Já todos perdemos a conta às discussões sobre as virtudes e os vícios do Euro. Mas, passados tantos anos da existência da Zona Euro, vale a pena olhar brevemente para o que ficou para trás. Aquando da introdução do Euro, os mais cépticos, dentro e fora dos países que adoptaram a moeda única, tinham duas grandes dúvidas. Primeiro, seria a nova moeda seria suficientemente credível e aceite no sistema de pagamentos internacional? Por outras palavras, seria o euro mais parecido com o marco alemão e, assim, uma alternativa ao dólar, ou seria mais parecido com a lira italiana? Segundo, seria a nova área monetária de facto uma “união monetária óptima”? Isto é, como é que 15 países ainda tão diferentes e com instituições tão díspares iriam lidar com uma política monetária unificada sem uma política orçamental comum, e sem uma união bancária ou mecanismos de compensação que funcionassem nas recessões?
O tempo trouxe algumas respostas. A primeira dúvida foi logo sendo dissipada, ainda nos primeiros anos da moeda única. Depois de um início titubeante, o euro foi-se apreciando face ao dólar e foi aumentando a sua quota nas transacções internacionais. E, ainda que a política monetária do BCE até 2007/08 seja vista agora como demasiado expansionista para a área do Euro como um todo, acabou por ser suficientemente credível. Basta recordar as subidas de taxas ainda em 2008 e 2011(!) em plenas recessões. E, se não bastasse, o BCE até acabou por pecar por excesso devido à sua demora em reagir à crise das dívidas soberanas.
Já quanto à segunda dúvida, as respostas são menos satisfatórias. Os principais apologistas da estrutura aprovada ainda em 1992, em Maastricht, defendiam que com uma política monetária, livre circulação de pessoas, bens e capitais, e regras orçamentais comuns, o mercado se encarregaria de ajustar os desequilíbrios existentes dentro dessa união monetária. No entanto, a realidade tem sido outra. Não só os desequilíbrios orçamentais e externos existentes antes de 2001 não terminaram, como até se agravaram (pelo menos até 2012/2013). É certo que o aumento dos desequilíbrios internos e externos se deve muito às decisões tomadas individualmente pelos Estados. Mas, também, é um facto que os incentivos para mais défices e mais endividamento público e privado estavam criados – e beneficiaram disso não só os Estados “devedores”, mas também os Estados “credores”.
A pergunta que todos colocam agora é esta: é possível uma reforma do Euro que corrija o rumo de insustentabilidade dos últimos anos? Este mês de Junho é decisivo. Não só pelo calendário político, mas também porque ficou claro que o BCE será menos proactivo do que até agora tem sido – embora seja certo que continua com a porta aberta, caso a inflação diminua, mas o impacto marginal de mais medidas é agora bastante menor. Em termos práticos, aproxima-se a que foi chamada de “mãe” de todas as cimeiras e nos últimos dias decorreram as reuniões do Eurogrupo/Ecofin, que estão há muito definidas como decisivas e apontadas como a última janela de oportunidade. Depois com o aproximar das eleições europeias e com várias eleições nacionais, a janela vai-se fechando. Haverá ainda tempo? E, se sim, qual deveria ser o novo rumo? São esses cenários que este ensaio apresenta e cujas implicações para Portugal avalia.
Um problema cuja solução tem sido adiada
Depois do eclodir da crise das dívidas soberanas, em 2010, os estados membros foram obrigados a dar passos que pareciam impensáveis anteriormente, tais como a criação do Mecanismo Europeu de Estabilidade e o financiamento dos resgates à Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre e Espanha, a união bancária e união do mercado de capitais. E, finalmente, o BCE mudou a sua abordagem: tal como os outros bancos centrais, passou a comprar dívida soberana e privada. No entanto, ainda que a área do euro tenha sobrevivido intacta à sua primeira crise existencial (aliás, até tem agora 19 membros), algumas destas medidas acabaram por ser medidas de emergência e estão estruturalmente incompletas. Por exemplo, o actual mecanismo dos resgates apenas se destina a casos-limite. Por exemplo, a união bancária continua incompleta, já que o risco e financiamento se mantêm nacionais. E, como último exemplo, a união de capitais ainda não é uma realidade, tal como não existem ainda mecanismos que ajudem os países quando sujeitos a choques externos.
