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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A última noite: memórias dos bares e discotecas a que fomos em liberdade há um ano, antes do confinamento

Completa-se agora um ano em que não podemos sair em liberdade. As memórias dessa última noite antes do confinamento, contadas por quem trabalhava nos bares e discotecas de Lisboa.

“Tu sabes que esta é última noite em que vamos poder fazer isto durante muito tempo?” O mau presságio em jeito de pergunta foi lançado por um cliente que entrou pela primeira vez no Suave, um bar do Bairro Alto em Lisboa, precisamente há um ano, antes de os negócios da noite fecharem portas por causa da pandemia. A memória ficou marcada em João Pires, um dos donos do bar: “Eu na altura não liguei muito e disse que não devia ser assim tanto, até achei um exagero e a certa altura ele responde: ‘Eu não sei, mas pelo sim pelo não, estou a aproveitar cada minuto que estou aqui contigo’”.

[Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador sobre as memórias da última noite em que Lisboa saiu à rua]

Memórias da última noite em que Lisboa saiu à rua

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João Pires, também conhecido por DJ Kaspar, chegou a pensar que estava infetado no mês anterior, em Fevereiro de 2020: “Estava em contacto com pessoas de todo o mundo e fiquei a achar isso porque tive todos os sintomas, durou quase duas semanas, estive mesmo mal, tive febre, houve um dia em que praticamente não consegui subir as escadas do prédio para chegar a casa. Até achei estranho não existirem casos em Portugal, porque a pandemia podia já ter chegado e achei que seria natural que tudo isto fosse relatado pelos média com um grande atraso em relação à circulação natural das pessoas. Fiquei alguns dias em casa, mas voltei. Isto foi cerca de duas semanas antes do 1º caso.”

Nesse regresso ao trabalho no Suave, João percebeu que alguns bares se preparavam para fechar, “não por iniciativa do governo, mas por iniciativa própria, antevendo um pouco o que poderiam estar a contribuir para a propagação da pandemia”.

"Eu não sei, mas pelo sim pelo não, estou a aproveitar cada minuto que estou aqui contigo", disse um cliente a João Pires na última noite do Suave

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Há precisamente um ano, Lisboa era uma das capitais europeias com mais movimento. De dia, os moradores seguiam a rotina, os trabalhadores circulavam entre escritórios e transportes e os turistas aproveitavam os prazeres da cidade. À noite, quase tudo convergia entre o Cais do Sodré e o Bairro Alto.

Hoje tudo se resume ao silêncio, principalmente durante a noite. Não há ruído, não há sorrisos nem abraços, não há música nem danças, não há pessoas. Meia hora na praça Luís de Camões, que anteriormente servia de eixo central da vida noturna lisboeta, é meia hora em que apenas se escutam os elétricos e autocarros, que quase sempre passam vazios. Pontualmente escuta-se uma bicicleta ou uma mota com trabalhadores que transportam o jantar para um lisboeta confinado. É uma cidade adormecida.

Há um ano, tudo era bem diferente. O Observador recorda as últimas noites em liberdade na capital portuguesa, na primeira semana de Março de 2020, (já com os primeiros casos de covid-19 em Portugal confirmados), com a ajuda de quem trabalhava no Suave Bar, no Aché Cohiba, no Friends, no Musicbox, no Jamaica e na discoteca Mome.

O esquema de pedidos com papel e lápis para evitar o contacto no Musicbox

Na Rua cor-de-rosa, só as luzes dos ATMs estão acesas, todas as portas estão fechadas. “Há um ano não era assim, isto estava sempre cheio, era difícil circular, o mês de Março prometia”, recorda João Nogueira, responsável pelo Musicbox, que nos abre a porta do nº24 da Rua Nova do Carvalho. Vazia, esta sala parece bem maior, as luzes estão acesas e vislumbra-se ao fundo um palco ainda com a mesa de DJ montada. Junto a uma das paredes está um andaime que por estes dias é utilizado em trabalhos de manutenção. As máquinas de cerveja estão desligadas, mas as bebidas continuam expostas atrás do balcão.

