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A vacina da Pfizer mostrou mais de 90% de eficácia. O que significa isso?
Hoje é um grande dia para a ciência e para a humanidade. O primeiro conjunto de resultados da fase 3 dos ensaios clínicos da vacina Covid-19 fornece a primeira evidência da capacidade da nossa vacina prevenir contra a Covid-19”, disse Albert Bourla, presidente de diretor executivo da farmacêutica Pfizer.
A Pfizer e a BioNTech, que criou a vacina, anunciaram esta segunda-feira, em comunicado de imprensa, que a vacina que têm em ensaios clínicos mostrou mais de 90% de eficácia a prevenir a doença Covid-19, sete dias depois de tomada a segunda dose da vacina, em pessoas que não tinham sido infetadas com o vírus SARS-CoV-2 antes.
O STAT News diz que isto quer dizer que mais de 90% dos participantes que mostraram sintomas de Covid-19 (e que testaram positivo para o vírus) tinham recebido a vacina placebo e não a vacina contra a Covid-19 — ou seja, nove ou menos tinham recebido a vacina. Dito de outra forma — e com base nos poucos dados conhecidos —, os que tomaram a vacina estavam mais protegidos do que os que tomaram o placebo.
UPDATE: We are proud to announce, along with @BioNTech_Group, that our mRNA-based #vaccine candidate has, at an interim analysis, demonstrated initial evidence of efficacy against #COVID19 in participants without prior evidence of SARS-CoV-2 infection.
— Pfizer Inc. (@pfizer) November 9, 2020
No total são 94 participantes e os resultados foram analisados por um grupo de cientistas independentes. A Pfizer e a BioNTech dizem não saber mais nada sobre os resultados além do que foi anunciado pelo comunicado de imprensa — o que, na opinião de alguns especialistas, é muito pouco para se poderem tirar conclusões sobre o que o futuro trará.
“Se aquele valor [90%] se aguentar, é incrível. É muito melhor do que estava à espera e fará uma grande diferença”, disse Ashish Jha, reitor da Escola de Saúde Pública da Universidade Brown, citado pelo STAT News. O problema é que é muito difícil fazer uma avaliação científica exclusivamente com base num comunicado de imprensa — os cientistas precisam ver dados completos.
Simon Clarke, professor de microbiologia celular na Universidade de Reading, mantém a confiança: “Parece-me altamente improvável que uma grande empresa farmacêutica pudesse dar informação errada sobre notícias tão aguardadas”, disse, citado pelo The Guardian.
O que ainda não se sabe?
Além de não terem sido divulgados dados completos que suportem as conclusões anunciadas, há outro tipo de informação em falta: se a vacina previne casos graves de Covid-19 (aqueles que levam ao internamento ou morte) ou se uma pessoa pode ficar assintomática graças à vacina mas mesmo assim transmitir o vírus. Naturalmente, também ainda não é possível saber quando tempo durará a imunidade — para saber se a imunidade dura seis ou 12 meses, é preciso seguir os voluntários durante esse período de tempo.
“Precisamos ver os dados reais e vamos precisar de resultados de longo prazo”, disse Jesse Goodman, professor de medicina e doenças infecciosas da Universidade de Georgetown, citado pelo The New York Times.
[Nova vacina. Temperatura é um dos maiores desafios]
O que tem de diferente a vacina da Pfizer/BioNTech?
A vacina da Pfizer/BioNTech usa ARN mensageiro (mARN). Numa situação normal, este mARN, leva uma mensagem do código genético do vírus (ou de uma célula) até uma pequena fábrica celular onde vai ser produzida uma proteína a partir dessa mensagem. Esta vacina não tem o código genético do vírus, mas apenas uma porção de mARN que é capaz de levar as células humanas a produzirem a proteína spike (que existe na superfície da cápsula do vírus). Quando as células libertam essa proteína na corrente sanguínea, o sistema imunitário deteta-a e produz anticorpos. Assim, espera-se, fica a resposta pronta para quando a pessoa for realmente infetada com o vírus SARS-CoV-2.
