Helena Vieira, fundadora da Bioalvo, recorda como encerrou uma empresa que levantou 2,5 milhões de euros em capital de risco e o que aprendeu com este falhanço, no livro “O Sucesso Não Cai do Céu”, escrito por Isabel Canha e Maria Serina, fundadoras do site Executiva.pt, editado pela Redcherry e apresentado esta quinta-feira, na Câmara de Comércio e Indústria, em Lisboa. Com o livro, Isabel Canha e Maria Serina querem incentivar o empreendedorismo feminino, inspirar e dar ferramentas à próxima geração de mulheres de negócios. Para isso, fizeram entrevistas a 10 empresárias ou empreendedoras.
Além de Helena Vieira, participam no livro Cristina Fonseca (Talkdesk), Filipa Munoz Oliveira (Wink), Ana Paula Rafael (Dielmar), Maria Cunha (Josefinas), Sónia Calado (DRT Moldes), Regina Alves (McDonald’s), Daniela Braga (DefinedCrowd), Sara do Ó (Grupo Your) e Virgínia Abreu (Crispim Abreu). O Observador publica um excerto da entrevista que as jornalistas fizeram à investigadora, publicado n'”O Sucesso Não Cai do Céu”.
A semente da Bioalvo veio de Londres, onde Helena Vieira, então com 26 anos e a terminar o doutoramento, recebeu um e-mail de um amigo acerca de um concurso de ideias: Bioempreendedor Ibérico. O e-mail não era inocente, pois Helena estava numa fase da vida em que não sabia o que fazer a seguir. Não queria continuar no laboratório, sem ver resultados práticos da investigação, por isso agarrou a oportunidade, mesmo sem imaginar onde ela a poderia levar. Juntou um grupo de amigos e conhecidos, e candidataram-se com uma ideia: usar levedura para descobrir medicamentos que curassem doenças neurológicas. Ganharam!
Corria o ano de 2002. Só depois de outros concursos ganhos e de muitos planos de negócios desenhados e reescritos é que tiveram uma reunião com uma sociedade de capital de risco portuguesa, a PME Investimentos, que, em conjunto com a PME Capital, lhe ofereceu 1,3 milhões de euros em troca de 48% do capital da empresa, que ainda nem sequer existia. Foi um dos maiores investimentos em startups das ciências da vida em Portugal, até àquela data, e apoiava apenas uma ideia que vinha no papel e não era, sequer, fruto de uma investigação.
“Primeiro convencemos os outros, e depois é que nos convencemos a nós”, diz Helena Vieira, que se tornou CEO da Bioalvo quando a empresa nasceu, em 2006. Em pouco tempo, tinham 14 patentes registadas e potenciais clientes interessados em
parcerias e negócios. Terminado o primeiro ciclo de desenvolvimento, precisavam de mais dinheiro, o que é natural nas empresas de ciências da vida: desenvolver um medicamento custa, em média, mil milhões de euros e implica entre 14 e 16 anos de pesquisas e ensaios clínicos. Falaram com 128 investidores em todo o mundo e, quando tudo parecia bem encaminhado com duas capitais de risco, a crise desencadeada pela queda do Lehman Brothers, em 2008, fê-las recuar.
Sem dinheiro, foi preciso encontrar um novo caminho. Nos três anos seguintes, renasceram como empresa que explorava os recursos marinhos recolhidos no fundo do mar português, os quais eram depois utilizados nas indústrias farmacêutica, cosmética, têxtil e alimentar. Desenvolveram uma espécie de “Botox marinho”, que prometia revolucionar a cosmética, mas nem tiveram tempo de lucrar com a descoberta, pois a sua maior acionista decidiu vender a participação, decisão que determinou o encerramento da Bioalvo. Foi o fim do sonho de Helena Vieira, mas não da sua veia empreendedora: depois disso lançou a My.SkinMix, que já encerrou, e a UAU Homes.
Como é que passou de cientista a empreendedora?
Eu sempre gostei de ciência, mas nunca tive só esse interesse. Quando chegou o momento de escolher a área de estudo, fiquei indecisa entre Letras, Ciências e Economia. Acabei por optar por Ciências, licenciei-me em Biologia e fiz o doutoramento em Biomedicina. Na fase do doutoramento percebi que não queria ficar o resto da vida num laboratório a “pipetar”, mas queria continuar ligada à ciência. Gosto de pensar, de estratégia, da inovação, mas estávamos em 2000, eu nunca tinha saído de Portugal e nunca tinha ouvido as palavras inovação ou empreendedorismo na faculdade! Em 2002, recebi um e-mail de um amigo que também lá estava, com o regulamento do concurso Bioempreendedor Ibérico e a frase: “Aqui está a tua oportunidade. Beijinhos, Diogo Araújo”.
