Começou por ser marcado para a meia-noite, já as câmaras de filmar das televisões transmitiam em direto a azáfama do teatro de operações — mas só à 1h da madrugada o comandante distrital de Operações de Socorro do Porto chegou à sala do posto de comando para um briefing. Carlos Alves começou por ser firme nas palavras até lançar a informação de que, apesar de o último sinal do helicóptero do INEM ter sido registado pelo radar às 18h30, a Proteção Civil só foi informada do seu desaparecimento pelas 20h15. “Para nós, a ocorrência começa precisamente neste primeiro alerta”, assegurou, recusando posteriormente responder a algumas questões e reafirmando que só depois percebeu que a aeronave já estaria desaparecida muito antes. Estava aceso o rastilho para a polémica de quem soube primeiro.
O helicóptero onde seguiam o piloto João Lima, o copiloto Luís Rosindo, o médico Luís Vega e a enfermeira Daniela Silva, foi localizado logo no final desta conferência de imprensa, segundo foi depois anunciado. Horas mais tarde, a NAV Portugal viria reforçar ainda mais as contradições. É que este organismo — que controla a navegação no espaço aéreo português — garante que a partir das 19h00, e passada meia hora de não ter qualquer sinal da aeronave, contactou bombeiros, heliportos, polícias e, por fim, o Comando Distrital de Operações de Socorro de três cidades. Só a última, Coimbra, lhe terá passado a chamada ao Porto. Todas as outras tentativas de contactar a Proteção Civil foram falhadas.
O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, apressou-se a anunciar a abertura de um inquérito urgente para saber o que se passou de facto no desastre que acabou com quatro mortos. E, desde então, todas as entidades envolvidas na operação de sábado remeteram-se ao silêncio e não prestaram mais esclarecimentos. O Observador juntou tudo o que foi dito, contactou várias fontes e concluiu que há, pelo menos, nove dúvidas e contradições a resolver na operação que culminou no resgate de um helicóptero encontrado a cerca de 700 metros a sul de Capela de Santa Justa, freguesia do concelho de Valongo, com os quatro tripulantes já mortos.
Heli do INEM. Passaram duas horas entre o primeiro alerta e a operação de socorro. Porquê?
Em que circunstâncias descolou o helicóptero de Massarelos?
Das informações transmitidas oficialmente pelo próprio INEM, eram 18h10 quando o helicóptero pilotado por João Lima e pelo copiloto Luís Rosindo, que acabava de deixar uma doente de 76 anos no Hospital de São António, no Porto, teve ordem para regressar à base de Macedo de Cavaleiros. Nessa comunicação, soube o Observador, os tripulantes terão avisado que não o fariam de imediato por causa do mau tempo.
A NAV Portugal, no comunicado emitido este domingo, refere, no entanto, que a tripulação os contactou pelas 18h30 a informar que iria descolar para Macedo de Cavaleiros, via freguesia de Baltar para reabastecimento, “dentro de 5/6 minutos“. Havendo a possibilidade de não conseguir aterrar em Baltar, haveria a alternativa de “prosseguir para o Porto”. Da informação agora prestada, supõe-se, portanto, que havia já hipótese de não conseguir aterrar em Baltar por causa das condições meteorológicas adversas. Ainda assim, o Agusta A109S, operado pela empresa Babcock, levantou voo e seguiu viagem. O INEM, num comunicado enviado pouco depois do desaparecimento do helicóptero, referia que o último contacto com a aeronave teria ocorrido às 18h30.
O comunicado da NAV, que contactada recusou dar ao Observador qualquer esclarecimento adicional, refere que já em voo, pelas 18h37, os tripulantes voltaram a contactar a Torre de Controlo no Porto. Este foi o primeiro contacto feito já no ar. Dois minutos depois, ainda de acordo com o registo que a NAV tornou público, é a Torre de Controlo que contacta com o helicóptero “a perguntar qual a altitude que pretendia manter, tendo a tripulação informado que iria manter 1.500 pés”.
A que horas se perdeu o sinal do helicóptero?
Esta é uma das primeiras contradições a esclarecer. Logo após o desaparecimento do helicóptero, o INEM enviou dois comunicados em que informava que o último sinal da aeronave teria sido por volta das 18h30. Uma fonte contactada pelo Observador foi mais precisa e referiu que foi às 18h38. Também um dos telemóveis da tripulação dava sinal naquela zona por esta hora, segundo informações prestadas ao INEM pela Polícia Judiciária — chamada a auxiliar na localização do helicóptero.
