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A “experiência caleidoscópica” da série "Dots Obsession" é intensificada ao entrar numa caixa de espelhos onde podem estar apenas seis pessoas em simultâneo, e por tempo limitado
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A “experiência caleidoscópica” da série "Dots Obsession" é intensificada ao entrar numa caixa de espelhos onde podem estar apenas seis pessoas em simultâneo, e por tempo limitado

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

A “experiência caleidoscópica” da série "Dots Obsession" é intensificada ao entrar numa caixa de espelhos onde podem estar apenas seis pessoas em simultâneo, e por tempo limitado

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

A cor e a sombra de Yayoi Kusama chegaram a Serralves

É inaugurada nesta quarta-feira no Porto uma exposição retrospetiva da artista japonesa Yayoi Kusama, de 95 anos. São mais de 160 obras de uma "cartilha para lidar com o sofrimento".

O percurso da japonesa Yayoi Kusama, referência da arte contemporânea, com estatuto de ícone cultural à escala planetária e 95 anos acabados de completar, pode ser conhecido, a partir desta quarta-feira e até fins de setembro, no Museu de Serralves, no Porto. Vida e obra misturam-se na exposição retrospetiva Yayoi Kusama: 1945 – Hoje, organizada por temas que marcam o trabalho da artista plástica e escritora, influenciado pelas circunstâncias do mundo e pela doença mental de que padece desde menina. Infinito, acumulação, conectividade radical, biocósmico, morte e força de vida são os tópicos em torno dos quais gira esta que é apresentada como “a primeira grande exposição de Kusama em Portugal”.

Nascida em 22 de março de 1929, numa província rural do Japão, no seio de uma família conservadora que não via com bons olhos a sua queda para as artes, Yayoi Kusama fez por se emancipar, por trilhar o seu próprio caminho em termos profissionais, sem abdicar do posicionamento político (contra a Guerra do Vietname, ou pelos direitos civis e dos homossexuais). Chegou a trocar o país natal pelos Estados Unidos da América, em 1957, apostada em dar cartas no meio artístico da vanguarda nova-iorquina. Em 1973, regressou a casa, enfrentou um período de depressão, começou a escrever romances, perdeu pessoas importantes, como o pai e o artista Joseph Cornell, e foi por essa altura que começou a fazer caixas como as que vemos expostas, misturando desenhos e colagens, com figuras de peixes ou borboletas.

Perto dessas caixas algo poéticas fica uma sala pequena e escura, dedicada à morte, em que se destaca uma peça prateada, de grandes dimensões, chamada Porta do prisioneiro. Esta temática mais sombria faz parte do trajeto de Kusama, ainda que possa não parecer, quando admiramos as suas peças coloridas, com “padrões brilhantes e felizes”, como notou a investigadora e curadora Mika Yoshitake, nesta terça-feira, numa visita reservada aos jornalistas. Aliás, a certa altura, Kusama deu entrada num hospital psiquiátrico, em Tóquio, e lá reside há décadas, mantendo o seu estúdio de criação ao lado.

A presente exposição reúne peças bem diversas — dos primeiros desenhos, feitos na adolescência, em plena II Guerra Mundial, às obras imersivas mais recentes, com pinturas, esculturas e instalações

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Os trabalhos exibidos em Serralves destacam-se pelas cores vivas, fortes, com padrões repetitivos, quase hipnóticos — em especial, os pontos, as bolinhas; mas por detrás deles espreita uma certa escuridão, que atravessa a vida da autora desde a infância, “muito desafiante”. Ainda vivia com a família quando começou a ter alucinações e a ver padrões à sua volta, e seguiram-se outras dificuldades, outras lutas, segundo Yoshitake. Que conclui: “A sua vida inteira tem sido como que uma cartilha para lidar com o sofrimento, o lado negro da humanidade”. Daí as pinturas “muito alegres e coloridas”.

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Dos desenhos do tempo da II Guerra Mundial às obras imersivas

A presente exposição reúne peças bem diversas — dos primeiros desenhos, feitos na adolescência, em plena II Guerra Mundial, às obras imersivas mais recentes, com pinturas, esculturas, instalações e materiais de arquivo pelo meio. E algumas estão a ser exibidas pela primeira vez fora do continente asiático. É o caso das peças de mobiliário que podemos ver na primeira sala, as chamadas “acumulações” — do sofá forrado com luvas à cadeira de onde parecem sair falos — numa referência à “cultura da obsessão pelo sexo”, contextualiza Mika Yoshitake, que já foi curadora de outras exposições de Kusama. A especialista sublinha, aliás, que se pode contar uma história da arte através do trabalho de Kusama, que vai do minimalismo à pop art, passando pela performance e pela arte imersiva.