A olhar para uma pista de dança vazia, João Nogueira lembra que encerrou a 12 de Março, uma quinta feira. “Foram noites estranhas, com poucos clientes. Nós até arranjamos um esquema de pedidos com papéis e lápis para evitar o contacto, mas já foi uma noite muito vazia. No fim de semana anterior não foi assim, a 6 e 7 de Março tivemos casa cheia. Duas residências. Na sexta-feira tinha sido a noite Príncipe e no sábado foi a festa Crack Kids com o Dj Glue. Foram noites com muita gente.”

João Nogueira recorda que nas últimas noites do Musicbox tinham uma forma de fazer os pedidos com lápis e papel para evitar contactos

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Gonçalo Riscado, diretor da CTL (Cultural Trend Lisbon), empresa que gere o Musicbox, recorda o momento em que decidiu fechar: “Naquela época cada um de nós tinha que processar uma informação nova a cada hora que passava e tornou-se claro que o confinamento seria essencial. Decidimos antecipar qualquer regra e encerrámos no dia 12 de Março. Percebemos que também tínhamos essa responsabilidade e a decisão de fechar foi iniciativa nossa”

Mas Gonçalo não esperava uma paragem desta dimensão: “Nunca nos passou pela cabeça. Todos pensámos que seria por 3 meses, nunca pensámos ter de parar uma máquina destas por tanto tempo”. Passado um mês percebeu que ia ser mais tempo e juntou-se a outras salas para promover eventos online e ajudar os artistas. “Mas continua a ser difícil olhar para esta sala e perceber que está fechada há um ano.”

Antes da chegada da pandemia a Portugal a Cultural Trend Lisbon tinha cerca de 35 funcionários. “Alguns contratos do restaurante Povo [que também integra a empresa] chegaram ao fim e nós não renovámos, até porque estava fechado, mas o resto continua tudo, somos neste momento 27, salvo erro, e assim vamos continuar, até ao fim: ou aguentamos todos ou acaba.” Toda a empresa está neste momento em layoff, os apoios do Estado e da autarquia foram “fundamentais” para manter os empregos.

O andaime para manutenção na pista do Musicbox. E o cartaz emocional à porta: "Saudades tuas"

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Para o futuro, o responsável pelo Musicbox assume que está confiante num regresso rápido à normalidade, quando for permitido pelas autoridades de saúde. “Somos um ser de toque, um ser social. As pessoas vão querer estar juntas. Depois de algum período de desconfiança, que acho que vai ser curto, as pessoas vão querer sair. É importante a nível da comunicação garantir que é seguro, até porque só queremos abrir com essa condição. Não queremos forçar uma abertura enquanto não for seguro. Mas há muita gente com vontade de voltar a dançar.” Gonçalo ainda não sabe o que vai programar para o regresso: “Nem sei se vou ter festa de abertura ou se vamos simplesmente abrir”.

Mome: “Fazer com que as pessoas se divirtam, se soltem, se beijem e se embebedem”

“É estranho estar aqui à noite e não ver ninguém para entrar. Tenho saudades de ter isto cheio”. À porta da discoteca Mome, Frederico Candeias é o segurança e porteiro. “Tratem-me por Fred”. Num edifício vazio e às escuras, Fred entra no elevador de paredes em vidro e olha para a rua: “Eu sou suspeito, mas deixem-me dizer que aqui era só noites fora de série. Lembro-me que na última recebemos a festa da Moda Lisboa e que ultrapassou todas as expectativas.”

O elevador pára no 3º piso do nº 68 da Avenida 24 de Julho onde fica o restaurante Sky Valley. Nos outros dois andares estão as pistas de dança deste edifico que já foi casa da Kapital e do Main, duas emblemáticas discotecas de Lisboa.

João Magalhães, do Mome, recorda a festa da Moda Lisboa na última noite, "uma noite feliz"

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João Magalhães, dono do Mome, recorda um arranque de 2020 que fazia prever um grande ano: “Ninguém sabia o que aí vinha, acabámos todos por encerrar, ficou na memória uma noite feliz, com uma casa cheia e um público bonito. O Fred pode confirmar os comentários positivos que foram ditos à saída”

Depois dessa noite, chegou a decisão de fechar. “Foi como quando uma criança se apercebe de um perigo, inocentemente trava, mas acha que o perigo é só relativo. Obviamente que o perigo existia e nós sabemos que no fundo o que fazemos é promover o contacto, é juntar pessoas, fazer com que se divirtam, com que se soltem, que se beijem, que se embebedem, e que esqueçam do dia a dia, quase como uma terapia. Isso era tudo contra natura face ao que se estava a passar. Percebemos que tínhamos de fazer um stop, mas nunca pensei que fosse por tanto tempo.”

