O aviso chegou esta quinta-feira: “A Bósnia-Herzegovina tem direito de decidir se quer juntar-se à NATO, mas Moscovo reserva o direito de reagir a tal possibilidade. Já mostrámos aquilo que pensamos com o exemplo da Ucrânia. Se houver uma ameaça, nós iremos reagir”. As palavras são de Igor Kalabukhov, o embaixador russo na Bósnia, que considera que o Ocidente está a acicatar tensões nos Balcãs.
É um aviso alarmante, numa altura de conflito armado na Ucrânia, mas não surpreendente. Já no ano passado, a embaixada russa em Sarajevo ameaçou reagir, dizendo que uma adesão à NATO seria vista como um “ato hostil”. Porquê? Na altura, a embaixada justificou esta postura afirmando que o objetivo da NATO é “lutar contra a Rússia” e que, ao juntar-se à aliança, a Bósnia estaria a posicionar-se de um dos lados de um “confronto político-militar”.
O alerta foi levado com seriedade, mas não impediu a Bósnia de manter a sua vontade de adesão à NATO — já faz parte do Plano de Ação para Membros da NATO, um programa de aconselhamento e assistência criado para os países que querem aderir. E, desde então, a União Europeia e a NATO têm feito diversos alertas sobre possíveis desestabilizações nos países Balcãs.
A postura mais agressiva da Rússia não está a passar despercebida, e cada vez mais países pedem para aderir a estas organizações. O caso mais recente foi o do Kosovo, que esta quinta-feira pediu ao Presidente dos Estados Unidos que colabore ativamente para a sua integração na NATO, uma adesão que para a antiga província do sul da Sérvia se tornou “imperativa” devido à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Forças europeias duplicam presença na Bósnia
Mas o que mudou agora, para que Moscovo tivesse reforçado a ameaça, dando a Ucrânia como exemplo? Não só a NATO tem anunciado um contínuo reforço militar nos Balcãs, como esta quarta-feira o chefe da diplomacia europeia fez o que já foi descrito como um alerta velado à Rússia para que deixasse de tentar interferir na Bósnia, ainda que sem nunca fazer uma referência direta a Moscovo. Em Sarajevo, Josep Borrell disse às forças de manutenção de paz da União Europeia que sua presença ali “é mais importante que nunca”. “Neste momento crítico, a vossa presença aqui para apoiar as autoridades a manterem um ambiente seguro, tornou-se ainda mais importante. Mais importante do que nunca. Foi por isso que quase duplicámos a nossa presença no terreno (…) Neste momento tenso, quero afirmar às pessoas da Bósnia-Herzegovina o nosso inabalável compromisso em manter a segurança e a estabilidade”, disse.
O volume de intervenções ocidentais neste sentido levou o site EUObserver a dar conta de que se levantou “um coro de alertas sobre a interferência da Rússia na Bósnia”.
No final de fevereiro, as forças de manutenção de paz europeias foram reforçadas na Bósnia, de 600 efetivos para 1.100, sendo esta uma forma de a UE mostrar o seu compromisso com a “união, integridade territorial e soberania da Bósnia-Herzegovina”, justificou Borrell. O próprio secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, já disse também que “países como a Geórgia, Moldávia e Bósnia-Herzegovina” precisam de ser mais apoiados para “seguir o caminho que escolheram livremente”.
Tanto Borrell como Stoltenberg têm mostrado preocupação com a atitude do Kremlin em relação a estes países, com Borrell a afirmar mesmo ter receio de que “algo possa acontecer novamente nos Balcãs”. E, neste contexto, a Bósnia destaca-se, sendo um dos poucos países dos Balcãs ocidentais que não faz ainda parte da NATO.
Putin e os secessionistas sérvios
Apesar da vontade oficial da Bósnia para aderir à NATO e à União Europeia, esta não é uma matéria consensual no país, composto por três grandes grupos étnicos: bósnios, croatas e sérvios — e estes últimos, apoiados pela Rússia e que representam cerca de 30% da população, querem o país numa posição neutra e fora da aliança atlântica. E, por isso, uma adesão à NATO não viria apenas irritar Moscovo, podendo também desestabilizar o país.
Analistas explicaram à Al Jazeera que o desfecho da guerra entre a Ucrânia e a Rússia pode ter reflexos internos na Bósnia-Herzegovina, um país que desde outubro está a braços com uma crise política. Tudo gira em torno do sérvio-bósnio Milorad Dodik, um dos membros da Presidência da Bósnia-Herzegovina: Dodik anunciou que a Republika Srpska (República Sérvia), uma das duas entidades políticas em que está dividido o país, vai abandonar as instituições estatais e criar instituições próprias, incluindo um exército sérvio.
“Uma rápida vitória de Putin vai incentivar os seus ‘proxies’ a tentarem usar violência para atingirem os seus objetivos políticos. Isto é especialmente verdade no caso de Milorad Dodik e Dragan Covic, os aliados de Putin na Bósnia”, explicou Reuf Bajrovic, co-presidente da Aliança EUA-Europa. A comunidade internacional acredita que Dodik tem como objetivo final separar a Republika Srpska da Bósnia-Herzegovina e juntá-la à Sérvia.
Dodik nega estar sob influência russa ou ter projetos secessionistas, mas ainda esta terça-feira afirmou que a Bósnia está “incompleta, inacabada e impossível” e culpou o “nacionalismo muçulmano” pela instabilidade no país, de acordo com o EUObserver.
Já Željko Komšić, membro croata da Presidência da Bósnia, diz que esta é uma tensão que interessa a Moscovo: “A Rússia percebeu que um conflito congelado representa um risco de segurança para a NATO e a UE, e a Rússia é o maior apoiante de manter as coisas como estão”.
Neste contexto de tensão política, há quem acredite que a guerra na Ucrânia é o momento ideal para o Ocidente reforçar sua presença na Bósnia, aproximando o país de instituições como a NATO e a UE, e afastando-o da influência russa, exercida através de figuras como Milorad Dodik.
No final de fevereiro Reuf Bajrovic, da Aliança EUA-Europa, resumiu a posição Ocidental deste modo: “[A Bósnia] tem uma oportunidade de se livrar da influência da Rússia e dar o último passo para ser membro da NATO (…) O Ocidente tem de ajudar as forças pró-NATO na Bósnia a derrotarem a oposição”. Foi uma mensagem que não passou despercebida a Moscovo.