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Mortágua e Raimundo começam o ano político a dar gás a "movimentos sociais"
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Mortágua e Raimundo começam o ano político a dar gás a "movimentos sociais"

Ana Moreira

Mortágua e Raimundo começam o ano político a dar gás a "movimentos sociais"

Ana Moreira

A primeira rentrée de Mortágua e Raimundo, dois líderes com agendas de "estrelas rock" à procura do eleitorado perdido

Dois novos líderes têm as primeiras rentrées marcadas para setembro. Habitação, salários e manifestações estão no topo da agenda. Bloco põe Mortágua sempre na rua, PCP lamenta falta de mediatismo.

Paulo Raimundo tem a “a agenda de uma estrela de rock”. Mariana Mortágua desdobra-se em feiras e manifestações a conversar com as pessoas “sem barreiras de segurança”. Raimundo quer falar de Habitação e do salário que não estica. Mortágua também, e para ser ouvida conta com mais umas centenas de militantes que se filiaram desde que coordena o Bloco de Esquerda. Os novos líderes da esquerda portuguesa andam no terreno a preparar as respetivas estreias em rentrées, com prioridades políticas parecidas e um objetivo: reapresentarem-se como oposição e alternativa ao PS (e ganharem atenção, popular e mediática, que não têm tido e que lhes garanta alguma eficácia nesse caminho).

Seja na Festa do Avante, que acontece no fim de semana de 1, 2 e 3 de setembro e onde Paulo Raimundo discursará pela primeira vez, ou no Fórum Socialismo, onde Mariana Mortágua terá, de 8 a 10 de setembro, a companhia dos ex-líderes Francisco Louçã e Catarina Martins, a esquerda tem uma extensa lista de tarefas na sua agenda para uma rentrée exigente.

Desde logo, para ambos os partidos este será o lançamento de mais um ano de contestação social — e já estão em preparação várias manifestações sobre temas como a Habitação ou o aumento do custo de vida. As ruas continuam, assim, a ser a forma que a esquerda escolhe de combater a maioria absoluta do PS, num momento em que vê a sua influência reduzida nas ruas e nas televisões.

O ponto de partida é, ainda assim, um bocadinho diferente: no Bloco, ouve-se a garantia de que o momento é de ânimo à volta da primeira rentrée da nova coordenadora e que a mobilização aumentou, com Mortágua a trazer ao partido militantes jovens e de profissões em protesto. Raimundo continua, por seu lado, a sofrer com um problema de falta de notoriedade que o PCP tenta corrigir — aliás, no Avante, o maior evento do calendário anual do partido, atenção não lhe faltará.

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Mortágua corre o país fora de “ambientes controlados”

No caso do Bloco, a nova líder dificilmente poderia contar com mais notoriedade do que aquela que já leva na bagagem para a sua primeira rentrée como coordenadora do partido. Ainda assim, se há atividade a que se tem dedicado é a de andar pelas ruas (e feiras, e manifestações) do país para apostar numa imagem de proximidade e de “outro tipo de liderança”. Tudo depois de ter surgido em vários setores — inclusivamente dentro do Bloco de Esquerda — a dúvida sobre se a nova líder teria empatia suficiente para andar na rua e conquistar o eleitorado, por contraste com Catarina Martins, que tinha bastante facilidade nessa frente.

Na prática, o Bloco até já fez uma espécie de aquecimento para a rentrée com uma arruada nas festas de Corroios, no sábado passado, com a líder em primeiro plano. É o tal contacto com a população em que Mariana Mortágua, a líder que se quer popular, aposta — e vai continuar a apostar.

A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, fala aos jornalistas  durante o acampamento da Liberdade, acampamento de jovens do Bloco de Esquerda, no Parque de Campismo de São Gião, Oliveira do Hospital, 29 de julho de 2023. PAULO NOVAIS/LUSA

Mortágua está a entusiasmar eleitores da área bloquista, garante o partido

PAULO NOVAIS/LUSA

“Vamos estar em contacto com a população, a ouvir as pessoas, a divulgar as nossas propostas para a Habitação”, explica ao Observador o dirigente Fabian Figueiredo, que detalha o tipo de iniciativas em torno das quais o Bloco tem feito questão de organizar a agenda da sucessora de Catarina Martins.

“A Mariana Mortágua, desde a convenção do Bloco [onde foi eleita, em maio deste ano] até agora, tem corrido o país sempre em iniciativas de contacto com a população. Há poucos líderes que possam dizer que estão em ambientes não controlados para ouvir e responder aos problemas com que as pessoas se confrontam”, explica, dando exemplos como feiras pelo país, mas também arruadas em clima de pré-campanha na Madeira.

“Priorizámos desde a convenção uma agenda de contacto com a população em que qualquer pessoa se pode dirigir diretamente à coordenadora sem barreiras de segurança. As pessoas veem que a Mariana tem proximidade com as pessoas comuns e não tem medo de sair do Parlamento”, prossegue Figueiredo, garantindo que é assim que Mortágua vai “afirmar outro tipo de liderança em Portugal”. “É o caráter identitário da liderança da Mariana, o à vontade que ela tem de estar nas ruas”, insiste. O Bloco fará tudo para contrariar as dificuldades apontadas ao perfil da nova coordenadora e garantir que, se Catarina Martins era conhecida por ser eficaz em campanha e na rua, Mortágua não lhe ficará atrás e trabalhará para ser conhecida como uma líder “popular”.

Estudantes, professores e enfermeiros entram no Bloco

E o que ouve Mortágua nas ruas? Queixas sobre salários e a falta de acesso à Habitação, garante o Bloco — dois pontos em que o partido se focará especialmente nesta rentrée. Pontos que quer ajudar a resolver a partir do mesmo sítio: da rua. Ou seja, este será mais um ano em que a esquerda estará focada em mobilizar as ruas e apostar na contestação social para fazer oposição ao PS, agora que já vão longe os tempos de negociação e de influência junto do Governo.