Pouco depois do encerramento, João Magalhães começou a estudar uma forma de regressar à atividade em segurança: “Tal como os restaurantes, nós tínhamos de nos adaptar. E eu lembrei-me, porque já o tinha visto noutros países, de abrir uma discoteca sem pista de dança. A questão era, como abrir se não se consegue manter distanciamento? Mas de facto isso é possível.” A ideia seria criar camarotes, uns privados, que estariam separados e com lotação reduzida. “Encaminhávamos grupos para os camarotes e assim as pessoas podiam-se divertir de forma controlada. Em Lisboa, com espaços fechados, percebi que seria difícil, mas teria sido possível aplicar esta estratégia no Algarve, com discotecas ao ar livre.”

João Magalhães sente que os governantes não conseguiram dar um “voto de confiança” ao setor, e que isso motivou o aparecimento de festas ilegais, ainda assim, as culpas são partilhadas, “Não existe representação deste setor. Eu sei que provavelmente vou receber uma série de emails por dizer isto a perguntarem-me porque não me chego à frente, mas deixe-me dizer que fico triste com a falta de discussão entre todos os agentes. Se os empresários conversassem mais talvez fosse possível regular este negócio, porque assim podiamos trabalhar todos em vez de andar aqui sem rei nem roque”.

João convida-nos a visitar a discoteca. “É um pouco estranho estar numa discoteca sem música”, não há qualquer foco de luz ligado, nem funcionários atrás do balcão. Não há sorrisos. João Magalhães pede a Diogo Volshock, funcionário do Mome, para acender a iluminação de um quadro exposto na parede, mas por ter estado há tanto tempo parado, o comando da iluminação led está sem pilha. Diogo é o responsável técnico por esta discoteca, gere o som e a luz, celebrou o aniversário no fim de semana em que o Mome encerrou. Esse momento acabou por ditar um início de um ano sem trabalho, “Para os técnicos multimédia e da área dos audiovisuais foi um ano de crise. É passar de uma panóplia de trabalhos para zero.

No Mome, "a tendência vai ser uma onda muito positiva, o house, música melódica e mais cantada, para despertar o lado positivo que é ter a vida de regresso ao normal"

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Diogo é um dos cerca de 60 funcionários que estavam ligados ao Mome. Agora esta discoteca mantém 8 trabalhadores, todos no restaurante, e “mais um ou dois” ligados à gestão do espaço. “90% da estrutura desapareceu, os DJs são pagos à noite, muitos funcionários estavam com contratos de curta duração e com isto parado não foram renovados. Não havia condições, até porque temos muitas contas para pagar. Conseguimos minimizar o impacto com ajuda dos apoios e com muita flexibilidade do senhorio”, admite João Magalhães.

O DJ Ari Girão olha para a mesa que usou dezenas de noites para passar música e assume que deseja que a vacinação avance rapidamente para que a normalidade possa regressar rapidamente, mas fica assustado com as constantes alterações de prazos: “Ouvi o coordenador da Task Force dizer que com o atraso de vacinas a imunidade de grupo pode surgir apenas em 2022, isso  deixa-me muito ansioso”. O DJ sente falta de ter a pista de dança cheia, assume que não se recorda da última canção que passou, nem planeou ainda a primeira que vai tocar no regresso à normalidade. “Apesar de não ter escolhido a canção, tenho pensado muito sobre o tipo de música que se vai ouvir quando voltarmos a viver em liberdade. Tenho falado disso com vários colegas e a ideia geral é que a tendência vai ser uma onda muito positiva, o house, música melódica e mais cantada, para despertar o lado positivo que é ter a vida de regresso ao normal.”