Esta vacina começou a ser desenvolvida em janeiro, quando Ugur Sahin, diretor executivo e cofundador da BioNTech, leu pela primeira vez sobre o vírus na revista científica The Lancet e os primeiros casos foram detetados na Europa, conta o The New York Times.
A tecnologia para este tipo de vacinas já tinha sido desenvolvida antes, ainda que nenhuma vacina criada desta forma alguma vez tivesse chegado ao mercado. A vantagem é que, tendo a estrutura montada, é relativamente rápido procurar potenciais vacinas candidatas. A BioNTech encontrou 20 candidatas que começou imediatamente a testar em roedores, mas faltava-lhe a capacidade para conduzir ensaios clínicos com humanos. Foi assim que nasceu a parceria com a Pfizer. Nos primeiros ensaios clínicos com humanos, as duas empresas escolheram as duas vacinas que desencadearam as melhores respostas imunitárias: com anticorpos e células T.
A Moderna também tem uma vacina baseada em mARN e está igualmente avançada nos ensaios clínicos de fase 3. Outras empresas têm vacinas baseadas em formas atenuadas do vírus ou em proteínas virais, por exemplo.
O que torna esta notícia tão importante?
Apesar de alguns especialistas mostrarem alguma cautela porque ainda não são conhecidos os dados que levaram as farmacêuticas Pfizer e BioNTech a afirmar que os dados iniciais mostraram um eficácia superior a 90%, outros congratulam-se com os resultados e com outros dados que se podem retirar para além da eficácia.
1. A proteína spike que ajuda o vírus a entrar na célula é uma boa escolha
“Houve sempre uma discussão sobre se a proteína spike era o alvo certo das vacinas? Bem, agora sabemos que sim”, disse Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), ao STAT News. “Assim, não são apenas boas notícias imediatas, dá confiança sobre o que vai acontecer nos próximos meses com as outras vacinas.”
E um desses exemplos é a vacina da Moderna, cujos ensaios clínicos estão a ser conduzidos pelo NIAID, e que tem uma vacina do mesmo tipo da vacina da Pfizer/BioNTech. Além disso, há outras empresas, a desenvolver vacinas com outras tecnologias, que também têm como alvo a proteína spike. Ou seja, todas estas vacinas vão tentar fazer com que o sistema imunitário produza anticorpos contra esta proteína viral. E, a confirmarem-se estes resultados, estão no bom caminho.
2. As vacinas que usam mRNA podem funcionar
Até ao momento, nenhuma empresa farmacêutica — nem a BioNTech, nem a Moderna —conseguira completar os ensaios clínicos ou colocar no mercado uma vacina baseada em mARN (ARN mensageiro, uma parte do material genético). Isto fazia recear que as vacinas candidatas contra a Covid-19 que usam esta tecnologia pudessem não ser bem sucedidas.
“[Estes resultados] validam o uso da plataforma de mARN”, disse Anthony Fauci, ao STAT News. “Temos todas as razões para acreditar, a não ser que algo de estranho aconteça, que a Moderna vai certamente ter resultados semelhantes”, disse o imunologista norte-americano sobre o ensaio que o instituto está a conduzir.
3. A eficácia parece ser muito superior ao que era esperado
A agência norte-americana do medicamento (FDA, Food and Drug Administration) divulgou uma nota em junho que permitia que os fabricantes de vacinas pudessem submeter vacinas para aprovação que tivessem mostrado apenas 50% de eficácia na redução do desenvolvimento da doença Covid-19 — ou seja, mesmo que houvesse infeção, que se prevenisse o aparecimento da doença em 50% dos casos. Durante meses, muitos cientistas não pensaram que uma vacina tivesse mais de 60 ou 70% de eficácia, refere o STAT News.
“Esta vacina pode ser mais eficaz do que alguma vez esperámos para uma vacina de primeira geração contra a Covid-19”, disse Jeremy Farrar, diretor do Wellcome Trust, em comunicado.
