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Desde que o homem foi capaz de olhar para cima que se interessa pelo céu. Há registos ancestrais do alinhamento dos planetas como eram vistos da terra, prova de que o fascínio pelos corpos celestes é imemorial. Mas passar de pontos brilhantes no telescópio a imagens reais dos planetas captadas pelas sondas espaciais é das maiores conquistas da humanidade – e o sucesso da New Horizons confirma isso mesmo.
O Observador convidou alguns astrofísicos portugueses a contarem quais as missões espaciais que mais os marcaram. E a sua, qual foi?
Um marco na história da exploração espacial
João Vieira, presidente da ORION – Sociedade Científica, de Braga
As melhores imagens que existiam de Plutão tinham sido feitas pelo Telescópio Espacial Hubble. Apesar de se tratar de um dos mais potentes telescópios que temos ao nosso dispor, as imagens obtidas não passam de “pontos brilhantes”. Julgava-se que o despromovido “planeta” seria apenas uma enorme rocha coberta de gelo.
As primeiras imagens enviadas pela New Horizons, captadas pelo seu detetor LORRI, são ainda pouco definidas mas já deixam percecionar formações inesperadas na superfície, que estão a deixar os cientistas perplexos.
Esta terça-feira deveremos ter imagens com a máxima qualidade e adivinha-se que, além de surpreendentes, se possam obter registos “imprevisíveis” e prodigiosos de Plutão e das suas cinco luas – Caronte, Nix, Hydra, Kerberos e Styx. A sonda seguirá depois para a cintura de Kuipper para nos trazer novas e fantásticas revelações do nosso sistema solar.
A sonda New Horizons, lançada a 19 de janeiro de 2006, percorreu cinco mil milhões de quilómetros até ao distante “planeta”, tendo chegado ao seu destino esta terça-feira, a 14 de julho de 2015. A partir deste dia serão finalmente revelados muitos segredos, até agora desconhecidos, do nosso sistema solar.
Ao meio-dia de Portugal, a sonda deverá estar a pouco mais de 12500 quilómetros de Plutão (cerca de 1/15 da distância Terra-Lua), tornando o dia 14 de julho em um dos mais importantes dias da história da exploração espacial.
Tratar e analisar as primeiras imagens do planeta Vénus
Pedro Russo, astrofísico e divulgador de ciência na Universidade de Leiden (Holanda)
A missão espacial da Agência Espacial Europeia, Venus Express, chegou ao planeta Vénus em 11 de abril de 2006 – 3 meses depois de ter iniciado o meu doutoramento no Instituto Max Planck na Alemanha. Eu tinha sido incumbido pelos meus orientadores de tratar e analisar as primeiras imagens do planeta Vénus obtidas pela sonda.
Inexperiente e francamente assustado lá estava eu sentado na sala de controlo à espera dos primeiros píxeis transmitidos a mais de 261 milhões de quilómetros. Estas imagens tinham importância acrescida: seriam as primeiras imagens obtidas de uma missão a Vénus desde a década de 1980 e confirmariam que a sonda espacial estava a funcionar em pleno. Com nervosismo, êxtase e alívio recebemos as primeiras imagens deste mundo coberto de nuvens: o planeta Vénus.
Depois da Lua, o planeta Vénus é o corpo celeste mais próximo do planeta Terra. Os dois planetas são parecidos: têm aproximadamente o mesmo tamanho e densidade, vulcanismo ativo e uma atmosfera complexa, que no caso de Vénus é constituída por nuvens espessas que cobrem completamente o planeta. Nos últimos 10 anos esta missão veio ajudar-nos a perceber melhor este planeta irmão da Terra: confirmou a existência de um oceano no passado, que evaporou através de um efeito estufa irreversível. Vénus é agora um planeta árido, mas com vulcões ativos.
Venus Express também tirou fotografias do nosso planeta Terra. Desde Vénus a Terra não é mais que um pálido ponto azul, mas revela detalhes sobre um planeta com vida. Estes detalhes revelam informação que vai ser importante quando conseguirmos tirar fotografias de planetas extrassolares do tamanho da Terra, que também não vão ter mais que um ou dois píxeis.
Em janeiro deste ano, Venus Express acabou a sua missão. Gentilmente foi descendo pelas espessas nuvens de Vénus até perder o contacto com a missão de controlo. Esta missão deu-nos lições importantíssimas sobre o futuro do planeta Terra e sobre a procura de vida no Universo.
Apaixonar-se pela astronomia com as imagens de Júpiter
Guilherme Teixeira, aluno de doutoramento do Instituto de Astrofísica e Ciências dos Espaço e do Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Uma das missões espaciais que mais me marcou foi a sonda espacial Galileo. Esta missão tinha como objetivo primário o estudo de Júpiter e das suas luas. Lançada em 1989, a Galileo chegou ao sistema joviano em dezembro de 1995. O meu interesse pela astronomia consolidou-se ao ver a Galileo explorar o sistema solar. Cresci com as imagens desse mundo gasoso distante – Júpiter – que a sonda enviava.
Apesar de ter tido diversos problemas, desde avarias mecânicas numa das antenas até problemas de instrumentos causados pela radiação intensa na vizinhança de Júpiter, a Galileo concluiu com resiliência a sua missão primária em 1997 e deu início à sua fase secundária de operações, a qual se extendeu até 2003.
