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Adico

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A cadeira portuguesa, a nossa obra-prima

Está em todo o lado, de tal forma que já nem a vemos. A caminho dos 100 anos, a cadeira das esplanadas ganhou novas versões e saiu da rua. É uma cadeira portuguesa mas também uma cidadã do mundo.

Os primeiros modelos começaram a aparecer na capital durante a década de 30 e ocuparam a calçada portuguesa em espaços tão emblemáticos como o Café Lisboa, na Avenida da Liberdade, e o Café Nicola, no Rossio. Deve ser raro o português, ou mesmo o estrangeiro de visita, que nunca se sentou nelas. A cadeira portuguesa é um clássico do design, um objeto que se integrou tão bem no quotidiano que quase não damos por ela. É uma cadeira confortável, sólida, resistente e funcional, simples mas sofisticada. É a cadeira mais característica das esplanadas portuguesas.

Do alumínio à madeira, nos últimos anos têm coexistido vários redesigns da cadeira portuguesa, também conhecida como cadeira Gonçalo. Influenciada pela escola alemã Bauhaus, foi na fábrica Adico, em Avanca, que os primeiros modelos das cadeiras começaram a ser produzidas nos anos 30, a mesma altura em que os móveis tubulares aparecem em Portugal, em cafés e hospitais. Exemplo disso são as fotografias do catálogo da Adico desta época.

© Adico

Nos anos 50, o mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos terá criado o modelo que foi batizado com o seu nome e veio a ser registado já nos anos 90 pela empresa Arcalo, um dos fabricantes. Mas o rival aveirense contesta: ainda a Arcalo não era nascida já eles a produziam, assim como muitas outras fábricas. Nos catálogos da fábrica de Aveiro chama-se simplesmente Cadeira Portuguesa.

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O ângulo invulgar das pernas e a inclinação do assento torna-a aparentemente instável e aérea. Cria a ilusão de que quando nos sentamos, ficamos suspensos. É um produto com uma linguagem própria onde tudo faz sentido: a forma, os componentes, os ângulos sem arestas. “Há uma grande influência da Bauhaus e dos primeiros passos do design que combinam várias tecnologias de tubo e aço cruzado”, diz Nuno Ladeiro, arquiteto.

A escola alemã foi a primeira a apostar no desenvolvimento de mobiliário em aço. Nos anos 20, Marcel Breuer desenhou uma das mais célebres cadeiras do século XX e contaminou o mundo com este modelo. “Portugal desenvolveu essa tipologia de aço curvado e adaptou-a às suas necessidades, pela estatura das pessoas, pelo espaço urbano e pela capacidade de se empilharem pela frente. A cadeira adquiriu este cunho português”, explica o arquiteto que, apaixonado pelo objeto, tem vários estudos sobre o tema (incluindo uma tese de doutoramento) e já fez três redesigns do modelo original.

"É o produto mais bem desenhado da história do design moderno.”
Nuno Ladeiro, arquiteto

“Somos um país de esplanada e temos que valorizar os nossos produtos”, defende Nuno Ladeiro. Em 2015, foi o diretor da exposição “Homenagem à Cadeira Portuguesa”, na Casa de Santa Maria, em Cascais, onde juntou 40 designers, arquitetos e artistas plásticos nacionais para reinterpretarem o objeto. Foi aí que o arquiteto conheceu Miguel Rodrigues, diretor geral da Adico, fábrica de mobiliário metálico nascida nos anos 20 em Avanca e que reivindica a paternidade da cadeira portuguesa. “Inspirados na cultura da escola alemã, começámos por produzir desenvolvimento de produtos. Em 1920 éramos 600 trabalhadores. Fornecíamos os cafés de Lisboa e até vendíamos para fora”, explica o CEO.

100 anos de história, de Avanca a Tóquio

Em Avanca chamam-na pelo número de referência — “é a nossa 5008” –, mas Miguel Rodrigues batizou-a de Cadeira Portuguesa. “É um tributo a todos os portugueses. E é de todos”, defende. Por isso mesmo, a fábrica tem aberto a porta a designers convidados a darem novas formas à criação original. Pedro Sottomayor é o mais recente e “criou uma solução que dá continuidade à tradição” iniciada nos anos 20.

Assim nasceram Maria e Manel, uma sem, outra com braços. Ambas as cadeiras custam 128 euros e são fabricadas em alumínio (em vez de ferro) e com menos componentes. “É uma evolução”, diz Miguel Rodrigues. A Adico quer apostar em cadeiras mais leves, mais nobres e resistentes às intempéries.

A cadeira portuguesa desenhada por Pedro Sottomayor é feita em alumínio e com menos componentes, portanto mais leve.

Em 2020, a marca comemora 100 anos. É atualmente a empresa mais antiga no setor e a segunda mais antiga do setor em toda a Europa, com vendas para 28 países em todo mundo e presença em feiras internacionais. Têm sofás, recuperaram o conceito das vitrines e recriaram o portfólio. “Acabámos de equipar um restaurante em Tóquio com cinco estrelas Michelin”, conta o CEO. “Somos mais do que a cadeira portuguesa.”

A cadeira com nome de gente

Nos anos 50, em pleno crescimento das esplanadas em Lisboa, o mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos começou a ser procurado para produzir cadeiras iguais às que estavam a invadir a calçada portuguesa. “Os metalúrgicos eram verdadeiros artistas naquela época. Não havia o conceito de designer, eram artesãos com uma cultura muito apurada em que muito do conhecimento passava do mestre para o discípulo”, explica Nuno Ladeiro.