O desafio do empreendedorismo foi-lhe lançado por correio eletrónico?
Sim, o gatilho foi este e-mail, que chegou quando faltava um mês para encerrarem as candidaturas. O concurso era promovido pelo ICEP e pela APBio [para premiar as ideias ou negócios mais interessantes ou lucrativos, na área da biotecnologia, desenvolvidos por equipas de alunos portugueses e espanhóis das licenciaturas das áreas de biotecnologia/biologia e gestão/economia ou alunos de mestrado e de doutoramento das mesmas áreas] e eu resolvi concorrer. Ainda não era fácil falar com as pessoas à distância, mas rapidamente reuni uma equipa: o meu marido na altura, que era de Finanças, a minha melhor amiga era de Marketing e Gestão, o primo do meu marido também era de Gestão, juntei um cientista com quem eu andava a trocar ideias sobre o que pretendia para o meu futuro, o meu sogro, que representava o fundador “de cabelos brancos” e um espanhol de Neurociências. Nunca tinha ouvido falar de planos de negócios, mas criámos um projeto e ganhámos o concurso.
Depois, voltou cada um para a sua vida, até que, quatro meses mais tarde, surgiu o The Entrepreneur Challenge, no Imperial College. Foi só adaptar o plano e concorrer. Fomos selecionados para a final e, apesar de não termos ganho o prémio final, foi uma ótima aprendizagem.
Quando nasce, realmente, a Bioalvo?
Em 2004, eu regressei a Portugal e consegui o meu primeiro emprego na Universidade Católica, como coordenadora da área de Engenharia Biomédica. Entretanto, fomos concorrendo a uma série de concursos. Em 2005, o IAPMEI lançou um outro prémio, que também ganhámos, e foi precisamente nessa altura que o capital de risco começou a ser dinamizado em Portugal com a PME Investimentos [que hoje é a Portugal Ventures], uma capital de risco pública. Contactaram uma série de empreendedores para reuniões com vários investidores, com a Caixa Capital, com a PME Investimentos e a PME Capital (que era do Norte). Nós já quase tínhamos arrumado o projeto na gaveta, mas resolvemos tirá-lo quando fomos convocados. Tive de ir comprar um fato à Zara para as reuniões! Fiz o meu pitch, e ainda nem tinha falado dos números do negócio quando o João Vicente Ribeiro, presidente da PME Investimentos, me interrompeu: “Gosto imenso disso! Quanto é que vocês querem?”. Respondi que queríamos 1,3 milhões de euros e ele perguntou quanto estávamos dispostos a dar em troca desse valor. “Não damos mais do que 48%”, respondi. Ele olhou para os outros administradores que estavam na mesa e respondeu: “Ok, nós investimos”. Nem conseguia acreditar naquela resposta.
Dito assim, parece ter sido muito fácil.
E foi! Aconteceu logo na primeira reunião. Corria 2005, eu estava na Universidade Católica e muito longe de pensar que algo deste género pudesse acontecer. Criámos a empresa em dezembro de 2015 e iniciámos atividade em janeiro de 2006.
Qual era a ideia de negócio da Bioalvo nesta fase inicial?
Começámos apenas com uma ideia e recebemos financiamento para a desenvolver. Só em abril de 2007 é que submetemos a primeira patente. Até lá, estivemos no laboratório a tentar transformar a nossa ideia em realidade: usar levedura como um modelo biológico para fazer rastreio de novas moléculas para curar doenças neurológicas, que não estavam a ter muitos resultados nos programas das farmacêuticas. A levedura tem algumas formas de funcionar semelhantes ao cérebro e já havia vários artigos científicos que indicavam ser um excelente modelo para a Doença de Alzheimer ou Parkinson, por exemplo. Começámos a montar o primeiro programa de rastreio de novos fármacos [forma de detetar precocemente o potencial de bioatividade farmacológica em diferentes moléculas] em malária cerebral, que é uma consequência da malária que não tem cura, chamada orphan disease e, portanto, era uma forma mais fácil de entrarmos no mercado. O primeiro ano e poucos meses foi para montar esta tecnologia, validar e ver se funcionava como nós dizíamos. Paralelamente, estávamos a fazer o mesmo para Alzheimer e Parkinson. Submetemos a primeira patente em meados de 2007, de seguida iniciámos o processo de rastreio e no final do verão desse ano conseguimos a primeira molécula para malária cerebral. Para estas pesquisas tínhamos também colaborações com o Instituto de Medicina Molecular e com alguns cientistas do Porto.
