Discurso do primeiro-ministro
Estamos naturalmente empenhadíssimos em cumprir aquilo que ficou por cumprir nos últimos oito anos, que é a duplicação da capacidade do Estado, aproveitando fundos, que não houve nunca nesta dimensão, no PRR, para que os alojamentos estudantis possam efetivamente corresponder àquela que é a procura. E nós fizemos isto em poucos meses. Dirão muitos que, já lá vou, eles chamam-lhe medidas eleitoralistas, são medidas agradáveis, pois, elas, eleitoralistas, que eu já explicarei que não são, agradáveis para aqueles que são os seus destinatários, serão. Mas a verdade é uma, é que essas medidas só estão a ser tomadas agora porque não foram tomadas antes.”
O primeiro-ministro continua a contrariar a ideia de que as medidas que está a tomar são eleitoralistas. E cria até um novo conceito: as medidas “agradáveis”, que, explica, é o que acabam por ser para quem usufrui delas. Montenegro aproveita igualmente para dar a ideia de que está a ser muito proativo por oposição à inércia do anterior governo, explicando que as medidas não estão a ser tomadas neste timing a pensar em eleições, mas porque o PS não as tomou nos últimos oito anos e meio.
Eu sei que hoje em Portugal muitos políticos, muitos partidos e muitas outras personagens ocupam quase todo o espaço mediático com a política da conversa. Mas nós, se estamos no Governo, não é para a política da conversa. É para a política das ações concretas, que influenciam a vida das pessoas, que permitem que elas tenham mais qualidade de vida.”
Luís Montenegro há muito que definiu como seus adversários políticos principais não só a oposição, mas os comentadores que todos os dias criticam o Governo nas televisões, rádios e jornais. E, para isso, o primeiro-ministro tenta criar um binómio entre os que falam (os tais comentadores, a que chama de “outras personagens”) e o fazedor (ele próprio). A lógica de comunicação de Montenegro é passar a imagem de que enquanto ele toma medidas que impactam a vida das pessoas, outros seguem aquilo que chama de “política de conversa”. É uma frente contra os comentadores políticos que continua, e vai continuar, ativa em São Bento.
Foi muito estranho porque perante três medidas que há 20 dias anunciei o Governo tomaria, a atribuição de um suplemento extraordinário aos pensionistas, (…) o passe ferroviário nacional alargado (….) o objetivo de ter uma oferta de formação na área da medicina mais alargada, houve de tudo. Houve quem se enrolasse, houve quem se engasgasse, mas houve, sobretudo, uma grande desorientação. Reparem, a primeira grande acusação que nos fizeram foi de que estas medidas eram eleitoralistas. Eu pergunto-me, mas eleitoralismo porquê? Não há eleições. As eleições são só daqui a quatro anos. As eleições são só em setembro e outubro de 2028. Quem fala em eleitoralismo é alguém que está a contar ter eleições mais cedo. Mas não somos nós, porque nós não falamos em eleitoralismo. Quem está sempre a falar de eleitoralismo e de eleições é quem, porventura, as quer provocar.”
O primeiro-ministro volta à ideia de que o seu mandato vai até 2028. Ou seja: não podem chamar eleitoralista ao Governo quando “são só daqui quatro anos” para novas legislativas. Montenegro tenta colocar o ónus dessa incerteza onde paira uma nova crise política na oposição: diz que quem fala em “eleitoralismo” é porque está a pensar em eleições. Esta é uma espécie de cláusula preventiva: se por acaso o orçamento for chumbado e se precipitar a dissolução da Assembleia da República nos próximos meses, Montenegro quer que fique claro na opinião pública de que foi derrubado e não ele a provocar novo escrutínio.
E já agora, deixem-me dizer-vos que a desorientação é tal que os mesmos que de manhã foram capazes de nos e me acusarem de estar a ser eleitoralista, à tarde disseram que fui escolher e buscar para representar Portugal na Comissão Europeia um hipotético rosto da austeridade. Nem é isso compreendido. Então se eu fosse eleitoralista e ia buscar o rosto da troika? Isso seria contraditório entre si. Isto diz muito bem da desorientação dos partidos da oposição. Mas é que, por acaso, as duas coisas são mentira. As duas. É que nem nós estamos a ser eleitoralistas, nem a doutora Maria Luís Albuquerque é o rosto da troika. Em Portugal, os troikistas são os socialistas. “
A defesa da candidata que escolheu para futura comissária foi um dois em um: Montenegro respondeu às críticas da escolha Maria Luís Albuquerque ao mesmo tempo que denunciava uma eventual incoerência da oposição. O primeiro-ministro diz que não faz sentido acusarem-no de ser eleitoralista e, ao mesmo tempo, de ter escolhido um rosto da troika. Ou seja: se estivesse a pensar ir a eleições, nunca escolheria alguém que, alegadamente, é impopular. Montenegro aproveita ainda para recuperar a linha de argumentação do PSD desde 2011 e a que recorre sempre que é puxado o tema da austeridade: quem trouxe a troika foi o PS.
