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A alegria dos que assistem aos resgates "milagre" e o silêncio dos outros. Os testemunhos dos sismos na Turquia e na Síria

Na Turquia, há bebés resgatados com vida de debaixo da terra, emocionando as equipas de salvamento. Mas há também os gritos dos que ainda estão presos e o desespero dos vivos, em choque.

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O prédio de cinco andares na Boulevard Zübeyde Hanım — uma das ruas principais da cidade turca de Gaziantep, que passa à beira do jardim botânico — colapsou. Por baixo dos escombros estiveram durante 40 horas a família Karapirli, composta por mãe (Pınar), pai (İbrahim) e os dois gémeos de ano e meio, Amine Elçin e Ahmet Erbay. Ao final do dia desta terça-feira, as equipas de resgate conseguiram chegar ao gémeo rapaz, Ahmet. “Vem aí um milagre!”, gritou um dos membros da equipa, à medida que conseguia tirar o bebé dos escombros. A irmã e os pais seriam retirados pouco depois, todos com vida.

O relato feito pela agência de notícias turca Anadolu, intitulado “Felicidade dupla”, é uma das muitas histórias com final feliz que têm sido replicadas ao longo das últimas horas pela imprensa local e internacional, à medida que ainda se conseguem resgatar com vida algumas das vítimas do sismo de enorme magnitude que abalou o sul da Turquia e o norte da Síria na madrugada de segunda-feira — e que terá matado quase oito mil pessoas, segundo os dados mais recentes.

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Várias crianças foram resgatadas com vida dos escombros ao longo das últimas horas

Anadolu Agency via Getty Images

São várias as histórias de bebés e crianças resgatados com vida. A pequena ​​Ayşe Vera Yılmaz, de apenas seis meses de idade, sobreviveu, juntamente com a sua mãe, a 29 horas soterrada na cidade de Kahramanmaraş. O bebé de 15 meses Meryem Işık foi outro dos sobreviventes que aguentou 31 horas sob os destroços. Com a dificuldade dos jornalistas e equipas de resgate internacionais em chegar aos locais mais afetados pelo sismo, o mundo vai conhecendo as histórias de sobrevivência sobretudo pelos vídeos difundidos nas redes sociais. E já são muitos.

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Ayşe, Sidra e Hatice, os protagonistas de salvamentos impressionantes

A pequena Ayşe Kübra Güneş, de cinco anos, foi a protagonista de outra história que comoveu as equipas de resgate: debaixo dos escombros, seguiu as indicações dos especialistas e enviou uma mensagem de telemóvel ao pai — que a esperava à superfície — a dizer “Estou bem”. O alerta havia sido dado pela sua mãe, através do grupo de WhatsApp da escola, onde escreveu que toda a família Güneş se encontrava soterrada, mas viva. Os professores correram para o local e ajudaram ao resgate da família. Ayşe foi a última. Quando finalmente emergiu, deu a mão ao pai e não mais a largou, nem mesmo quando foi colocada numa maca.

E Ayşe não foi a única a deixar as equipas de resgate de lágrimas nos olhos. Os mineiros de Amasra ficaram tão impressionados, depois de terem conseguido salvar o pequeno Sidra (cinco anos) em Hatay, 35 horas depois do primeiro sismo, que o seu sindicato enviou um comunicado aos jornais turcos dando conta de que a criança está bem “e será entregue à família depois dos exames hospitalares”.

E se é certo que os casos de crianças impressionam particularmente, não são os únicos. Também em Hatay, a jovem de 26 anos Hatice Şeren surpreendeu tudo e todos quando, enquanto era colocada na maca, repetia várias vezes “Não estou ferida em lado nenhum, deixem-me levantar e ajudar a tirar dali os meus pais”, conta o Hürriyet, um dos principais jornais turcos.

Um dos seus professores, Sedat Karagül, viu as imagens pela televisão. “Vi que a minha querida aluna Hatice Şeren foi retirada dos destroços com segurança. Ela está bem, ouvi a voz dela… Graças a Deus. Não dormi a noite toda”, escreveu no Twitter.

