava. Então concordou.

Há pouco disse que Jimmy Carter sacrificou a presidência dele por vocês. O que é que quer dizer com isto exatamente?
Ele estava determinado a resolver este assunto diplomaticamente e isso levou muito tempo. Ele foi criticado constantemente por não nos tirar de lá, por ser fraco, por ser humilhado pelos iranianos… E ele aguentou isso tudo. Mesmo que isso lhe tenha custado a presidência. Eu não estava cá na altura, mas creio que é justo dizer que ele perdeu as eleições em 1980 em grande parte por causa do que aconteceu no Irão.

Outro dado interessante é que os reféns foram libertados poucas horas depois de ter terminado a presidência de Jimmy Carter, a 20 de janeiro de 1981, dia em que Ronald Reagan tomou posse. Porque é que acha que foi escolhido este timing?
Foi até menos de “poucas horas”. O avião onde nos puseram para sairmos do Irão levantou voo dez minutos depois [do fim do mandato de Jimmy Carter]! Foi muito pouco tempo.

A maioria dos reféns só foram libertados a 20 de janeiro de 1980, dia da tomada de posse de Ronald Reagan, após negociações entre os EUA e o Irão mediadas pela Argélia (Express/Express/Getty Images)

Express/Express/Getty Images

Mas porque é que acha que as coisas acabaram por ser assim?
Podemos especular sobre isto. A resposta óbvia é que isto foi um último insulto dos iranianos a Jimmy Carter. Eles não queriam que ele tivesse o prazer de nos ver a sermos libertados ainda durante a presidência dele. Essa é uma teoria. Depois há outra, que é especulação e que ninguém conseguiu ainda provar, que sugere que havia um acordo entre os iranianos e a campanha de Ronald Reagan para nos manterem em cativeiro. Primeiro, até às eleições e, depois, até depois da tomada de posse.

Tudo para passar uma má imagem de Jimmy Carter.
Exatamente. Porque se tivéssemos sido libertados antes das eleições, Carter podia ter reclamado os louros por isso.

Vamos a mais especulação, mas que não deixa de ser interessante: como é que acha que Donald Trump iria gerir a crise dos reféns se ela fosse agora?
Não faço ideia nenhuma! [Risos] Ele era capaz de bufar, bater com as mãos no peito e dizer todo o tipo de coisas, mas não sei o que é ele seria mesmo capaz de fazer. Uma das coisas positivas que se pode dizer em relação a Trump é que ele nos tem mantido fora de uma guerra com o Irão. Isto não é coisa pouca!

Apesar de a sua retórica ser tudo menos leve.
Há gente que vai sempre bater com as mãos no peito, mas ele até despediu o seu conselheiro de Segurança Nacional [John Bolton, co-autor moral da segunda guerra do Iraque conhecido por defender intervenções armadas no Irão e na Coreia do Norte], que estava já a tocar os tambores de guerra. Trump simplesmente não quis ir para uma guerra. Ele passa a vida a dizer que nos quer tirar de guerras que não têm fim e foi isso que o ajudou a vencer as eleições em 2016.

"Não, não estou sempre a pensar naquilo. Tenho mais em que pensar. Penso na família, penso em trabalho, penso que agora estamos a mudar-nos e a tentarmos sair de Washington para Nova Iorque. Há muito mais em que pensar."

Cumprem-se agora 40 anos desde que tudo aquilo começou. Há algum dia da sua vida em que não pensa naqueles longos 444 dias? Ou já passou por cima?
Não, não estou sempre a pensar naquilo. Tenho mais em que pensar. Penso na família, penso em trabalho, penso que agora estamos a mudar-nos de Washington para Nova Iorque. Há muito mais em que pensar.

Quer dizer que ultrapassou tudo, então.
Em casos como estes, é bom poder olhar para trás.

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