Jamaica: “Ver as pessoas a saírem daqui abraçadas quando horas antes não se conheciam”

De volta à zona da Rua cor-de-rosa, a uma porta que nunca mais se vai voltar a abrir para dançar. O Jamaica, emblemático bar da noite lisboeta, também encerrou a 12 de Março, e nessa altura, Fernando Pereira “não sabia que seria a última vez”. No ano em que celebra 50 anos de vida, o Jamaica deixa o nº 6 da Rua Nova do Carvalho, e vai juntamente com o Tokyo e o Europa para o Cais do Gás. A mudança já arrancou, e na pista de dança estão amontoadas caixas de cartão. No balcão já não restam bebidas, apenas se lê “one love” escrito na parede.

"Foi no Jamaica que conheci grande parte das mulheres que passaram pela minha vida. Portanto o Jamaica é a minha vida”, diz Fernando Pereira

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Fernando Pereira tem 51 anos, mais um que o Jamaica, um bar que foi uma segunda casa, “está na família desde sempre. O meu pai era um dos sócios, eram 3 sócios. Já morreram todos e o bar ficou para os herdeiros. Eu cresci aqui, estive sempre ligado ao Jamaica, recordo-me que ao início vinha para aqui porque o meu pai gostava muito de comer numa churrasqueira desta rua, no Rio Grande, ele passava no Jamaica a caminho e lembro-me de me sentarem no balcão, de estar sempre a pedir chicletes e a cola da Canada Dry. Foi aqui que comecei a trabalhar quando tinha 15 anos e foi aqui que passei a minha juventude. Foi no Jamaica que conheci grande parte das mulheres que passaram pela minha vida. Portanto o Jamaica é a minha vida”.

De olhos para um bar já despido e com malas feitas, Fernando Pereira fala em sentimentos mistos: “É triste porque existem muitas memórias. Mas eu sou otimista, eu acredito que os espaços estão ligados a momentos e sei que o novo espaço vai promover novas sensações. Além disso, vamos ter melhores condições.”

Fernando está também convencido que a Rua Nova do Carvalho nunca mais vai ser a mesma: “Vai ficar desvirtuada, basta pensar nas obras que aqui vão começar. Durante dois anos e meio vai estar aqui um estaleiro. A Rua cor-de-rosa acabou. A partir do momento em que estes 3 bares entregarem a chave acabou. Esta rua fica desvirtuada, estamos a falar dos três bares mais antigos.”

O Jamaica não volta a abrir aqui. Já está tudo encaixotado e preparado para a mudança de instalações

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Olhando para trás, Fernando recorda que na segunda semana de Março fechou por iniciativa própria, mas assume que se soubesse o que sabe hoje teria feito algumas coisas diferentes: “Tinha feito uma grande festa, nem que fosse um bar aberto, para assinalar esse encerramento e para preparar todos os que aqui estivessem para este ano de confinamento e sem bares abertos”.

Agora, quando voltar a abrir portas, o Jamaica já vai estar no Cais do Gás, junto ao terminal fluvial. Durante este último ano esteve sempre fechado. Fernando Pereira, que é também dono do Tokyo, conseguiu manter os funcionários em layoff e resistir a estes meses de paragem, mas nada substitui a vida destes espaços: “O que me dá gozo nestas casa é ver as pessoas a dançar, animadas, a saírem daqui abraçadas quando horas antes não se conheciam, acho que é isso que falta. É disso que eu sinto falta. Sempre que chego aqui fica difícil perceber que hoje as pessoas não vão dançar, não se vão divertir, não se vão libertar e assim sucessivamente. Amanhã é igual. Não há fim à vista”.

Suave: “Nos primeiros tempos em liberdade a música vai procurar responder a essa eventual explosão de alegria”

No Suave também acabou por acontecer o fecho prolongado que o “estranho” tinha vaticinado em conversa com o dono, na última noite. O bar ficou encerrado por cerca de 6 meses. No final do verão, a porta do nº4 da Rua do Carvalho voltou a abrir-se, uma vez que o governo permitiu que estes espaços funcionassem como pastelarias ou restaurantes. João Pires decidiu adaptar-se, mudou o código de atividade económica para conseguir abrir às sextas e sábados: “Criamos um evento chamado «Acardita», tínhamos uns cartazes com o rosto de uma figura mediática do futebol português e com isso ainda conseguimos ter algumas boas casas. Passei a servir umas pizzas, mas nunca quis enganar os clientes. Eu sou bartender e tenho um bar, é óbvio que eu estava a servir comida para poder vender os meus cocktails, não escondi isso a ninguém. Longe de mim andar a publicitar que faço a melhor pizza do Bairro Alto, se eu quiser comer pizza vou a uma pizzaria, mas se tenho que servir comida para poder vender bebida tenho que meter qualquer coisa rápida no forno, pôr a comida à frente do cliente, para depois poder servir o cocktail.”