Mas se as histórias de sobrevivência acalmam alguns dos familiares e amigos e comovem outros à distância, nem todos os relatos são tão felizes. É que por cada pessoa resgatada, há centenas — senão milhares — de outras que permanecem debaixo dos escombros. E a probabilidade de ainda virem a ser salvas com vida é cada vez mais diminuta.

Há falta de homens e equipamento em Hatay: “Este é um lugar negligenciado”

Os gritos e choro de alegria acompanham os vídeos dos resgates bem sucedidos, mas, ao longo dos últimos dias, nas cidades mais afetadas o silêncio é mais ruidoso. “Não tenho uma resposta dela há três horas. Não sei, não consigo dizê-lo em voz alta. Mas não tenho esperança.” Hulusi Ibrahim confessou à agência Reuters que interpreta o silêncio da mulher, que ficou soterrada na casa de ambos em Kahramanmaras de onde ele conseguiu fugir a tempo, como sinal de que já não estará viva.

Por vezes um som abafado irrompe do chão, dando esperança aos que estão à superfície de que ainda há alguém com vida, ali debaixo do entulho. Mas a esperança é vã quando não há equipamento, nem técnicos, como num vídeo a que a BBC teve acesso, onde um homem sozinho se lamenta por não conseguir fazer nada para salvar quem ali está: “Como veem, há um cadáver aqui. Ele está morto e ainda ninguém o levou. E oiço a voz de uma mulher lá em baixo.”

É uma situação desesperante, registada em Hatay, uma das províncias turcas mais afetadas pelo sismo — 1.200 edifícios estarão destruídos, ali, segundo informações oficiais do governo turco — e onde, segundo muitos residentes, a resposta das autoridades não tem sido suficiente. “Não há serviços de emergência, não há soldados, não há ninguém. Este é um lugar negligenciado”, afirmou à Reuters um voluntário que foi de Ancara de propósito para a região. Alguns trabalhadores da construção civil têm tentado ajudar aos esforços de resgate na região, mas há falta de equipas especializadas.

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Hatay foi uma das províncias turcas mais afetadas pelo sismo, onde os residentes se queixam de falta de resposta das autoridades

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O Presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, afirmou esta terça-feira que já foram resgatadas com vida mais de oito mil pessoas na Turquia, enquanto o governo diz que os feridos estão a ser transportados para a capital Ancara. Mas o sentimento de abandono por parte de alguma das vítimas é evidente, como comprova a hashtag #HatayYardimBekliyor (“Hatay está à espera de ajuda”), que a BBC aponta já ser viral no Twitter, bem como um vídeo onde um homem pergunta diretamente a um deputado do AKP, o partido de Erdoğan, “Por que está o Estado tão perdido?”.

Em Hatay, como noutros lugares, a agonia continua. “Eles estão a chamar-nos, dizem ‘Salvem-nos’, mas não conseguimos salvá-los. Como é que os podemos salvar?”. Deniz, residente em Hatay, falava assim sobre os seus pais à Reuters. Continuam presos, debaixo da terra. Por enquanto, os seus gritos ainda se ouvem.

Sobreviventes passam as noites ao frio e nos carros, com medo das réplicas

Barış Yapar tem a sorte de ter os seus pais consigo, mas continua a rezar para que os seus avós sejam resgatados. O estudante universitário de Samandag, cidade na província de Hatay, está desde segunda-feira de manhã a viver com os pais dentro do seu carro, num parque de estacionamento, rodeados de outros carros cheios de outras famílias que não sabem para onde ir. “Não temos recebido a ajuda que devíamos. Estamos só aqui no escuro, cada um a tentar fazer o que consegue”, contou à rádio canadiana CBC. “Já passaram 19 horas e os meus avós ainda estão debaixo das ruínas.”