Na fase inicial da exposição, os visitantes encontram ainda autorretratos, uns surrealistas, outros abstratos, que abrangem o período entre 1950 e 2020, e vem à tona a ideia de captação do infinito através da arte, uma constante na sua carreira de sete décadas, marcada por uma estética e uma filosofia de vida muito próprias. Bastante presente na obra de Kusama está também o conceito de auto-obliteração, no sentido de esvaziar o próprio ego e encarar os outros como iguais, segundo Yoshitake. Em finais da década de 1960, aquela ideia de auto-obliteração, em favor do coletivo, manifestou-se na forma de performances de pintura corporal que funcionavam como protestos, por exemplo, contra a Guerra do Vietname.

Presente na obra de Kusama está também o conceito de auto-obliteração, no sentido de esvaziar o próprio ego e encarar os outros como iguais

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Se existe uma secção dedicada à morte, também existe outra, e de dimensão bem mais significativa, centrada na força de vida e nos efeitos curativos da arte. Aqui, emergem quadros de cariz mais figurativo. São trabalhos mais recentes, produzidos entre 2009 e 2021, em telas mais pequenas. “Produzir arte permitiu a Kusama processar o seu fascínio pela morte e persistir na sua luta contra a depressão. O reconhecimento direto desses sentimentos sombrios traz consigo uma mensagem poderosa, expressando através da arte um desejo de viver”, lê-se num texto de apoio à exposição.

Dentro de uma caixa de espelhos e também ao ar livre

A última sala é dedicada a Dots obsession — Aspiring to Heaven’s Love, uma grande instalação assente em vidro espelhado, balões de vinil suspensos e bolinhas, que entronca na ideia, muito importante para a criadora, do relativismo da escala humana. Essa “experiência caleidoscópica” é intensificada ao entrar numa caixa de espelhos onde podem estar apenas seis pessoas em simultâneo, e por tempo limitado. Se lá dentro nos sentimos como crianças entusiasmadas e pensamos logo em puxar do telemóvel para tirar fotografias, a boa notícia é que o divertimento não fica por aqui: a exposição ainda vai ser alargada ao exterior.

Muitas das obras vieram do Japão e de outras latitudes, manifestando o desejo de que “o público possa ver a exposição uma, duas, três vezes”

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Em abril, chegam ao Parque de Serralves mais peças de Kusama, no caso, esculturas de grandes dimensões: Narcissus Garden, para ver no lago, e as célebres Pumpkins, abóboras que já podem ser apreciadas, em menor escala, numa das salas ocupadas pela exposição. Esses elementos da natureza acusam o interesse já longínquo da autora pelas plantas e pelas formas orgânicas, ou não tivesse crescido em Matsumoto, uma zona montanhosa do Japão. Explica Mika Yoshitake que as abóboras, nas quais parecemos descobrir sempre novos padrões, são como um alter ego da artista, com o seu aspeto “atrativo, mas também repulsivo”.

Sendo Kusama uma artista que atrai multidões, Serralves põe agora em vigor um tarifário próprio, uma espécie de bilhete geral que dá acesso a todos os espaços da Fundação, a troco de 20 euros para residentes em Portugal e 24 euros para não residentes. Já está em pré-venda online e a lotação é limitada, sendo necessário escolher antecipadamente o horário de visita.

Yayoi Kusama: 1945 — Hoje foi criada e organizada pelo M+, de Hong Kong, em colaboração com a Fundação de Serralves e o Museu Guggenheim de Bilbau. Tem curadoria de Doryun Chong e Mika Yoshitake, com a colaboração de Isabella Tam, e a sua apresentação em Serralves conta com o apoio da curadora Filipa Loureiro. É esta última quem conta que muitas das obras vieram do Japão e de outras latitudes, manifestando o desejo de que “o público possa ver a exposição uma, duas, três vezes”. Até porque, a cada novo olhar, descobre-se nas peças algum pormenor diferente, e não faltam por ali padrões encantatórios.

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