Porque elegeram estas doenças?
Tentámos validar o interesse da tecnologia antes de avançar com ela. Ou seja, entre o primeiro concurso, em 2002, e quando arrancámos, em 2006, fingimos que já existíamos numa série de conferências. Fomos à BIO, nos Estados Unidos da América, que é uma das maiores conferências do nosso setor, e onde estão todas as farmacêuticas do mundo — a Novartis, a Roche, a Johnson&Johnson —, e marcávamos reuniões com elas. Os prémios que íamos recebendo dos concursos eram usados, também, para pagar estas viagens. Tentávamos fazer uma apresentação como se já tivéssemos a tecnologia a funcionar, ao mesmo tempo que procurávamos perceber o que é que as farmacêuticas queriam. Foi assim que chegámos à malária cerebral e aos alvos mais
interessantes para trabalhar. Quando fizemos o primeiro press release, no final de 2007, recebemos imenso interesse das farmacêuticas na molécula, mas era preciso fazer mais uma bateria de testes. Começaram a questionar-nos se era possível fazer-se rastreios para outras aplicações e assim começámos a diversificar as aplicações da tecnologia.
Entretanto, tínhamos começado com uma molécula química pré-definida, mas percebemos que podíamos trabalhar, também, com moléculas naturais originais e fomos à procura delas junto de professores que faziam investigação. Identificámos uma coleção de bactérias marinhas das fontes hidrotermais dos Açores, que tinha sido isolada e construída por docentes da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (atual grupo BioISI) e fizemos um rastreio com elas. Revelou-se uma mina de ouro! Além das manifestações de interesse por estas moléculas e pela tecnologia, começaram a pedir-nos, também, acesso às coleções que, entretanto, tínhamos connosco. Ou seja, estávamos no final de 2008, já tínhamos muita coisa na mão, pelo que era imperioso que nos focássemos em alguma situação antes que o dinheiro acabasse.
Esse tipo de investigação é caro?
Tudo isto custa dinheiro e a equipa já tinha crescido. No final de 2006 éramos meia dúzia, e em 2008 já éramos dez. Já estávamos numa fase muito ativa do desenvolvimento científico, em que procurávamos outras fontes de financiamento, até porque tínhamos de contratar pessoas (investigadores e doutorandos), e porque sabíamos que o dinheiro iria acabar entre o final de 2009 e o início de 2010.
Começaram, então, a procurar mais investimento?
Começámos a procurar ativamente mais investimento em 2009. Necessitávamos de 5,5 milhões de euros. Tínhamos uma série de moléculas que precisavam de fazer ensaios pré-clínicos e os primeiros testes em humanos, e isso envolve muito dinheiro. Falámos com 128 investidores e tivemos 127 “nins”. A Ysios Capital, uma capital de risco espanhola que investe em startups de biotecnologia, e que em parte era financiada pelo governo espanhol e liderada por um ex-gestor da Roche, demonstrou interesse. A Roche já nos tinha avaliado e tinha interesse em acompanhar o desenvolvimento das moléculas da Bioalvo, o que facilitou o processo, mas as reuniões prolongaram-se ao longo do ano, até que em setembro assinámos o term sheet [documento que apresenta as principais condições para que o financiamento se concretize] e era suposto assinarmos o contrato final em dezembro. Eles foram buscar a francesa Sofinnova Partners, e a PME Investimentos investia, também, para acompanhar o crescimento. Mas, entretanto, o Lehman Brothers caíra e a crise, que começou nos Estados Unidos em 2008 e chegou em força à Europa em 2009, levou a que a Ysios recebesse indicações do Estado espanhol para concentrar todos os investimentos em
Espanha. APME Investimento estava com o mesmo constrangimento: só podia investir em empresas portuguesas. A única saída era dividir a empresa, para ficar com um pé em cada país, mas a PME Investimento não concordou. Na altura, tínhamos dois fundos que controlavam 48% do capital, a PME Investimento e a PME Capital.
Como contornaram esse impasse?
Foi uma fase muito tensa, porque vimos o investimento a fugir-nos numa altura em que já estava decidido. Ou seja, em vez de 5,5 milhões que deviam ter entrado na Bioalvo, conseguiríamos pouco mais de um milhão através da PME Investimentos, o que nos obrigou a repensar todo o modelo de negócio.
Cederam a maioria do capital?