Se estes valores se mantiverem, pode ser bom para todas as vacinas, porque vai aumentar a confiança das pessoas nas vacinas contra a Covid-19. Convém, no entanto, salientar que, à medida que mais dados forem sendo recolhidos, a percentagem de eficácia pode variar.
Quais os próximos passos?
Até dia 8 de novembro, 38.955 participantes já tinham tomado as duas doses da vacina previstas para este ensaio clínico, num total de 43.538 previstos. Até ao momento, as farmacêuticas dizem não ter detetado efeitos adversos graves e esperam poder apresentar os primeiros dados de segurança desta fase dos ensaios clínicos à autoridade do medicamento norte-americana (FDA) depois da terceira semana de novembro. Nessa altura, contam ter metade dos participantes a ser seguidos há mais de dois meses depois da segunda dose da vacina, como requer a agência, refere o STAT News — na verdade, metade dos 30 mil inicialmente previstos (agora quase 44 mil).
We initiated a rolling submission to @EMA_News for our #COVID19 #vaccine candidate BNT162b2. #CHMP will now start reviewing pre-clinical data, while BNT162b2 will remain subject to #EMA’s diligent standards for quality, safety and efficacy. https://t.co/z68Vkz38il https://t.co/B1wSTrfk8l
— BioNTech SE (@BioNTech_Group) October 6, 2020
Com estes resultados nas mãos, e caso a FDA os aprove, a Pfizer vai pedir uma Autorização de Uso de Emergência (EUA) que permite que os medicamentos ainda em ensaios clínicos possam ser usados em contexto alargado, sob condições controladas, antes de estarem totalmente aprovados pela agência reguladora. Mas a recolha de dados não termina com o fim dos ensaios clínicos — os participantes vão continuar a ser seguidos até dois anos após a segunda dose da vacina.
Do outro lado estão os resultados de eficácia agora apresentados, que são promissores, mas podem sofrer alterações à medida que se recolhem mais dados. Por enquanto, as duas empresas aguardam pelos 164 casos confirmados de Covid-19 para avaliar com maior precisão o desempenho da vacina na prevenção da doença.
Albert Bourla, presidente e diretor executivo da Pfizer, disse que haverá mais dados a serem revelados nas próximas semanas. Mais concretamente, no final de dezembro já será possível analisar os dados completos dos ensaios clínicos, ou seja, o número de pessoas que adoeceram sete dias depois da segunda vacina, tenham tomado a vacina contra a Covid-19 ou o placebo.
Outros dados que serão analisados no futuro incluem o número de pessoas que adoeceram ao fim de 14 dias depois da segunda dose da vacina ou se a vacina também é eficaz a proteger pessoas que já tenham estado infetadas com SARS-CoV-2.
Portugal vai receber esta vacina?
Sim. A União Europeia já comprou 200 milhões de doses (que dão para 100 milhões de pessoas.) e essa reserva servirá também Portugal. Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, confirmou em conferência de imprensa esta segunda-feira, que esta vacina “é uma das que o país prevê adquirir”.
Os Estados Unidos foram o país que até ao momento mais doses comprou da vacina da Pfizer/BioNTech: 100 milhões de doses (no valor de 1,95 mil milhões de dólares), com a opção de comprar mais 500 milhões. O Reino Unido já comprou 30 milhões de doses e a Austrália mais 10 milhões.
Neste momento, as farmacêuticas preveem ter capacidade para produzir 50 milhões de doses até ao final deste ano e mais 1,3 mil milhões durante o próximo ano.
O entusiasmo com as vacinas é grande, mas Stephen Griffin, professor na Escola Médica da Universidade de Leeds, recomenda alguma contenção nos ânimos: “Vai levar vários meses depois de uma possível autorização de emergência até que a produção e a implementação da vacina tenham alcançado um número suficiente de pessoas para ter algum impacto”. Depois, ainda haverá uma outra dificuldade, sobretudo para os países de baixo rendimento, que se relaciona com o facto de a vacina precisar de ser conservada a menos 80º C — e muitos países não têm a tecnologia para garantir isso. Por causa disso, as farmacêuticas estão a estudar alternativas que permitam conservar a vacina a temperaturas menos exigentes.