Quando Rita Matias subiu ao palco da II Convenção do Chega, para apresentar uma moção sobre o inverno demográfico, não esperava uma “reação tão positiva”. Aos 22 anos, a filha do presidente do partido Pró-Vida, Manuel Matias — que formalizava ali, em Évora, a fusão com o Chega — fez um discurso aceso centrado na defesa do valor da vida e na condenação do aborto e da eutanásia. Nessa mesma noite, em setembro de 2020, foi convidada por André Ventura para integrar a direção nacional do partido, como vogal. Não dormiu, ponderou muito bem, mas acabou por aceitar o convite. Chegara a hora, recorda ao Observador, de aproveitar a “oportunidade de poder ter uma voz ativa e mudar o rumo do país”.
As repercussões foram tão rápidas como o convite. Na segunda-feira, quando chegou ao trabalho, tinha “recados em cima da mesa” e alguns colegas mudaram-se para outra sala. Sempre esteve consciente do que podia acontecer depois de todos saberem que fazia parte do Chega, mas “não esperava tantas reações negativas”. Nada que a fizesse desistir: daí para cá, tem sido um das vozes mais ativas do Chega e das figuras mais leais a André Ventura. .
Hoje, quase um ano depois, Rita Matias foi escolhida para ser a cara da Juventude Chega e a dirigente responsável por fazer nascer a Jota do partido. É a segunda tentativa de criar uma organização desta natureza dentro do partido, depois do falhanço inicial: ainda antes de ser criada, começou a tornar-se evidente que a estrutura estava a ser tomada por jovens com ligações a grupos fascistas e neonazis. Houve uma limpeza interna a mando de André Ventura e começou tudo do zero.
Neste momento há 300 pessoas envolvidas em todo o processo, jovens que estão no partido e que, integrados nos órgãos nacionais ou locais, fazem parte da fundação desta Juventude Chega. Existe o objetivo claro e assumido de proteger a Juventude Chega de entrada de extremistas e de jovens que fizeram parte de movimentos com menos visibilidade e que procuram no partido uma espécie de rampa de lançamento e de crescimento.
Medo da sombra
Não é o único receio do líder do Chega. Ventura optou por uma “instalação segura” para que a Jota “não se torne um contrapeso ou um problema e que possa ser canalizado para o bem do partido”.
É o próprio que assume ao Observador que “não tem sido fácil controlar” quem entra ou não na organização, “porque as pessoas não colocam a informação toda [nos formulários de inscrição] e há limitações por lei à informação que se pode recolher”.
Para travar esta situação, o partido aposta na “análise de perfis do Facebook e no cruzamento de intervenções em fóruns onde a pessoa eventualmente participou, [para procurar] elementos que podem ser nocivos e que não estão dentro do espírito do partido”.
A comissão instaladora da Jota do Chega já se deparou, desde janeiro, com quatro jovens — das regiões de Leiria, Aveiro, Algarve e Alentejo — que iam contra os valores do partido.
Ao Observador, Rita Matias dá um exemplo concreto: através de uma análise das redes sociais foi possível perceber que havia um grupo extremista que reunia vários militantes do partido. Foi feita uma participação destas pessoas à comissão de ética e ao conselho de jurisdição. “Percebemos que não era possível trabalhar com pessoas que enaltecem um passado de Holocausto nazi”, justifica. “Estes jovens não se desculpavam, nem se justificavam. Não havia condições para continuarem no Chega”.
Ventura quer um “braço armado”
André Ventura não esconde os grandes planos que tem para a Jota. O líder do Chega vê a Juventude Chega como um instrumento para “combater a cultura de imposição de esquerda que acontece hoje em muitas das escolas e universidades”. Na visão do líder do partido, “há um lóbi na educação contra o Chega” e “o papel que estes jovens têm vai ser de inundar as universidades e escolas com a mensagem do Chega”.
“Esta juventude vai ser o braço ‘armado’ nas universidades e nas escolas”, aponta, ao acrescentar que há um sentimento de que “muitos jovens apoiam [o partido] até chegar a uma certa idade e depois são contaminadíssimos na universidade por ideias completamente avessas ao Chega”, diz ao Observador.
Os jovens que estão à frente deste tal “braço armado” do Chega — pelo menos até serem eleitos os órgãos oficiais — são Carolina Garcia, Frederico Santana, Henrique Gomes, Maria Inês Pereira, Maria João Marcelino e Ricardo Reis. Nem todos quiseram falar com o Observador. Ventura diz conseguir perceber as reservas. O líder do Chega garante que há vários jovens que não admitem ser do Chega ou não querem ingressar no partido por alegadas pressões familiares, profissionais ou académicas.
Frederico Santana, de 26 anos, é responsável pela pasta da implementação local e regional na comissão instaladora do Chega e admitiu ao Observador que estar no Chega é “uma decisão que pode acarretar alguns problemas”. “Ligam-me jovens a dizer que têm problemas com os professores por se afirmarem do Chega, jovens que têm problemas com a família, que não são aceites em ofertas de trabalho por se descobrir que são do Chega”, conta.
Aos 23 anos, Maria Inês Pereira procurou o Chega no ano passado. Não tinha qualquer ligação partidária anterior. Hoje, encabeça a pasta da organização dos estatutos na comissão instaladora. Concorda que não é fácil dar a cara pelo partido e diz ter sofrido “muitas pressões externas”. Teve amigos a bloqueá-la nas redes sociais, pessoas que deixaram de lhe falar e tem “receio” que a associação ao Chega possa vir a prejudicar a sua futura carreira profissional.
