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O ataque foi histórico. Desde a revolução islâmica no Irão de 1979 que o país mantém uma relação tensa com Israel. Ao conflito que se vai jogando entre as milícias próximas de Teerão (como o Hezbollah no Líbano e os houthis no Iémen) e o Estado de Israel chama-se, por vezes, de “guerra na sombra”, por ser uma espécie de guerra por procuração entre os dois países. Mas, na noite deste sábado, o conflito tornou-se mais direto: pela primeira vez, o Irão lançou um ataque direto a partir do seu território a Israel, disparando centenas de mísseis e drones em direção a todo o território israelita.
Para compreender o que mudou, é preciso recuar a 1 de abril. Foi nesse dia que um ataque atribuído ao governo de Telavive (mas não reivindicado oficialmente pelos israelitas) matou vários membros da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão, no consulado iraniano em Damasco, na Síria. O racional por parte do executivo de Benjamin Netanyahu era simples: “O Irão iria manter a sua estratégia de décadas de utilizar ‘procuradores’, em vez de atacar Israel diretamente”, resumiu o jornalista israelita Anshel Pfeffer. “A avaliação israelita era a de que Khamenei era demasiado avesso ao risco de alterar a política iraniana.”
There will be conspiracy theories that this is exactly what Netanyahu was aiming for with the air-strike on Damascus on April 1. It should be clear that the Israeli assessment was that Iran would stick to its decades-old strategy of using proxies and not striking Israel directly>
— Anshel Pfeffer אנשיל פפר (@AnshelPfeffer) April 13, 2024
Mas, desta vez, a lógica foi outra. É que naquele ataque ao consulado em Damasco morreram algumas das figuras mais importantes da organização paramilitar Al-Quds, que coordena as milícias pró-iranianas um pouco por todo o Médio Oriente. Um deles seria mesmo o brigadeiro-general Mohammad Reza Zahedi, “um dos líderes mais proeminentes e importantes da Força Quds e um dos principais interlocutores com o Hamas”, aponta o Atlantic Council.
Bruno Cardoso Reis, doutorado em War Studies pela King’s College e subdiretor do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, explica ao Observador por que razão este foi um duro golpe para Teerão: “É muito importante para o Irão manter a rede de grupos armados e milícias e a Al-Quds estava a ser seriamente atingida por Israel nos últimos meses”, afirma. “O Irão quis sinalizar que não vai continuar a tolerar ataques cada vez mais frequentes a alvos mais destacados da Guarda Revolucionária.”
A esse ponto, junta-se um segundo: “É também uma resposta à ideia de que o Irão está a fazer muito pouco em relação ao Hamas e a Gaza. A expectativa do Hamas era que tivesse havido mais rapidamente uma escalada por parte do Irão”, lembra o investigador. Afinal, após o ataque do 7 de Outubro, o grupo islâmico de Gaza apelou repetidamente a um levantamento do mundo muçulmano contra Israel, na esperança de que se abrisse uma guerra regional. Até agora, não tinha acontecido; com o ataque do Irão deste dia 13 de abril, isso poderá mudar.
Um ataque com “pré-aviso”, semelhante ao da vingança por Soleimani
Não que Teerão tenha interesse numa guerra aberta com Israel. Apesar da barragem de centenas de mísseis e drones, alguns sinais apontam para uma tentativa de o regime teocrático tentar controlar ao máximo o dano infligido para evitar uma escalada.
Um sinal claro foi o tweet feito pela missão diplomática do país na ONU, quando os primeiros mísseis ainda não tinham chegado a território israelita, dizendo que “o assunto pode dar-se como concluído”. “É crucial”, nota Bruno Cardoso Reis. “É uma tentativa de evitar a escalada e de evitar a retaliação de Israel — seja contra o Hezbollah, seja contra o próprio Irão.”
Conducted on the strength of Article 51 of the UN Charter pertaining to legitimate defense, Iran’s military action was in response to the Zionist regime’s aggression against our diplomatic premises in Damascus. The matter can be deemed concluded. However, should the Israeli…
— Permanent Mission of I.R.Iran to UN, NY (@Iran_UN) April 13, 2024
Apesar de o ataque ser inédito e representar uma resposta muito mais forte do que as alternativas (um ataque através de grupos como o Hezbollah, por exemplo, ou o envio de drones contra alvos militares em zonas como os Montes Golã), foi tão anunciado e denunciado pelos Estados Unidos ao longo das últimas duas semanas que permitiu a Israel preparar-se. “O ataque parece ter sido desenhado com a intenção de não provocar vítimas”, diz Cardoso Reis. “É semelhante ao ataque que o Irão fez aos Estados Unidos em resposta à morte de Qassem Soleimani, com um pré-aviso para evitar baixas”.
Mas há um pormenor relevante: “Israel não são os Estados Unidos”, lembra o professor. O foco em evitar uma escalada na região tem sido uma constante nas várias administrações norte-americanas recentes, de Obama a Biden, passando por Trump. Os governos de Telavive têm um entendimento diferente, há muito encarando o Irão como a maior ameaça à sua existência enquanto Estado. E Benjamin Netanyahu tem sido muito claro ao prometer uma lógica de “olho por olho, dente por dente”.
Estados Unidos terão influência no tipo de resposta que Israel vai dar
O risco de uma guerra aberta no Médio Oriente é agora maior e poderá aumentar consoante a resposta que Telavive der a este ataque. Há alguns dias, o ministro dos Negócios Estrangeiros Israel Katz já tinha dado uma garantia: “Se o Irão atacar a partir do seu território, Israel irá responder e atacar no Irão”, escreveu no X, identificando o ayatollah Ali Khamenei.
Assim que Israel anunciou que o ataque estava em curso, Netanyahu fez uma declaração ao país onde prometeu de imediato retaliar: “Atingimos aqueles que nos atingem”, disse. A resposta, contudo, pode ser mais ou menos contida, consoante o tipo de armamento usado, os alvos atingidos e o grau de destruição e número de vítimas.
Bruno Cardoso Reis lembra que um fator pode ser decisivo em garantir que o braço de Netanyahu não atinge Teerão com demasiada força, a fim de evitar uma guerra: os Estados Unidos. “O grau de resposta, a robustez da resposta e até que ponto será uma escalada ou não, será sobretudo condicionada pela pressão dos EUA e a eficácia dessa pressão. Será um teste a Joe Biden”, prevê. A capacidade de influência norte-americana nesta questão, diz, pode ser maior do que tem sido até agora relativamente à guerra na Faixa de Gaza, “porque esse é um tema mais existencial para Israel e também condicionado pelas dinâmicas políticas internas”. Mas não há dúvidas de que o Presidente norte-americano também não quererá romper a tradição de apoio a Israel, muito menos face ao Irão.
No fundo, como resumiu a Economist na madrugada deste domingo, um ataque iraniano que não provoque grandes danos permite a todos os envolvidos ainda salvar a face: “Sem vítimas, Israel já não tem a necessidade de uma resposta em larga escala. O Irão pode gabar-se de ter enviado uma mensagem forte sem incentivar ataques de fundo ao seu território. E a América pode evitar ser arrastada ainda mais para uma guerra no estrangeiro.” O problema é que, acrescenta a revista, “numa região que está a arder, este cenário está longe de estar garantido”.