A noite só não foi perfeita por oito décimas e 30 mil votos. A Iniciativa Liberal, com 9,1%, superou largamente as expectativas que tinha para estas eleições europeias, fez eleger dois eurodeputados, ficou a centímetros do Chega (durante a noite chegou a acreditar ser possível ser a terceira força mais votada) e conseguiu um feito notável: foi o único partido que conseguiu ter mais votos nestas europeias do que nas eleições legislativas de março, muito mais participadas.
De resto, euforia é a melhor palavra para descrever a longa noite eleitoral da IL. Assim que saíram as primeiras projeções, os liberais perceberam que estavam muito perto de chegar aos dois eurodeputados e que a disputa com o Chega pelo terceiro lugar era efetivamente uma realidade — os liberais ficaram muito perto de atingir um objetivo inconfessado durante a campanha, mas que ia secretamente animando os espíritos dos mais otimistas, a começar por João Cotrim Figueiredo.
No discurso de aclamação, o candidato da Iniciativa Liberal não conseguiu esconder a alegria com o resultado atingido. “Que grande vitória da Iniciativa Liberal. Desmentimos os velhos do Restelo que diziam que o liberalismo não funciona em Portugal. O liberalismo funciona e faz falta a Portugal. Viemos para ficar cá e para não dar tréguas aos socialistas e aos populistas”, começou por dizer, numa espécie de ajuste de contas com todos os que diziam que o partido estava a esmorecer.
Depois, numa clara referência ao Chega, Cotrim focou grande parte do seu discurso na ideia de que os liberais foram capazes, nesta campanha, de mostrar como se faz à frente ao populismo. “É uma grande vitória da política pela positiva. Da campanha pelo sim. Quando uma campanha dá aos portugueses essa confiança, os portugueses dizem ‘sim’. A IL mostra que é possível combater o voto de protesto estéril. É preciso oferecer, não berraria e maus modos, mas soluções. A IL mostrou que é a única força política capaz de ir buscar os votos dos descontentes.”
Além do número e percentagem de votos, a Iniciativa Liberal pode celebrar indicadores interessantes. Na faixa litoral do país, o partido ficou em terceiro lugar em vários distritos, como Braga, Porto, Aveiro, Coimbra e Lisboa. Aproximando a lupa dos concelhos de Porto e Lisboa, a vantagem para o Chega foi relevante: nos dois casos, os liberais conseguiram mais 13 mil votos do que o partido liderado por André Ventura. Mesmo em Setúbal, e apesar de ter ficado em quinto lugar, a IL ficou a cerca de 200 votos dos comunistas. Apesar de tudo, estes dados têm de ser lidos com reserva por causa do voto em mobilidade, que acaba por retirar algum peso ao fator geográfico. Mas não deixa de ser mais uma prova da forte implantação do partido na zona litoral do país.
Cotrim encheu o balão, Rocha tem agora de o agarrar
Um resultado que afasta a ideia de que a Iniciativa Liberal estava em crise, que estagnara, que começava a definhar. O partido, que lutava pela eleição de um eurodeputado para garantir a sobrevivência do projeto, acabou a eleger dois deputados ao Parlamento Europeu. Uma vitória em toda a linha, que anima e muito as tropas liberais. “Precisávamos mesmo disto“, ouviu o Observador de um destacado dirigente do partido. Mas — e este ‘mas’ não é de somenos —, a noite de vitória não apagou uma evidência: este resultado deveu-se, em grande medida, à “marca Cotrim“, explorada ao limite nesta corrida eleitoral, e não necessariamente aos méritos do partido.
As últimas eleições legislativas fizeram soar os alarmes na Iniciativa Liberal. O partido acabara de sair de uma guerra civil, depois de um processo de sucessão muito mal recebido internamente, e, apesar de ter conseguido manter os oito deputados, a verdade é que o partido praticamente não cresceu em relação às últimas legislativas e viu o Chega a disparar para os 50 deputados. No entanto, tendo sido sobretudo uma boa prestação de João Cotrim Figueiredo, não deixa de ser um sinal de que Rui Rocha (ainda) não está à altura do antecessor. O brilho de um ofusca o outro.
Apesar de tudo, no final, já depois de todos os discursos, João Cotrim Figueiredo fez questão de dividir os despojos. “Vitória marca Cotrim? Não é nada. É marca Iniciativa Liberal, que teve nestas eleições a oportunidade de fazer aquilo que não pôde fazer em março, que é ter um único círculo nacional, não ter voto útil e ter uma proposta claramente melhor. Nas europeias percebeu-se que a nossa proposta era claramente melhor. Também temos para o país, mas ainda não conseguimos explicar essa parte. Lá chegaremos. O caminho faz-se caminhando e este foi um passo importante hoje.”
