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Pagar ou perder. As regras impostas por Elon Musk pareciam claras: quem não estivesse disposto a pagar oito dólares pelo Twitter Blue, serviço premium da rede social, ficaria sem o célebre selo azul junto ao nome de utilizador. Do Papa Francisco a Cristiano Ronaldo ou Beyoncé, várias foram as personalidades que ficaram sem o distintivo a partir de quinta-feira, dia 20 de abril.
Mas existiram três exceções. O dono do Twitter disse que estava a pagar para que o basquetebolista LeBron James, o escritor Stephen King e o ator William Shatner mantivessem a verificação. Depois desse anúncio existiu um volte face, que foi recebido com alguma estranheza: no fim de semana, várias contas de figuras públicas voltaram a receber, automaticamente e (segundo dizem) sem pagar, o selo azul. O misterioso reaparecimento foi comentado, por exemplo, pelo antigo jogador de futebol Gary Neville, que disse ter vencido “a luta pelo poder”, e pelo comediante Ricky Gervais.
They gave me my blue tick back! I won the power struggle!!! ✔️
— Gary Neville (@GNev2) April 23, 2023
My Blue Tick has reappeared. I can only assume this is a gift for all the bath pics over the years.
— Ricky Gervais (@rickygervais) April 23, 2023
Se por um lado existiram brincadeiras como a de Gervais (“só posso assumir que é uma prenda por todas as fotografias no banho ao longo dos anos”), por outro houve quem não tenha gostado do facto de o selo azul ter regressado com a indicação falsa de que estaria a ser pago. O ator Ian McKellen deixou claro que “apesar da indicação” não estava a dar oito dólares pela “honra” de voltar a ter o símbolo.
Despite the implication when you click the blue badge that has mysteriously re-appeared beside my name, I am not paying for the "honour".
— Ian McKellen (@IanMcKellen) April 23, 2023
Neste momento, cada vez mais celebridades já contam, novamente, com o selo azul junto ao seu nome. Com o amplo regresso gerou-se o rumor de que a gratuitidade se aplicava a contas de figuras públicas com mais de um milhão de seguidores. A alegação ainda não foi confirmada pela rede social, com a revista Forbes a notar que perfis sem essa quantidade de seguidores também voltaram a receber a verificação. E contas com muitos milhões de seguidores continuam sem o selo azul. É o caso do ator Ryan Reynolds.
Até os mortos “pagaram” o selo azul. Twitter pode ser alvo de processos judiciais
Antes de o Twitter ser comprado por Elon Musk, o selo azul verificava a identidade do utilizador e só estava disponível para um grupo restrito de pessoas, que o obtinham mediante determinados critérios. A notoriedade era um deles. Agora, o selo sinaliza que a conta paga oito dólares por mês para ter a distinção e acesso a vantagens disponíveis no Twitter Blue, como a visualização de menos anúncios publicitários.
O sistema de verificação de contas implementado após Musk assumir o controlo da rede social funciona por cores, mas pode deixar os utilizadores confusos. Quem o diz é Alexandra Roberts, professora de direito e media na Northeastern University (em Boston, EUA), que explica que o “Twitter não só alterou drasticamente o sistema de verificação em relação ao que era antes, como nos últimos meses propôs e experimentou diferentes” opções que depois viria a “abandonar”. “Os consumidores ficam a [tentar] adivinhar e a tentar perceber o significado das várias verificações e categorizações”, nota, em declarações ao Observador.
Atualmente, o sistema de verificação do Twitter funciona da seguinte forma:
- O selo azul, antes uma marca tradicional, sinaliza que o utilizador daquela conta é assinante do Twitter Blue. E que cumpriu etapas até à verificação, incluindo ter um número de telemóvel associado ao perfil.
- O selo dourado é reservado a organizações oficias e empresas que, segundo a BBC, pagam 1000 dólares por mês. A esse valor acrescentam as taxas adicionais que devem ser pagas se existirem contas “afiliadas” à principal.
- O selo cinzento está disponível para contas de organizações governamentais e chefes de Estado. É marca que têm, por exemplo, a conta oficial do Governo português e do Papa Francisco.