Fizemos um retiro durante dois dias para pensar no que é que devíamos fazer. O dinheiro que iríamos receber não chegava para desenvolver moléculas farmacêuticas, já havia muita gente no mercado que sabia o que estávamos a fazer e que a qualquer altura podia avançar mais depressa do que nós, e não podíamos continuar a pagar patentes, que custam imenso dinheiro (entre cinco a dez mil euros por ano, cada), se não encontrássemos outras aplicações. Começámos a pensar no que é que tínhamos mais que nos pudesse gerar dinheiro mais rapidamente. Foi a primeira vez que apliquei, mesmo sem o saber, aquilo que hoje ensino aos meus alunos, que é o costumer validation business model canvas, ou seja, começámos a ver quais eram as alternativas, o que é que os clientes estavam a pedir e decidimos usar a tecnologia e as coleções marinhas para fazer dinheiro mais depressa. Atrasaríamos o desenvolvimento das moléculas farmacêuticas, mais ou menos dois anos, e esperávamos que passasse a crise, para depois levantar dinheiro numa outra posição.
Mudámos a imagem da Bioalvo, que passou a ser a The biotech for natural products, focámo-nos só em desenvolvimento de produtos de origem natural e foi um sucesso. Foi nesta fase que aumentámos o número de coleções que tínhamos, desenvolvemos mais modelos de rastreio e entrámos na cosmética, com ciclos de desenvolvimento mais curtos e menos intensivos monetariamente. Tenho pena de não termos começado desta forma, mas aprende-se com a experiência. Nos três anos seguintes [2009 a 2012], os fundos foram convertendo a sua participação e aumentando a percentagem, e nós fomos angariando clientes que nos iam pagando o desenvolvimento de novos produtos, da tecnologia e sustentando a empresa. Crescemos e chegámos a ter 17 pessoas em 2012.
Quem é que eram os vossos clientes?
Eram empresas de todo o mundo. Vendíamos acesso à tecnologia, personalizando-a para os nossos clientes. Tivemos empresas de cosmética e farmacêuticas que nos pediram para desenvolver modelos de rastreio, e também licenciávamos as coleções de que dispúnhamos para áreas que não nos interessavam. Foi o que fizemos, por exemplo, para o National Institutes of Health (NIH), um dos mais importantes centros de pesquisa a nível mundial, que precisava do acesso às nossas coleções para fazer screening em cancro de pele. Também licenciámos uma das nossas moléculas para uma empresa americana de veterinária que queria usar os nossos compostos para aplicações veterinárias. E fizemos alguns acordos para áreas cosméticas nas quais não tínhamos interesse. Por outro lado, com toda a experiência e conhecimento que, entretanto, adquiriramos, prestávamos também serviços a outras empresas, desenvolvendo produtos para elas (não competidores com os nossos).
Nós fomos uma das primeiras empresas de biotecnologia farmacêutica na Europa a perceber que o modelo de negócio podia ir muito além do desenvolvimento puro e duro de moléculas com aplicação farmacêutica. Nesta fase, percebemos que podíamos associar licenciamento de tecnologias biológicas próprias, prestação de serviços baseados nas mesmas e comercializar mais rapidamente moléculas para aplicações diferentes da principal, e desta forma ir gerando valor e negócio que poderia sustentar a componente mais arriscada e de maiores ciclos — a farmacêutica. Muitas vezes, estas moléculas podem ser usadas por outras empresas em aplicações de risco menor e de desenvolvimento mais rápido do que aquele que nós perseguimos. Fomos de tal forma inovadores que fomos caso de estudo nos Estados Unidos, Noruega e no Reino Unido.
Ao mesmo tempo que íamos licenciando as coleções marinhas e as moléculas entretanto descobertas, percebemos que tínhamos uma, em particular, muito interessante — era um neuromodelador, que poderia ser usada em cremes para substituir a botulina injetável (Botox) e tomámos a decisão de prosseguir a pesquisa e os ensaios clínicos para a podermos vender no seu valor máximo. Assim, em abril de 2013 fomos à In-Cosmetics, a maior feira de ingredientes ativos na cosmética, para lançar este produto. Foi uma loucura! Não sei quantas reuniões tivemos! Demo-nos ao luxo de escolher com quem queríamos fazer o
acordo, que selámos com a Merck Materials, na Alemanha, que é a empresa que vende todos os ingredientes de grandes marcas como a Shiseido, a Estée Lauder, etc.