Rui Rocha diria o mesmo. “É um resultado que tem obviamente o contributo das duas partes, a parte do partido, das suas ideias, das suas convicções, das suas propostas. Acho que não é indiferente aquilo que tem acontecido nos últimos meses, mesmo depois das eleições legislativas, em que a Iniciativa Liberal, ao contrário de outros, tem sido um partido coerente, um partido que quer mudar Portugal e faz as suas propostas em função dessa mudança e não em função de uma agenda política oportunística”, começou por dizer o presidente do partido.
Numa referência ao facto de a IL ter estado unida nesta campanha, e que pode ser interpretada como tendo sido um recado para dentro de portas, Rocha celebrou o resultado conseguido nestas europeias. “Obviamente, como disse muitas vezes em campanha eleitoral, tínhamos o melhor cabeça de lista destas eleições. Quando juntamos as forças, quando temos boas ideias, um grande partido e um grande candidato, os resultados são bons.”
Os liberais acreditam que estas europeias vão ajudar a reforçar a posição da atual direção de Rui Rocha, mas não só. A conjugação de resultados — vitória tangencial do PS, derrota da AD e queda monumental do Chega — farão com que os três partidos pensem duas vezes antes de precipitarem o país em mais uma crise política. E a IL acredita que precisa de tempo e de estabilidade para reforçar a imagem de Rui Rocha como líder — novas eleições seriam um teste muito exigente para o presidente do partido e para a máquina liberal.
Os liberais estão de novo em festa. Até quando?
Um mau resultado nestas eleições europeias poderia ser o combustível que faltava à oposição interna. Ainda em abril, Tiago Mayan Gonçalves anunciou estar pronto para encabeçar uma candidatura à liderança da IL e refundar o partido. Daqui a um mês, o partido terá um congresso estatutário que servirá como uma espécie de antecâmara desse confronto. Sem um bom resultado nestas europeias, depois de umas legislativas frustrantes, Rui Rocha não teria grandes argumentos para segurar a oposição interna. João Cotrim Figueiredo confirmou aquilo que se esperava: foi o dique que separava Rui Rocha de (mais) uma crise interna.
Ainda durante a campanha eleitoral, em conversa com o Observador, João Cotrim Figueiredo assumia que o calendário da sua sucessão não correu como previsto. “O racional da minha saída não contemplava as eleições antecipadas. Imagine o que teria sido se as eleições legislativas tivessem sido noutra altura. A bad press, todos os problemas que existiram muito mais esquecidos… E fui eu. Achei que era impossível um governo de maioria absoluta cair. Posso justificar a minha saída, porque achava mesmo que era melhor para o partido sair, passar bem a pasta. Até posso pedir desculpa e dizer que me enganei sobre o quadro político, não tenho como não dizer. Mas não posso esconder que a luta das europeias ficou mais importante depois da antecipação do calendário”, dizia.
Prova de que a sucessão interna está longe de ser um assunto bem resolvido foi a intervenção de Paulo Carmona, ex-membro, antigo dirigente do partido e número dois da candidatura de Carla Castro à presidência do partido, mesmo na reta final da campanha. “Não esqueçamos que foi a ambição europeia, pessoal e financeira de Cotrim, a mergulhar o seu partido numa crise e estagnação eleitoral. Nem o seu lamentável comportamento na designação do sucessor e os ataques à alternativa interna. Dito isto, será um excelente eurodeputado. Perderá a IL que vê emigrar o seu maior, e talvez único grande ativo, para um local onde não terá grandes contributos para o programa eleitoral do seu partido”, escreveu Carmona na rede social X.
Seja como for, os mínimos olímpicos foram largamente ultrapassados e os mais céticos têm agora de ponderar bem os próximos passos. Os avisos para essa oposição interna começaram já hoje. Ao início da noite, quando subiu ao palco para comentar as projeções, Bernardo Blanco, deputado e um dos responsáveis por esta campanha, assinalou as perspetivas que se colocavam e atirou aos críticos: quando o partido está “unido num projeto comum” pode alcançar grandes feitos. Rui Rocha diria o mesmo, por outras palavras. Os próximos meses dirão se os liberais saberão aproveitar o clima de festa ou se a estragam sozinhos.
O guarda-chuva de Cotrim protegeu a IL de si própria. Mas não dura para sempre