Vieram dizer que o Presidente do PSD teve uma outra manobra: desviar as atenções para as eleições presidenciais. Porquê? Porque o Presidente do PSD apresentou uma moção de estratégia global, num prazo que era perentório. Se não apresentasse, não podia ser candidato às eleições que se vão realizar na próxima sexta-feira. E nessa moção, apresenta a estratégia do PSD para os próximos dois anos. (…) Só mesmo por desonestidade, ou por distração, ou por precipitação, ou até mesmo por imaturidade, é que se pode querer induzir o país a dizer que o Presidente do PSD quis criar um facto novo. O Presidente do PSD fez aquilo que todos os Presidentes do PSD fizeram sempre quando se candidataram para um mandato de dois anos. Na moção, o que escrevi palavra por palavra é que as candidaturas que nós podemos vir a apoiar não vão nascer no PSD. Nós vamos olhar para a disponibilidade que seja anunciada por pessoas da nossa área política, preferencialmente nossos companheiros, porque nós temos quadros no nosso partido para exercer com dignamente esta função”.
O líder do PSD quis também contrariar a ideia de que quis desviar as atenções ao falar de Presidenciais. Lembrou que todos os líderes do PSD, quando se propuseram a eleições diretas para um mandato que apanha a corrida a Belém, definiram igual perfil presidencial. Aproveita também para dizer de viva voz que quer alguém que seja verdadeiramente independente na função presidencial (como diz terem sido Cavaco e Marcelo) e que seja “preferencialmente” um quadro do PSD. Ou seja: mantém a ideia que o partido pode apoiar não só alguém da sua área política, mas privilegiar um militante do próprio partido.
E finalmente os fantasmas que andam na cabeça de alguns líderes partidários e que também nestes últimos 15 dias acabaram por ser isso sim as distrações criadas, as manobras criadas, para não se falar das medidas que o Governo andou a tomar durante 4 meses. Então que fantasmas são esses? São os fantasmas do orçamento do Estado. O líder do Chega sente-se despeitado porque viu uma notícia, que por acaso não é verdade, e concluiu que durante o mês de agosto tinha havido negociações entre o PS e o PSD. E vai daí, e de uma forma imatura e precipitada, diz que não quer ter nada a ver com o Orçamento do Estado. Do outro lado, o líder do Partido Socialista confirma que não houve negociações durante o mês de agosto. Não confirma, mas confirmo eu, que aquilo que ficou combinado nas reuniões de julho é que nos voltaríamos a reunir em setembro. E agora sente-se despeitado porque durante o mês de agosto ninguém disse nada. Pois não. Não era isso que estava combinado. Não é isso que é suposto? Nós estamos no dia 1 de setembro, o orçamento tem que ser entregue na Assembleia da República no dia 10 de outubro. Nós estamos a tempo, em tempo e no tempo para falar com os partidos políticos e concluir a proposta de orçamento de Estado que vamos levar à Assembleia da República.”
Luís Montenegro segue a mesma estratégia relativamente ao Orçamento: tentar mostrar que está sereno por contraponto com o nervosismo da oposição. A ideia de “calma” e surpresa com a “agitação” de que falou quando regressou de férias a meio da semana foi continuado em Castelo de Vide. O primeiro-ministro quis passar a ideia que tanto André Ventura como Pedro Nuno Santos são imaturos e precipitados, já que um disse que vai chumbar o orçamento com base numa notícia que diz ser incorreta e o outro queixa-se de não ter sido contactado em agosto depois de as conversas terem sido agendadas só para setembro.
Portugal não tem nenhuma instabilidade no Governo. Em Portugal não há nenhuma instabilidade política, tirando a instabilidade política da oposição. A verdadeira instabilidade política que há em Portugal é a dos partidos de oposição que passam a vida a dizer uma coisa e o seu contrário. Que passam a vida a falar daquilo que muitas vezes não interessa às pessoas. Que passam a vida a tentar criar factos políticos antes do tempo. Que pensam rápido demais, que são impulsivos a responder e a contribuir no debate.”
O primeiro-ministro chega àquilo que era a principal mensagem que queria passar no discurso: que o Governo é estável e que toda a instabilidade que existe é na oposição. Montenegro quer assim passar a ideia que o Governo está tranquilo e sereno a governar e que é a oposição que está inquieta e sem rumo. A tese ajuda também a consolidar a ideia de que, se o Governo estiver bloqueado na governação ou for afastado, não será por culpa própria mas dos tais desestabilizadores: a oposição. Montenegro quer ainda firmar um contraponto com o último Governo de Costa que, apesar de ser maioritário, tinha grande estabilidade interna. A instabilidade neste, garante Montenegro, está do lado de fora.