Com apenas 17 anos, Manuel Caldas começou a trabalhar na fábrica da Arcalo, no Cartaxo, e teve como mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos. “Foi o meu primeiro emprego”, começa por explicar o atual dono da Arcalo, agora com 71 anos. Nasceu na mesma rua da cadeira e, depois de um período emigrado na Alemanha, regressou a Portugal e soube que a fábrica ia fechar portas. “Não podia deixar a Arcalo morrer”, diz. Comprou a marca, assumiu a administração e apostou no redesign das cadeiras, mantendo ao mesmo tempo a sua beleza e simplicidade. Chamou-as de Gonçalo como homenagem ao mestre e registou-as nos anos 90.

Um dos redesigns de Nuno Ladeiro, diretor da exposição “Homenagem à Cadeira Portuguesa”.

Desde a Expo 98 já foram criados 50 modelos da cadeira em novos materiais e cores, incluindo uma versão para crianças ou chaise longue. Uma cadeira Gonçalo base pode custar 54 euros e atualmente produzem-se 60 por dia na fábrica — o objetivo é chegar a uma centena diária.

Hoje, é possível encontrar a Gonçalo em lojas de grande superfície como o Leroy Merlin, mas também em França, na Alemanha, na Bélgica ou na Suécia. A Arcalo trabalha com diferentes escalas e tanto aceita grandes encomendas como recebe o cliente particular na fábrica do Cartaxo.

Foi aí, numas dessas visitas, que Manuel Caldas conheceu Caroline Filou, francesa radicada em Portugal há sete anos que se apaixonou pela cadeira Gonçalo num quiosque do Príncipe Real, em 2014. “Estava a tomar um galão, sentei-me e achei a cadeira tão confortável, bonita e vintage”, conta. Decidiu investigar e encontrou o site da Arcalo, mas percebeu que não era possível comprar a cadeira online ou entrar em contacto com o fabricante, por isso meteu-se no carro e, juntamente com o marido alemão, foi até ao Cartaxo.

“Apaixonei-me pela fábrica e pela história e, desde aí, vendemos a cadeira Gonçalo para todo o mundo”, conta, referindo-se à loja online Pois Selection, que abriu juntamente com Anne-Marie Bonnamy, também francesa, para mostrar uma seleção de produtos portugueses. “Incentivámos ainda o senhor Caldas a apostar em novas cores, como o verde para o verão ou o cinza para o inverno”, conta Caroline, que abriu também um pequeno showroom em Campo de Ourique onde é possível encontrar vários exemplares das cadeiras. “No verão passado tivemos clientes alemães e franceses que as compraram para as suas casas”, diz. “Toda a gente se apaixona pela Gonçalo, até os estrangeiros.”

A versão de baloiço é a mais recente e está à venda na loja Pois Selection por 199€

Da esplanada para dentro de casa

Foi na fábrica do pai que Alexandre Caldas, de 44 anos, aprendeu a arte da famosa cadeira portuguesa. Apostado em “reinventar e valorizar o design original”, trazendo-o para dentro de casa, o filho de Manuel Caldas saiu da Arcalo para montar o seu próprio negócio com a mulher, Soraia Rangel, e em 2013 lançou a Around the Tree.

Como o nome indica, trata-se de um projeto sustentável que usa matérias-primas como a nogueira, a madeira natural e a cortiça. Ao modelo original da Gonçalo, a Around the Tree respondeu com novas formas, um estofo nas costas, uma panóplia de cores e acabamentos que variam consoante o público-alvo: tecidos em feltros e lãs naturais, para os países nórdicos, veludos para França e Itália. “Oitenta por cento do que fazemos é para exportar”, diz Alexandre Caldas. Uma cadeira pode chegar aos 900 euros e na marca existem também outros modelos e ainda mesas e bancos inspirados nos elementos que compõem uma árvore.

O redesign da cadeira dos anos 50 em madeira e cortiça da Around the Tree, marca que quis levar a cadeira para dentro de casa.

A cadeira é de todos

Em setembro do ano passado, a Adico ganhou um processo em tribunal contra a Arcalo em que a justiça atribuiu a paternidade da produção da primeira versão da cadeira portuguesa à fábrica de Avanca. “Foram obrigados a pagar-nos uma indemnização e não podem dizer que foram os primeiros a criá-la. Continuam a produzir a cadeira mas chamam-na apenas de Gonçalo”, diz Miguel Rodrigues, da Adico.

Cadeira Portuguesa ou com nome de um mestre serralheiro, não é por acaso que a cadeira perdurou até hoje. Segundo Nuno Ladeiro, “é o produto mais bem desenhado da história do design moderno”. Uma obra-prima, possivelmente anónima como outras obras-primas do design. E continuará a sofrer modificações. O próprio arquiteto, por exemplo, está a trabalhar num novo modelo, agora em plástico. Com a ajuda dos 70 trabalhadores em Avanca, a Adico está a preparar também uma versão em polipropileno. Já na Arcalo, Manuel Caldas quer continuar a produzir mais modelos para “aumentar a durabilidade da cadeira”.

“O design não é inovação, é evolução”, conclui Nuno Ladeiro. Para o arquiteto, a cadeira não é deste ou daquele: “É a nossa cadeira. É de todos os portugueses.”

Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº 2 (novembro de 2018).

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