A falta de um teto para os que sobreviveram é particularmente preocupante numa região onde as temperaturas à noite atingem graus negativos e onde há poucas infraestruturas para garantir abrigo, calor e comida para todos. “Em algumas zonas houve pessoas que passaram a noite sem eletricidade, em descampados, porque não havia tendas de campanha suficientes”, revelou ao El Mundo Asli Sever, voluntária que chegou esta terça-feira a Antakya. “Falta comida e bebida, as pessoas têm fome. Em alguns bairros nem sequer há comida para as equipas de resgate.

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Desalojados aquecem-se em torno de uma fogueira em Iskenderun, na Turquia

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Com receio das réplicas, muitos temem ir para as mesquitas, escolas e ginásios que estão a acolher as multidões de desalojados, preferindo ficar na rua, em torno de fogueiras improvisadas ou dentro dos carros. Os que tentam ir para debaixo de um teto, como o produtor da Al-Jazeera Ahmed al-Khatib e a sua família, relatam momentos de terror a cada vez que se sente novo tremor: “Sentimos, tentamos correr lá para fora e acaba. Sentimos, tentamos correr lá para fora e acaba.”

Apesar de tudo, as autoridades e a sociedade civil turca tentam ir-se mobilizando para dar resposta a uma tragédia de dimensões sobrehumanas. A muitos quilómetros para noroeste do local onde a terra tremeu, na cidade de Keşan, o ginásio da escola secundária é agora posto de recolhe de bens para enviar para o sul país. No meio dos cobertores, roupas, comida e sacos-cama, o Hürriyet descobriu um coelho de peluche, acompanhado de uma nota de 100 liras (cerca de cinco euros), deixado por um rapaz.

Na Síria, onde tudo está ainda pior. “Vimos destruição pior do que a da guerra”

No noroeste da Síria, porém, nem essa recolha funciona. Num país em guerra há mais de 11 anos, o governo de Bashar al-Assad não tem capacidade de resposta, tem sido tímido nos pedidos de ajuda internacional e ainda tenta garantir que a ajuda humanitária só é distribuída através dos seus canais — porque, com ou sem tragédia, a guerra ainda não está ganha e Assad não quer ceder um centímetro de autonomia às zonas rebeldes.

Na prática, isso significa que a situação no terreno é ainda mais desesperante do que aquela que se vive na Turquia. Em várias cidades, o resgate está a ser feito apenas pela sociedade civil, com destaque para o grupo “Capacetes Brancos”. Contudo, a sua capacidade é limitada, com um dos seus voluntários, Ismail Alabdullah, explicou à CNN: “Este desastre é muito maior do que qualquer organização que esteja no noroeste da Síria. Este desastre precisa de ajuda internacional”.

“O pai está aqui, não tenhas medo”. Menina síria resgatada dos escombros de um prédio destruído pelo sismo

Os poucos relatos que chegam aos media dão conta de cidades e aldeias arrasadas, como contou Malik Abu Ubaidah ao Middle East Monitor: “Vimos destruição ainda pior do que a da guerra. Há bairros inteiros que foram arrasados em dois minutos, como se alguém tivesse ali largado uma bomba nuclear.”

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Na Síria há relatos de aldeias praticamente todas arrasadas

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Foi o que Ubaidah viu em locais como em Jindires, perto de Alepo, um dos locais mais afetados pelo sismo. A informação que sai dali é escassa — já quase não há presença de media oficiais na Síria e as comunicações estão limitadas —, mas a vila foi palco de outro relato impressionante, feito pela Agência France-Press, que envolve o salvamento de uma bebé esta terça-feira. Embora também seja uma história “milagre”, como a dos gémeos de Gaziantep que foram salvos juntamente com os pais, não tem um final tão feliz.

Após sismos, mulher dá à luz debaixo dos escombros na Síria. Recém-nascida sobreviveu, mas a mãe não

A recém-nascida síria foi encontrada com vida nos escombros, ainda unida à mãe pelo cordão umbilical. Esta terá entrado em trabalho de parto cerca de sete horas depois do sismo, debaixo de terra. Deu à luz a criança, que está viva e saudável. A mãe e o pai, contudo, foram encontrados já sem vida.

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