Entre as suas muitas observações destacam-se a confirmação da intensa atividade vulcânica da lua Io – 100 vezes superior à terrestre -, os indícios da existência de oceanos líquidos de água salgada no interior da lua Europa e o impacto dos pedaços do cometa Levy-Shoemaker com Júpiter.
Crescer com as Voyager
Ricardo Cardoso Reis, Planetário do Porto – Centro Ciência Viva, Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e Centro de Astrofísica da Universidade do Porto
As “minhas” sondas são, sem dúvida, as Voyager. Lançadas poucos meses antes de eu nascer, na prática, crescemos juntos, com os resultados científicos destas sondas a acompanhar-me ao longo da vida.
A Voyager 2 chegou a Júpiter quando tinha 1 ano e a Saturno quando tinha apenas 3 anos e meio. E durante décadas, “a” imagem de Saturno era desta sonda, a ponto de ainda ter sido usada no primeiro poster produzido pelo Planetário do Porto, quando lá comecei a trabalhar como monitor, em 1998 (acabado de fazer 21 anos).
A visita da Voyager 2 a Úrano, em 1985 (uns dias antes de completar 8 anos), e a Neptuno (tinha 10 anos e meio) tornaram-na, até hoje, no único engenho humano a visitar os dois gigantes gelados do sistema solar. Ambas a Voyager continuam na sua missão interestelar, mas por causa da direção em que viajam, a 1 já abandonou a “bolha” protetora da heliosfera (a “bolha” de vento solar que protege o sistema solar), enquanto a 2 só é esperada atravessar a heliopausa (o limite da heliosfera) em 2016, ou seja, quando ambos tivermos 39 anos.
Uma avalanche de dados de onde ainda se retiram novas ideias
Máximo Ferreira, diretor do Centro Ciência Viva de Constância-Parque de Astronomia
Os feitos recentes das mais avançadas tecnologias produziram a maravilha de colocar uma nave espacial (Rosetta-Philae), algures no espaço, à espera de um cometa que – tinha-se como certo – teria caminho por aquele ponto e, na impossibilidade de se prender à sua gravidade, por ela ser fraca (em consequência da pequena massa), colocar-se em órbita permanente do pequeno corpo congelado, acompanhando-o na viagem para as proximidades do Sol. Igualmente, fez-se viajar pelo espaço a New Horizons que, mais de nove anos passados, alcançou uma posição – a cerca de cinco mil milhões de quilómetros da Terra – onde o pequeno e gelado Plutão gira lentamente em volta do Sol.
Antes de tais prodígios da ciência e da técnica, um outro projeto aumentou extraordinariamente o conhecimento que se tinha sobre o sistema solar, em particular de Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno – as sondas Voyager. Estas sondas viajam agora pelo espaço interestelar, trinta e seis anos depois de terem sido lançadas ao encontro de novas luas que giram à volta destes planetas, juntando a tais descobertas a existência de anéis circundando o planeta gigante e mais anéis do que se pensava presos à gravidade de Úrano. Vulcões ativos em Io e inúmeros detalhes das superfícies de mais de uma dezena de luas constituíram uma avalanche de dados dos quais ainda hoje se retiram novas ideias sobre a dinâmica e constituição física do nosso sistema solar.
Estudar os cometas para conhecer as origens do sistema solar
Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Para se entender a sonda Rosetta é preciso saber que o estudo detalhado de cometas começou com o Halley em 1985-1986. Foi uma busca do conhecimento que levou ao lançamento de seis sondas espaciais dedicadas, num esforço científico e tecnológico nunca dantes visto. Culminou na primeira imagem de um núcleo de um cometa obtida a 600 quilómetros de distância pela sonda Giotto. A justificação deste esforço sempre foi que o material dos cometas é primitivo. Assim, estudar um cometa é poder analisar a composição da nebulosa proto-planetária do Sol.
A sonda Giotto fotografou 25% da superfície, estudou a dinâmica de sublimação em grande detalhe mas o sonho de pousar num núcleo cometário logo perseguiu a humanidade, o que levou aos projetos de missões espaciais ainda antes de a sonda Rosetta pousar no 67P/Churyumov–Gerasimenko para estudar um núcleo in loco – o culminar da aventura.
Em janeiro de 2005, a NASA lançou a sonda Deep Impact para chocar com o núcleo do cometa Temple 1, a 4 de julho, de modo a ejetar material e poder analisá-lo. O impacto no núcleo do Temple 1 cavou-lhe uma cratera com 150 quilómetros. A análise do satélite Swift (raios X) mostrou que a ejeção de material durou cerca de 13 dias, num total de cinco mil toneladas de água e quase 25 mil toneladas de poeira.
A aproximação da Rosetta ao cometa 67P é um marco da ciência da navegação e da engenharia. O grande sonho científico-histórico ocorreu a 12 de novembro quando a Rosetta largou Philae a dez quilómetros de distância, para embater e prender-se ao cometa. Porém, nem os arpões que segurariam do ressalto, nem o pequeno jato superior que o empurraria nesse instante, funcionaram. Foram momentos de suspense na sala de controlo pois, apesar de ter tocado numa zona muito próxima da calculada, Philae ressaltou para o espaço também empurrado pela rotação do núcleo do cometa. Um grande salto no escuro!
Este é um dos maiores feitos das sondas e observatórios espaciais jamais enviados. Aguardamos pelos resultados científicos que possam melhorar ainda mais o nosso conhecimento.