Quando os selos azuis regressaram, de forma misteriosa, as contas das figuras públicas que os recuperaram continham a indicação de que o perfil foi “verificado porque está inscrito no Twitter Blue e o número de telemóvel está verificado”. Alguns utilizadores novamente verificados, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a modelo Chrissy Teigen, vieram dizer desde logo que o símbolo regressou sem que pagassem por ele ou o solicitassem.
We did not subscribe to Twitter Blue.
— Massachusetts Institute of Technology (MIT) (@MIT) April 23, 2023
It attached itself to me the minute I posted about dril getting it for punishment. How did it happen so fast. like the movie It Follows
— chrissy teigen (@chrissyteigen) April 22, 2023
O símbolo azul também voltou a contas de personalidades que morreram há alguns anos, apesar de algumas permanecerem ativas. As contas do ator Paul Walker, do chef Anthony Bourdain, do cantor Chester Bennington, do ator Chadwick Boseman, do basquetebolista Kobe Bryant, do músico Michael Jackson ou do jornalista saudita Jamal Khashoggi receberam selos azuis com a indicação de que assinaram o Twitter Blue.
A maioria dessas contas encontra-se inativa, mas em algumas continuam a ser partilhadas publicações. É o caso do perfil de Paul Walker e do de Michael Jackson, onde, de vez em quando, são partilhadas memórias, como fotografias. O The Washington Post explica que não é claro se o Twitter decidiu conceder o símbolo gratuitamente ou se alguém responsável pela gestão das contas das celebridades que já morreram subscreveu o serviço.
O facto de aparecer junto ao selo azul que aquele utilizador está “inscrito no Twitter Blue”, mesmo que ele não seja assinante, pode levar a rede social a enfrentar a justiça, uma vez que pode estar a violar leis que proíbem a publicidade falsa ou a utilização da imagem ou do nome de uma pessoa para fazer publicidade a um serviço sem o seu consentimento.
Ao Observador, Alexandra Roberts diz que “a exibição de uma marca de verificação azul em contas que não subscreveram o Twitter Blue e, ao mesmo tempo, a afirmação de que essas contas se inscreveram no serviço é uma prática enganosa”. “Nos Estados Unidos, a Comissão Federal do Comércio pode tomar medidas para controlar as práticas comerciais que enganam os consumidores”. Por outro lado, acrescenta, as leis de publicidade enganosa proíbem que sejam feitas “declarações falsas sobre um produto ou empresa ou sobre o apoio de uma celebridade”.
Em muitos estados dos EUA, as celebridades podem processar [empresas ou serviços] por apropriação indevida do direito de publicidade, se uma empresa fizer uso comercial do seu nome ou da sua imagem sem o seu consentimento. Em mais de 20 estados, esse direito estende-se aos herdeiros de celebridades mortas”, garante a professora universitária, que considera que o resultado de potenciais ações judiciais é ainda “difícil de prever”.
Por sua vez, Catalina Goanta, professora associada de direto, economia e administração na Utrecht University School of Law (nos Países Baixos), indica que as regras dos Estados Unidos são semelhantes às da Europa e do Reino Unido no que diz respeito à proibição de “práticas desleais e enganosas que possam manipular os consumidores e afetar os mercados”. “O que Musk está a fazer ao pagar para que algumas celebridades mantenham o selo azul pode ser considerado uma prática injusta ou enganosa porque cria uma impressão para o público de que essas celebridades específicas estão a apoiar os modelos de negócios do Twitter”, alerta, em declarações à revista Wired.
A desinformação e a importância da verificação (não paga) numa “era de clickbait”
À distância do pagamento de uma quantia mensal, o selo azul fica disponível para qualquer utilizador do Twitter. Isso pode não só potenciar o aumento da desinformação, como também tornar mais fácil a criação de contas falsas. Afinal, durante vários anos o facto de um perfil contar com a verificação tornava-o mais confiável para o público.
Agora, a “desinformação pode tornar-se mais prevalente e mais persuasiva, mais suscetível de enganar os utilizadores”, que começam a ter mais dificuldades em perceber quem é o responsável por determinada conta. “É mais provável que as pessoas sigam contas que se fazem passar por figuras públicas pensando que são legítimas”, afirma Alexandra Roberts.
A ausência de verificação em algumas contas legítimas e a sua presença noutras, incluindo contas de paródia e personificação, cria mais confusão e dá mais trabalho aos utilizadores que pretendem investigar se as mensagens que veem são efetivamente da fonte que aparentam ser.”