Também Maria João Marcelino, de 24 anos, denuncia a existência de pressões, mas prefere desvalorizar. “O Chega não é um partido racista, nem xenófobo, nem todos os disparates que se dizem. Somos um partido aberto a todas as pessoas que vêm por bem”, garante a responsável pela pasta dos eventos na comissão instaladora
Segue Ventura desde a coligação Basta e vê no Chega a saída para “o tipo de vida do socialismo com o qual o Governo atual afundou o país”. “Não me sinto segura no meu país, não sinto possibilidade de crescer cá, provavelmente vou ter de emigrar porque aqui não vai dar. O país está-se a fechar às gerações mais novas e o André é uma possibilidade de crescermos cá, quero ficar no meu país e não quero continuar a trabalhar para os subsídiodependentes”, esclarece a jovem do Chega.
“Não tenham medo”, pede Rita Matias. “As reações lá fora poderão não ser as mais positivas, mas quanto mais nos juntarmos, mais mostramos não somos nenhuns bichos papões e que somos pessoas perfeitamente normais e democratas, que apenas querem mudar o rumo do país. Quantos mais formos mais comum será”, atirou.
Os outros três membros da comissão instaladora aceitaram o desafio mas, por questões profissionais ou pessoais, recusaram falar com o Observador. Carolina Garcia tem 22 anos, é de Almada e trabalha como agente de reservas depois de se ter formado em Gestão Hoteleira. É responsável pela pasta de organização de dados e logística. Nas redes sociais tem o perfil fechado e nenhuma ligação visível ao partido. O mesmo acontece com Henrique Silvestre Gomes, de 19 anos, e do Porto. O estudante de Direito é responsável pela pasta da formação, mas também não assume a ligação ao Chega nas redes sociais.
Já Ricardo Lopes Reis é de Lisboa, tem 21 anos, licenciou-se em Ciência Política e Relações Internacionais, está a tirar o mestrado em Gestão de Recursos Humanos e trabalha como consultor de recrutamento. Ao contrário dos colegas de partido que não quiseram falar, Ricardo não esconde a ligação ao partido. No Facebook partilha regularmente publicações da Juventude Chega, do próprio partido e de André Ventura. O jovem militante do Chega atira-se várias vezes ao Governo, aos ministros de António Costa e partilhou até uma publicação onde o primeiro-ministro e o Presidente da República aparecem em estátuas idênticas a Kim Jong-un, o líder norte-coreano.
https://www.facebook.com/ricardo.reis.794/posts/4005112912842787
É ainda possível perceber que Ricardo Reis fazia parte do CDS antes de se tornar militante do Chega. Em janeiro de 2020, partilhou uma fotografia de uma intervenção de Francisco Rodrigues dos Santos com a hashtag #voltaraacreditar, e no Facebook anunciou, no dia 25 de fevereiro de 2018, que tomou posse como secretário-geral da Juventude Popular de Odivelas.
Frederico Santana é de Lisboa, está no Chega há quase um ano, é formado em gestão de recursos humanos, trabalha em consultoria e diz ter visto no partido as “causas nobres” que nunca tinha encontrado em nenhum outro, apesar de “simpatizar com o PSD, o CDS e o Aliança”.
Jota do Chega, sim, mas dentro do partido
A Juventude Chega pretende estar integrada e não seguir um caminho paralelo ao partido. Rita Matias explica que também aqui o Chega se quer afirmar “antissistema”, ao apostar numa juventude que servirá essencialmente para formação. No horizonte estão iniciativas semelhantes aos “bons exemplos” do CDS, com a Escola de Quadros, ou do PSD, como a Universidade de Verão.
A responsável pelo lançamento da Jota do Chega estudou Ciência Política no ISCTE e já fez parte da Juventude Popular, mas não se sentia completamente realizada. Viu no Chega “uma oportunidade de mudança do panorama do país”.
Uma das diferenças para a maioria das outras juventudes partidárias é a idade. Na Jota do Chega consideram-se jovens todos os que têm entre 14 e 26 anos, caso este intervalo de idades venha a ser aceite no congresso. “Entendemos que as outras juventudes partidárias acabam por ser um dos locais em que depositam os jovens e não os convidam a ter uma voz tão ativa no partido, é um espaço de carreiristas políticos. Como aqui o objetivo é mesmo formação política entendemos que aos 26 anos, à partida, os jovens já terminaram a formação académica e já estão inseridos no mercado de trabalho e já podem estar a exercer as funções no partido e a beneficiar das formação que o partido também prepara”, justificou Rita Matias.
A aposta principal será preparar uma “grande escola de formação”, que possa funcionar até à escala europeia, onde haja ensinamento cultural e político. Segundo André Ventura, o ponto cultural deve funcionar como um “contrapeso ao domínio cultural que a esquerda impôs em Portugal nas últimas décadas e que se vê muito na cultura universitária” e a formação política para “preparar estes jovens não para terem lugares porque querem e para se orientarem a si próprios, mas para criarem consciência de serviço nestes lugares, onde podem servir a vida das populações, identificar talentos e ajudar a ter as melhores pessoas e melhores quadros”.
Os órgãos da Juventude Chega ainda não estão fechados, mas a comissão instaladora pretende ter a proposta pronta até ao Congresso do partido, que se realiza no final do mês de maio. Nessa altura, explicou Rita Matias, haverá “prestação de contas”, com a apresentação de estatutos e de uma moção do programa para a juventude. “A ideia que está a ser discutida remete sempre para os jovens do partido, não replicaremos nenhuma comissão de ética ou um conselho de jurisdição.
Os órgãos criados serão mais no sentido de organização de um gabinete de estudos, de um grupo de dinamização das formações”, referiu. A direção da Jota será apresentada à direção antes de ir ao congresso de 28 e 30 de maio, onde será votada.