Apesar desta mudança no Suave, João Pires assume que não foi uma decisão fácil, até porque este bar devia ser um espaço cultural com uma identidade própria: “Mudámos porque ainda não havia ajudas disponíveis, naquela fase, no final de Agosto, estava tudo desorientado e em pânico, não havia respostas. Foi a única coisa que conseguimos fazer, para pelo menos ter condições para pagar a renda, e foi mesmo a única coisa que deu para pagar. Mas não foi fácil, meter a vida de pernas para o ar para conseguir salvar a empresa e a única coisa que conseguimos foi não agravar a dívida com o nosso senhorio”.

Agora o novo confinamento volta a obrigar a fechar portas e João Pires assume que só consegue resistir por causa dos apoios do Estado: “Os apoios são importantes, mas estão dispersos, são confusos, estão em várias plataformas diferentes, é quase como uma caça ao tesouro. Mas são essenciais, eu não conseguia estar neste espaço a dar esta entrevista se não fossem os apoios”.

“Pelo menos até Setembro acredito que vamos continuar fechados”, diz o dono do Suave

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O dono do Suave assume que acredita que os clientes vão voltar em força e cheios de vontade de recuperar a liberdade que perderam nos últimos meses. Ainda assim, não espera um regresso para breve: “Pelo menos até Setembro acredito que vamos continuar fechados”.

A escutar estas palavras, Nuno Bernardino, DJ no Suave, olha também para as noites de regresso em liberdade. Não arrisca escolher uma canção para esse dia, mas assume que tem pensado de que forma a música vai responder ao momento de viragem: “Nós estamos a viver um período escuro, um período dark, e a tendência da música é acompanhar estas ideias, quase como resposta ao que nos estão a fazer, o que tenho ouvido agora é música mais dura, mais agressiva, mas acredito que nos primeiros tempos em liberdade a música procure responder a essa eventual explosão de alegria”.

Aché Cohiba: “Reabrir como bar lá para o verão”

“Tínhamos sempre a casa cheia, era gente de todo o lado, portugueses e turistas, sempre cheios. Tínhamos que limitar a entrada, trabalhávamos muito bem. Sempre fomos um bar muito democrático, com um público muito misto e com muita vida”. No coração do Bairro Alto, o bar cubano Aché Cohiba é conhecido pela música latina, por ter casa cheia e por ser um dos bares que ficavam abertos até mais tarde nesta zona da capital portuguesa.

Em Março de 2020 a animação parou. O Aché Cohiba foi obrigado a fechar. “A última vez em normalidade acho que já foi no dia 15 de Março de 2020, faz um ano, um ano sem normalidade”, assume Kléber Soares, um dos donos, que descreve uma das decisões mais difíceis que tomou na vida. “Temos 16 pessoas dependentes de nós, entre o Aché Cohiba e outros dois bares. Fomos apanhados de surpresa, achámos que seria apenas por 15 dias, mas foi prolongando e prolongando. Estive várias noites sem conseguir dormir a pensar o que nos podia acontecer. Ninguém faz reservas financeiras para enfrentar uma coisa que não sabe que pode acontecer. Foi um desespero.”

Kleber olha para as mesas que substituem a pista de dança do Aché Cohiba e assume que espera poder reabrir de forma parcial em abril, como bar “lá para o verão”

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Este bar que fica na esquina entre a Travessa da Calçada e a Rua do Norte tinha 7 funcionários que para já ainda não foram dispensados: “Endividámo-nos bastante para isso, não sei quanto mais vamos aguentar. Estamos preocupados com as pessoas que trabalham aqui, até porque este era um negócio muito viável. São pessoas que já cá estão há algum tempo. Mas está difícil aguentar.”