A professora de direito e media na Northeastern University considera ainda que “numa era de clickbait, conteúdos patrocinados e desinformação direcionada”, a “confusão torna o Twitter um lugar menos útil e eficiente para obter notícias e informações”, mas também um “lugar mais arriscado para marcas, celebridades e políticos se relacionarem com o público”. Apesar disso, há um problema: “Sair do Twitter pode não ajudar essas figuras públicas a evitarem a falsificação de identidade — podendo, paradoxalmente, facilitar ainda mais a sua personificação com sucesso”.
Para verificar a veracidade das contas nesta nova era do Twitter, há truques que podem ser adotados. Em declarações ao Observador, Claire Wardle, professora na Universidade de Brown (EUA) e especialista em desinformação, lembra que a data de criação do perfil é importante. “Por exemplo, a conta de Ronaldo terá sido criada há muito tempo, provavelmente em 2009. Se numa conta aparece que foi criada em 2023 é um indício. Da mesma forma, o Cristiano Ronaldo tem milhões de seguidores, o que não acontece com uma conta falsa”. Para perceberem estes indícios, os utilizadores não devem apenas olhar para as publicações que aparecem no feed, mas também para os perfis.
Apesar dos truques, Claire Wardle não tem dúvidas que será mais fácil para qualquer pessoa fazer-se passar por outra. “O nosso cérebro baseia-se em heurísticas — atalhos mentais para dar sentido à informação. Os nomes ou logótipos que já conhecemos são um atalho mental poderoso para nos dizer que podemos confiar em algo. Sem a marca azul, qualquer pessoa pode utilizar um nome ou logótipo para se fazer passar por outra.”
E isso já tem vindo a acontecer, com o próprio Twitter a cometer erros. Há contas que foram verificadas e que não eram verdadeiras. No fim de semana passado, a rede social atribuiu o selo dourado a uma conta falsa da Disney Junior do Reino Unido que estava a publicar conteúdo que a BBC descreve como sendo “vil”, embora não especifique do que se tratava exatamente. O criador do perfil ficou surpreso com a verificação: “Isto não é real, certo? Alguém me belisque ou algo assim”. Por outro lado, a conta verdadeira também recebeu um selo dourado.
Uma conta falsa do programa The Challenge, da MTV, também recebeu esse selo após partilhar vídeos e imagens violentas, como discussões e lutas de rua, nota o Deadline. O perfil oficial está classificado como “afiliado da MTV” e tem a verificação dourada. Não se sabe como é que estas contas que se fizeram passar por outras obtiveram o “ouro”, que custa 1000 dólares por mês. Estima-se que não terão pago, uma vez que poderão ter sido ‘apanhadas’ no processo de devolução de selos.
O primeiro lançamento do (novo) Twitter Blue fracassou
Um mês após Musk comprar o Twitter, em novembro do ano passado, foi feito o lançamento desta nova versão do Twitter Blue, que permite que qualquer pessoa tenha uma conta verificada (mediante pagamento). Porém, uns dias depois, o serviço premium teve que ser suspenso porque vários utilizadores estavam a fazer-se passar por outros.
A Forbes relembra que foram criadas contas falsas para o basquetebolista LeBron James, para o antigo Presidente norte-americano Donald Trump e ainda para a empresa farmacêutica Eli Lilly. Esses perfis não só tinham o selo azul, como também tinham uma aparência bastante semelhante à dos verdadeiros.
No início de dezembro, cerca de um mês depois da suspensão, foi anunciado o relançamento do Twitter Blue, com o custo de oito dólares/mês por subscrições na internet e um custo de 11 dólares mensais para quem utiliza a aplicação em iOS e Android. O serviço pago chegou a Portugal em fevereiro e, desde então, já se encontra disponível em todo o mundo.
Twitter Blue. O serviço pago da rede social de Elon Musk já está disponível em Portugal
Nos últimos meses, pouco se falou sobre o Twitter Blue. Até ao início da remoção dos selos azuis, que os especialistas consideram que poderá ter sido o maior erro que Elon Musk cometeu desde que assumiu o controlo da plataforma. Para Claire Wardle é claro que “vamos assistir a mais embustes e confusão na plataforma”, que é a “última coisa” que os anunciantes querem.