Acordámos que eles nos pagariam as patentes e cerca de um milhão de euros por ano, durante cinco anos, para usar este composto. Mas, entretanto, recebemos um pedido de reunião da PME Investimentos, que mudara de nome para Portugal Ventures e tinha como CEO José Epifânio da Franca, para nos comunicar que ia libertar-se dos investimentos como a Bioalvo. Como já estava com a maior parte destas empresas desde 2006, queria sair. Nesta altura, já a Bioalvo era autossuficiente e não dava prejuízo. Nós procurámos quem comprasse a parte deles, que, entretanto, já tinham 2,5 milhões investidos, na mesma altura em que eu andava a tentar fechar o negócio com a Merck. Falei com três investidores internacionais, todos demostraram interesse na Bioalvo, mas quando perceberam que dos 3 milhões que iam investir, 2,5 eram para a Portugal Ventures, não aceitaram. Foi uma altura muito difícil.
Precisamente na altura em que começavam a dar dinheiro.
Exatamente. Perante isto, decidimos propor um management by out [a equipa de gestão comprava a parte dos restantes acionistas] e fizemos uma proposta, que era muito dinheiro para nós — alguns de nós teriam de vender as suas casas —, mas era muito abaixo do valor que eles tinham investido. A proposta era: ou saem a zeros, ou saem com alguma coisa. Mas a Portugal Ventures não aceitou. Entretanto, por inércia interna e falta de respostas atempadas, a nossa atividade começou a bloquear. Essa foi a parte que mais me custou. Isto tudo aconteceu entre maio e setembro de 2013, quando havia patentes e contratos de colaboradores que tinham de ser renovados, e eu precisava da assinatura do administrador da capital de risco, que tinha sido retirado e não fora substituído há vários meses. Ainda consegui assinar a primeira parte do contrato da Merck, portanto, um milhão já estava garantido para aquele ano, mas entretanto comunicaram-nos que iriam fechar a empresa, e no dia 27 desse mês, no dia dos anos da minha filha, eu demiti-me de CEO, entreguei a carta e fui fazer-lhe a festa de anos! Apenas como acionista, já poderia defender os nossos interesses de outra forma, sem cometer qualquer ilegalidade. Continuei a procurar investidores incessantemente, mas na Assembleia Geral entretanto convocada, como a Portugal Ventures já tinha a maioria da empresa, votaram o seu encerramento. Acima de tudo, o que custa mais é não entender bem o porquê do encerramento da Bioalvo, e também das outras empresas, como a Alfama, e mais tarde a Cell2B, por exemplo.
Como é que se lida com o encerramento de uma empresa, sobretudo quando tudo parece finalmente bem encaminhado?
Uma das coisas que aprendi foi a escolher muito bem os parceiros de investimento e, especialmente, a informar-me, previamente, muito bem sobre eles. A realidade daquela altura era completamente diferente da que é hoje; não havia ainda business angels em Portugal e, por isso, aceitámos a primeira proposta que nos fizeram. A proposta não era má e a pessoa que a fez é alguém que ainda hoje admiro, mas desconhecia as dinâmicas dos fundos de investimento nacionais, especialmente em relação às mudanças de direção e de orientação estratégica. Aceitámos a proposta na hora, sem saber em que empresas a PME Investimento investia, quem eram os acionistas e de onde vinham os fundos. Foi fruto da inexperiência. Por isso, hoje insisto tanto no papel da mentoria e da partilha de experiências. Nós não tivemos mentoria, nem “outros exemplos” nacionais para aprender antes de decidirmos. Quando, mais tarde, decidi começar a My.Skinmix, não quis nenhum investidor e preferi crescer devagar. Depois percebi que também foi um erro, mas é assim que se aprende. Os meus medos impediram a empresa de crescer ao ritmo que devia.
Outra coisa que eu aprendi foi que as startups têm de crescer muito mais depressa do que a Bioalvo cresceu inicialmente, porque a diversificação dos investidores é fundamental nesta fase. Nós tínhamos quatro fundos no capital e, sem nos apercebermos, ficámos nas mãos de apenas uma empresa gestora, porque comprou os outros. Portanto, se eu diversificar as minhas fontes de investimento, a probabilidade de isto acontecer é menor. Adicionalmente, eu jamais daria, hoje, 48% da empresa a um primeiro investidor. Este foi um grande erro que cometemos, motivado por uma enorme inexperiência, acrescida de um sentimento de muita gratidão pelo facto de não termos colocado nenhum dinheiro e de nos sentirmos sensibilizados pelo voto de confiança que nos estavam a dar. Nós só pusemos a massa cinzenta, as ideias e o nosso tempo e eles ainda nos davam a maior parte! Parecia fantástico! A verdade é que ninguém na equipa tinha feito isto na vida.