A NAV, no entanto, refere este domingo que o sinal só se perdeu pelas 18h55. E acrescenta que isso não constituiu logo um motivo de alarme. É que, refere o comunicado em letras maiúsculas, “devido à altitude e orografia do terreno é normal a perda de sinal e a perda de comunicações” das aeronaves. Por isso, as regras que constam num protocolo de emergência com aeronaves ditam que “a aeronave contacte os serviços de controlo de tráfego aéreo depois de aterrar a informar sobre a operacionalidade”.
Os controladores do tráfego aéreo, no entanto, estimaram qual seria a hora da chegada e qual o tempo a que deviam ser contactados pelos tripulantes, o que seria pelas 19h00. Mas assim que chegou o tempo previsto para a viagem, que começaria no Porto e terminaria em Macedo de Cavaleiros, não houve qualquer contacto ou sinal do helicóptero. E aí foram tomadas medidas.
Quem chegou primeiro ao terreno?
O barulho de um estrondo logo depois de ter visto um helicóptero a passar, levou um homem que reside no concelho de Valongo, na zona da Serra de Santa Justa, a ligar para o 112. A descrição da ocorrência é que tinha acabado de ver uma aeronave que passou e que, depois de fazer um som como que a desligar-se, ficou sem luzes no ar. Seguiu-se um estrondo. Uma fonte da PSP referiu ao Observador que o oficial de serviço no Comando da PSP do Porto recebeu, de facto, uma chamada do Posto de Comando e Controlo dando conta daquela alerta que chegava via 112. Seriam 18h57. A PSP, no entanto, responde-lhe que aquela é a área da GNR e informa a Guarda as 19h14. Ainda assim, garante fonte policial ao Observador, a PSP mandou então para o local duas equipas de Intervenção Rápida.
O Comando da GNR enviou uma patrulha às 19h24. Chegaram ao destino cerca de dez minutos depois. No local não viram nada nem ninguém. Estava muito escuro e chovia. Perante isto, a GNR ligou à pessoa que teria feito a denúncia e este respondeu que quando ligou ao 112 lhe disseram que não havia nenhum helicóptero do INEM a operar na zona. Recorde-se que o helicóptero terá levantado voo depois de informar o INEM que não iria descolar devido às más condições meteorológicas. Ao que o Observador apurou, a certa altura estão PSP e GNR no terreno a tentar procurar alguma coisa. E mantêm-se ambas naquela zona até à chegada dos bombeiros. Os bombeiros não foram chamados por nenhuma das duas forças, uma vez que nada encontraram no terreno que o justificasse.
O Observador contactou os porta-vozes do Comando Geral da GNR e da PSP que recusaram prestar qualquer esclarecimento. “Foi aberto um inquérito pelo ministro da Administração Interna”, recordaram, para justificar o silêncio que se impôs após se começarem a revelar várias contradições entre os intervenientes na operação de socorro.
Também aqui estas informações não são claras. É que, segundo o Comandante Distrital de Operações de Socorro do Porto, que coordenou as investigações, os bombeiros de Valongo foram os primeiros a chegar ao local — contrariando a versão de que a PSP e a GNR lá tivessem estado antes.
A Proteção Civil não atendeu as chamadas de alerta?
Seguindo o protocolo de atuação, e sem notícias do helicóptero, pelas 19h20 os técnicos da NAV começaram a telefonar para vários locais a tentar perceber se o helicóptero tinha ou não chegado ao destino. O comunicado oficial refere que, da Torre de Controlo do Porto, telefonaram para o aeródromo de Baltar, onde os tripulantes chegaram a pensar aterrar; para os telemóveis da tripulação; para o aeródromo de destino — e de onde eles partiram inicialmente — em Macedo de Cavaleiros. E nada. As tentativas não se esgotaram aqui. Contactaram também o heliporto de Massarelos “para saber se tinham optado por regressar” e ainda a PSP da zona para ir ao local ver se existia algum sinal da tripulação. Seguiram-se contactos para os bombeiros de Valongo e para a PSP de Valongo. Por fim, o Comando Distrital de Operações de Socorro — primeiro do Porto, depois de Braga e a seguir de Vila Real. Nenhum deles atendeu, segundo a NAV. “Só após contactar o CDOS de Coimbra, que reencaminhou a chamada para o Porto, é que se conseguiu contactar o CDOS do Porto. Eram 19h40”, refere o comunicado.
À agência Lusa, os comandantes de Braga e Vila Real já estranharam esta informação. Dizem que é “muito esquisito” que uma chamada de quem quer que seja não tenha sido atendida, porque “a sala de operadores tem sempre dois operadores em permanência, 24 sobre 24 horas”.