Para isso, o Bloco tem, tal como o PCP, mantido “muita proximidade e diálogo” com os movimentos sociais que se organizam nas ruas para protestar contra problemas como a falta de acesso à Habitação — a próxima grande manifestação, na sua génese apartidária, está marcada para 30 de setembro.

Outro aspeto em que o partido crê estar mobilizado é na frente interna: o Bloco fala em sinais positivos com a adesão de 300 novos militantes desde a convenção de maio (o Observador pediu ao partido dados que comparem com períodos homólogos em anos anteriores, incluindo o ano da eleição de Catarina Martins). Segundo o partido, as entradas serão sobretudo de “pessoas com menos de 30 anos” e muitos serão professores, enfermeiros ou estudantes que se terão entusiasmado com a liderança de Mortágua — pelo menos é isso que o Bloco sugere, apontando para as sondagens que têm trazido resultados simpáticos para a nova líder.

Com a Habitação e o custo de vida na cabeça — prioridades seguidas de outras como a necessidade de reforçar o SNS ou combater a precariedade, duas questões que ajudaram a determinar o fim da geringonça e dos acordos com o PS — o Bloco mostra-se assim otimista para a primeira rentrée de Mortágua. Ainda assim, a nova líder pega no partido em tempos particularmente difíceis, com uma bancada parlamentar reduzida a mínimos, assim como a influência política junto do Governo.

Para este regresso de férias, Mortágua contará, em Viseu, com a antecessora (e atual dirigente do Bloco) Catarina Martins ao seu lado, para intervir sobre o estado do SNS; e também com o fundador, de quem é muito próxima, Francisco Louçã. Também Fernando Rosas e Luís Fazenda estarão, como é habitual, presentes na rentrée bloquista em Viseu.

Raimundo “estrela de rock” (mas sem TVs por perto)

Há muito que une o Bloco ao partido vizinho, neste momento: também o PCP se tem esforçado por manter o líder em movimento e com uma agenda descrita por fonte do partido como sendo digna “de uma estrela de rock, sempre a correr”. Ainda assim, há uma diferença crucial: Paulo Raimundo tem mais caminho por fazer, uma vez que, para fora do partido, era um perfeito desconhecido até há menos de um ano (substitiu Jerónimo de Sousa em novembro do ano passado).

Agora, os comunistas apostam em pôr Raimundo a fazer “uma, duas ou três atividades” todos os dias, embora lamentem a “falta de cobertura” mediática, queixa habitual do PCP — naturalmente mais presente desde que o partido perdeu quase metade da bancada parlamentar, nas últimas eleições, e com ela a influência de fazer parte dos acordos com o Governo do PS.

O líder não pára de se mexer, mas isso não se nota “fora da bolha” do PCP, assume-se no partido, que confia que de outra forma as qualidades de Raimundo — “um homem comum” com “os problemas de toda a gente”, como ter um crédito à habitação por pagar ou ter sido obrigado a fazer as próprias obras em casa — conquistariam mais eleitorado.

O secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP, Paulo Raimundo, participa na tribuna pública "Pelo direito à Habitação. Baixar as prestações ao banco e as rendas", no Largo do Intendente, em Lisboa, 11 de julho de 2023. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Raimundo tem tido agenda cheia

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Ainda assim, Raimundo estará nos dias 1, 2 e 3 de setembro a jogar em casa — ou não fosse militante e funcionário da JCP e do PCP desde o início dos anos 1990 — no evento com mais projeção do calendário anual do PCP, a Festa do Avante, no Seixal. É habitual que, além de fazer declarações ao jornalistas, o líder do partido passeie pelo recinto e veja alguma das exposições lá instaladas.

Depois, o momento mais político do Avante: Raimundo fará pela primeira vez o discurso final, no domingo, que é sempre utilizado para deixar as mensagens mais importantes do ano político que agora começa. No caso dos comunistas, as prioridades estão traçadas e passam precisamente pelas “movimentações sociais” que se estão a organizar para este outono, a começar pela manifestação da Habitação, passando por mais uma mobilização do movimento Vida Justa, a 21 de outubro. Os temas estarão presentes na vasta agenda de debates previstos para a Festa do Avante, com a Habitação em claro destaque.

PCP na rua e com desafio da Madeira na agenda

Raimundo, que não só conhece bem os movimentos sindicais como também está habituado a fazer de ponte com movimentos sociais e a dialogar pelo lado do PCP, será o líder que apelará a essa ida em massa às ruas para reforçar a ideia de um PCP “popular” e que precisa de “força” para mudar alguma coisa nas questões salariais e da Habitação.

Tal como no caso do Bloco, a rentrée acontece já com duas eleições difíceis à porta: as regionais da Madeira (onde o PCP quererá pelo menos segurar o deputado que tem, e o Bloco eleger a representação que não tem), marcadas para setembro, e as eleições europeias, que acontecerão em junho e poderão mostrar um espetro político mais fragmentado, com a possível entrada de dois partidos na lista de forças políticas que elegem deputados por Portugal (Iniciativa Liberal e Chega).

Nas europeias, uma das questões em cima da mesa, e que só se esclarecerá na altura de contar os votos, será se a posição isolada do PCP relativamente à guerra na Ucrânia custará alguns eleitores ao partido — tanto os comunistas como os bloquistas contam com dois eurodeputados em Bruxelas.

As rentrées de estreia de Mortágua e Raimundo servirão, assim, como ponto de partida para um ano de provas (também eleitorais) duras. O relógio começa a contar.

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