No final do ano passado, o Aché Cohiba voltou a abrir, mas a servir refeições. “Antes deste confinamento tivemos que nos adaptar, abríamos com horário reduzido e menor lotação. Vendemos pizzas e chouriços para podermos estar abertos”, brinca Kleber Soares.

"Vai ser difícil não ter estrangeiros, eles não vão viajar para cá com tanta regularidade", admite o dono do Aché Cohiba

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O Aché Cohiba mantêm-se de porta fechada, as bebidas continuam intactas atrás do balcão, a música latina ainda toca, Kleber olha para as mesas que substituem a pista de dança e assume que espera poder reabrir de forma parcial em abril, como bar “lá para o verão”, e em normalidade “algures no final do ano”. Mas se o Governo permitir, está “preparado para começar a trabalhar já amanhã”. Quanto ao futuro, o dono do Aché Cohiba prevê um efeito secundário da pandemia, “nós aqui no bairro alto trabalhamos muito com turistas, e é de facto o público que gasta mais dinheiro. Vai ser difícil não ter estrangeiros, eles não vão viajar para cá com tanta regularidade, acho que vai ser muito complicado.”

Friends já tem canção para abrir e fechar a primeira noite em liberdade: “I will survive”

Na zona superior do Bairro Alto, o Friends deixou de ter fila à porta.  “Isto é como da noite para o dia”, diz Henrique Pereira, o dono. “Posso mostrar fotografias, antes tinha aqui quase 100 pessoas e às vezes 10 pessoas a trabalhar, agora estão no máximo 20.”

Em Março de 2020, o nº 17 da Travessa da Água da Flor resistiu até ao fim: “Fechamos no último minuto da última noite. Lembro-me que estava aqui no sofá e a polícia começou a mandar fechar por volta da meia noite. Nessa última semana já havia menos gente, as pessoas já estavam a adivinhar o que aí vinha, mas ainda tinha clientes.”

“Fechámos no último minuto da última noite", recorda Henrique Pereira, dono do Friends

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Henrique Pereira assume que nunca pensou que a paragem fosse por tanto tempo, achou que seria “apenas por 15 dias” e recorda a capacidade de adaptação que foi tendo ao longo do ano: “Estivemos fechados, depois deu para abrir como restaurante e como já tínhamos esse código de atividade foi o que fizemos, deu para fazer algum dinheiro. Depois o Governo disse que tínhamos que fechar às dez e meia e assim fizemos”.

Bruno Teixeira é um dos funcionários que continuam a colaborar com Friends e assume que se viu obrigado a mudar radicalmente a forma como trabalhava: “Não estava formatado para isto, é diferente ser empregado de mesa ou estar atrás de um balcão a servir bebidas. Na restauração lidamos com mais queixas dos clientes”.

Centrado nas mudanças, Bruno revê também as alterações de consumo. “De servir cervejas, caipirinhas e gins, passei a servir ovos com farinheira, choco frito, pica pau e batatas fritas. Batatas até é o que pedem mais porque é o mais barato, e como é preciso ter comida para poder beber, pedem batatas fritas.”

Phil, DJ no Friends, já sabe a primeira música que vai passar na reabertura: “I will survive, da Gloria Gaynor. Até porque só vão estar cá os sobreviventes”.

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Enquanto dono de um bar, Henrique está preocupado com a mudança de hábitos dos clientes: “Acho que no início toda a gente vai querer sair, mas é preciso voltar a ter hábitos de noite. Eu vejo por mim, às onze da noite estou a dormir e antigamente ficava aqui a noite toda. Às vezes brinco que hoje em dia consigo beber um Gin e antigamente podia beber dez. Ainda assim acho que os portugueses nisto mudam rapidamente, até porque as pessoas estão fartas”.

De olhos no regresso, Henrique Pereira prefere não fazer planos, até porque “o governo tem mudado de ideias tantas vezes que não vale a pena planear”. Mas Phil, DJ no Friends, já arrisca escolher uma canção para abrir e fechar a primeira noite em liberdade: “I will survive, da Gloria Gaynor. ‘First I was afraid, I was petrified’. Acho que vai ser isso, tem que ser. Até porque só vão estar cá os sobreviventes”.

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