Uma fonte próxima do Comandante Distrital de Operações de Socorro confirmou ao Observador, no entanto, que de facto passou essa chamada para o Porto, mas nem sequer lhe foi indicada a ocorrência — limitou-se a passar o telefonema. Já a PSP refere que soube do caso pelo 112 e não pela NAV, cerca das 19h. Contradições que terão de ser esclarecidas.
Pelas 19h40, depois de não conseguir localizar o helicóptero e falar com os seus tripulantes, a torre de controlo acabaria por pedir ajuda à Força Aérea. Nesta altura, garantem as autoridades, a Proteção Civil continuava sem saber que a aeronave podia ter-se despenhado e que era necessário procurá-la.
Quando é que a Proteção Civil soube? E quem a avisou?
Também aqui não existe só uma versão daquilo que aconteceu. A Força Aérea disse no sábado que alertou a Proteção Civil pelas 20h09 — mas, na primeira conferência de imprensa do comandante das operações no terreno, Carlos Alves garantiu que a Proteção Civil só tomou conhecimento do que se passava às 20h15. E não é só a hora que muda no relato de uns e outros. Também a tese de quem informou quem. A Força Aérea diz que avisou a Proteção Civil, mas Carlos Alves garante que foi uma chamada de um civil que os levou para o terreno, e que só depois foram tentar apurar quais tinham sido as horas dos últimos contactos daquela aeronave.
A própria comunicação sobre o que estava a acontecer na operação de resgate foi tardia. O INEM já tinha enviado dois comunicados, a Força Aérea tinha dado informações sobre o apoio que ia prestar e da Proteção Civil nada. Foi então anunciado um briefing no terreno para a meia-noite, que só acabaria por concretizar-se uma hora depois. Na segunda comunicação aos jornalistas veio a saber-se que o helicóptero tinha sido encontrado com as quatro vítimas mortas. A descoberta deu-se pela 1h30, hora a que a conferência de imprensa acabava com a promessa de que as operações de resgate seriam muito duras dado o mau tempo e a falta de visibilidade entre as serras de Pias e de Santa Justa, onde se suspeitava estar o helicóptero.
O Comandante Operacional Distrital de Operações chegou demasiado tarde ao local?
Segundo um comunicado enviado já ao final da tarde deste domingo pela Liga dos Bombeiros, assinado por Jaime Marta Soares, os bombeiros de Valongo foram chamados a intervir pelas 20h35, quase duas horas após o último contacto efetivo com o helicóptero. Nesta fase partiram para o terreno 70 bombeiros, 22 elementos do Grupo de Intervenção e Socorro da GNR e 30 elementos do INEM. Todos com o objetivo de localizar o helicóptero desaparecido.
No entanto, denuncia Jaime Marta Soares, “só às 22h30 é que o CDOS [Comando Distrital de Operações de Socorro] do Porto pediu a sua viatura de comunicações e comando” e “o senhor CODIS [Comandante Operacional Distrital de Socorro] do Porto só chegou às 23h ao local das operações“, altura em que “a operação já ia a mais de 90%”. Até chegar o posto de comando e o comandante distrital, os bombeiros de Valongo fizeram um centro de comando num campo de futebol da autarquia. Eram estas as imagens que se viam nas televisões ao início da noite de sábado.
“Quero dizer com isto que a ANPC falhou e quero que isso seja apurado: as responsabilidades técnico-operacionais e as responsabilidades políticas de quem falhou em relação a esta situação”, anunciou Jaime Marta Soares.
Qual foi o papel da Força Aérea?
A Força Aérea foi alertada pela NAV de que um helicóptero do INEM tinha desaparecido na zona de Valongo. O registo desse contacto é uma das poucas coisas que bate certo nesta cronologia do tempo, em que NAV e Força Aérea parecem sintonizados: 19h36. “O Helisul 203 – HSU 203, callsign do helicóptero do INEM, em operação na zona de Valongo, não reportava posição há algum tempo”, informava a NAV.
O Centro de Busca e Salvamento de Lisboa (RCC Lisboa), da Força Aérea, contactou de seguida a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), que informou não ter tido conhecimento de qualquer ocorrência. De facto, àquela hora PSP e GNR tinham sido informados e até tinham ido ao terreno, mas, como não encontraram nada, não chamaram os bombeiros nem avisaram a Proteção Civil. Aliás, nem sequer sabiam que a queixa que lhes chegou se referia ao helicóptero do INEM que acabava de desaparecer, justificam. Só depois a GNR de Baltar seria contactada pela Força Aérea. O que também levanta outra questão: o Comando da GNR do Porto, que mandou meios para o local, podia ou devia ter comunicado à GNR de Baltar? E a GNR que esteve no local, devia ter dito à Força Aérea? Se eventualmente só soube depois da primeira chamada de um habitante, porque é que a GNR não falou dessa chamada à Força Aérea, quando esta ligou?
Também a Força Aérea terá feito alguns telefonemas sem resposta, nomeadamente para a GNR de Massarelos: “O telefone estava indisponível”. Já num contacto para o Comando Territorial da GNR do Porto, o Centro de Busca e Salvamento de Lisboa da Força Aérea foi informado que não havia conhecimento de qualquer ocorrência. Só aqui informaram que, no entanto, um habitante, através de um telefonema, tinha relatado “ter ouvido um barulho estranho”.
Com esta explicação depreende-se que as autoridades possam não ter ligado o “barulho estranho” ao desaparecimento de um helicóptero. Pode mesmo dar-se o caso de só depois de a operação estar montada as testemunhas terem começado a fazer a ligação entre o estrondo e o helicóptero desaparecido e a alegar que foi essa a mensagem que transmitiram. Só o auto de ocorrência, a ter sido feito pela GNR, poderá esclarecer esta falha de comunicação.
Depois destes contactos, pelas 20h14, a Força Aérea altera o estado de prontidão do EH-101 de alerta na Base Aérea N.º 6 – Montijo de 45 minutos para 15 minutos, preparando-se para partir em caso de necessidade. Doze minutos depois a Autoridade Nacional da Proteção Civil contacta com a Força Aérea e fala num outro alerta de um habitante “que reportou um estrondo entre a Serra de Pias e a Serra de Santa Justa”. “O RCC Lisboa contatou o popular e este diz que viu passar o helicóptero e que de seguida ouviu um estrondo entre a Serra de Pias e a Serra de Santa Justa”, refere a Força Aérea.
Às 20:37 foi ativado o helicóptero EH-101 Merlin em alerta na Base Aérea N.º6 – Montijo e um minuto depois é informada a ANPC de que a Força Aérea vai enviar um EH-101 para a área de operações. Na versão da Proteção Civil, a esta hora os bombeiros de Valongo acabavam de chegar ao terreno. Passados 22 minutos, os militares ainda contactam a ANACOM e perguntam se detetou algum sinal de emergência. Mas a resposta é negativa. Só às 21h33 a Força Aérea é informada das últimas coordenadas SIRESP do telemóvel do piloto do Helisul 203 – HSU 203.
Com esta informação, o Merlin da Força Aérea descola do Montijo em direção à zona de operações, mas também reporta “condições meteorológicas muito adversas na zona de operações e, por não estarem reunidas as condições mínimas de segurança”, desvia a rota em direção ao aeroporto Francisco Sá Carneiro — onde aterrou e ficou a aguardar uma melhoria das condições meteorológicas.
O que provocou o choque do helicóptero com a antena?
O Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) revelou em comunicado que o acidente com o helicóptero do INEM em Valongo terá resultado “da colisão com uma antena emissora existente na zona”. Em comunicado, o GPIAAF diz que de uma “avaliação preliminar dos destroços, que foi possível realizar até ao momento, indica que a queda da aeronave aconteceu na sequência da colisão com uma antena emissora existente na zona. Essa colisão pode ter tido origem em diversas causas possíveis, o que apenas após a reunião de toda a informação necessária e no decurso do aprofundamento do processo de investigação poderá ser devidamente esclarecido”. Essas causas serão agora investigadas.
Paralelamente à investigação ao acidente, será feito um “inquérito técnico urgente” ordenado pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que visa apurar o que correu mal com o “lançamento dos alertas”. Cabrita determinou à Autoridade Nacional de Proteção Civil a abertura de um inquérito técnico urgente ao funcionamento dos mecanismos de reporte da ocorrência e de lançamento de alertas”, informou o Ministério da Administração Interna em comunicado.
Os destroços que foram recolhidos pelos civis podem fazer falta na investigação?
Durante todo o dia de domingo várias pessoas deslocaram-se à Serra de Santa Justa na tentativa de testemunhar a operação de resgate do helicóptero. No local, os jornalistas aperceberam-se que os populares passavam livremente o perímetro de segurança estabelecido pelas autoridades. Faziam-no a pé, de bicicleta, de mota e até de jipe. E houve mesmo quem tivesse encontrado fragmentos da aeronave. A Proteção Civil garante que encontrou todos os destroços do helicóptero. Encontrou mesmo?