É verdade que, neste momento, todos os países da moeda única estão a crescer ao ritmo mais elevado desde 2007, e que a dispersão (diferença entre os vários países) desse crescimento é menor do que nunca, conforme se mostra no gráfico 1. No entanto, esta aparente convergência esconde os desequilíbrios ainda existentes: as taxas de juro pagas pelos Estados e pelas empresas da periferia europeia continuam bastante acima das taxas pagas pelas mesmas contrapartes no norte da Europa. No caso português, isso é particularmente relevante no crédito às empresas, como é visível no gráfico 2. Ou seja, o mercado continua a passar a mensagem de que, ainda que a Zona Euro tenha evitado a queda no abismo e esteja a crescer de uma forma mais harmoniosa do que no passado, continuam a existir desequilíbrios estruturais de urgente resolução.
Uma montanha russa de expectativas
A expectativa para os próximos passos da reforma institucional do Euro tem tido altos e baixos. Começaram por ser altas, após o referendo da saída do Reino Unido da UE, já que a reacção dos principais países do Euro foi no sentido de aproveitar esta saída como uma oportunidade para maior integração. Depois passaram a ser relativamente baixas, devido aos receios de uma vitória eleitoral da Frente Nacional, o partido nacionalista francês. De seguida, a eleição de Emmanuel Macron e o seu discurso pró-europeu (principalmente o famoso discurso na Sorbonne) elevou novamente as expectativas. Entretanto, estas caíram outra vez perante as eleições alemãs, que resultaram numa grande coligação mas com um parlamento bastante mais eurocéptico. Finalmente, qualquer hipótese de grandes mudanças parece cada vez mais difícil, após a atitude conservadora e publicamente assumida por alguns pequenos países do centro e norte da Europa, como a Holanda, e principalmente depois do evoluir da situação política em Itália, sem esquecer as recentes divisões no governo alemão quanto à atitude europeia face aos refugiados e migrantes.
Mas nem todas são más notícias. Ainda na passada terça-feira 19 de Junho, tivemos (finalmente) razões para algum optimismo, graças ao encontro entre a Chanceler Alemã, Angela Merkel, e o Presidente Francês, Emmanuel Macron, em que ambos apresentaram as traves-mestras do consenso entre os dois países – incluindo a criação de um orçamento da Zona Euro em 2021 (ainda sem detalhes quanto ao seu montante, financiamento e destino dos fundos por ele reunidos). E anunciaram ainda outras medidas menos polémicas, como o financiamento do Fundo de Resolução pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) em caso de necessidade dos Estados-membros (dependente de uma redução dos créditos em incumprimento para 5%…) ou a criação de novos instrumentos à disposição também do MEE.
Em suma, a margem política para grandes reformas parece estar a esgotar-se e parece que nos teremos de contentar com pouco, já que qualquer grande mudança implicará inevitavelmente uma revisão dos tratados europeus, algo que requer um bem cada vez mais escasso – unanimidade entre os Estados-membros.
As grandes alterações da Zona Euro centram-se principalmente em três áreas: união bancária; reforma do mecanismo europeu de estabilidade (ESM) e formas de ultrapassar futuras crises; e maior convergência entre os países da área do Euro e mecanismos que ajudem a compensar o impacto das próximas recessões (orçamento comum ou transferências temporárias). Mesmo tendo em conta a elevada incerteza, neste ensaio explicam-se as alterações que estão actualmente na mesa europeia de negociações, e apontam-se também algumas medidas desejáveis e implicações destas para Portugal.
Medida: a união bancária
A união bancária procura garantir igualdade de condições de financiamento, independentemente do país da empresa. A união bancária foi “criada” em 2012, no pico do stress financeiro em Itália e Espanha. Na altura, foi consensualmente visto como um passo positivo, mas ainda assim “coxo”, já que apenas incluía um calendário definido para regulação – e menos medidas concretas e calendarizadas para assunção de riscos e financiamento de bancos em dificuldades.
De fora do acordo de 2012 ficou o financiamento do Mecanismo Único de Resolução. Este Mecanismo destina-se a cobrir os custos com a resolução (fecho) de bancos em dificuldades e será financiado através de contribuições das instituições financeiras. Como os montantes em causa são demasiado elevados, foi acordado que essas contribuições iriam sendo reunidas até 2024, e que, caso fosse necessário algum financiamento para alguma resolução, teriam de ser os Estados-membros a contribuir individualmente – tal como aconteceu em Portugal com o BES e o BANIF.
O motivo para esta falta de progresso vem da falta de confiança nos sistemas financeiros dos países do sul europeu. Espanha e, de certa forma, Portugal já foram fazendo o seu caminho e, nestes últimos anos, os seus bancos foram limpando os balanços. Ainda assim, o rácio de créditos em incumprimento sobre o total do crédito está acima dos dois dígitos na periferia, e bem abaixo de 5% no resto da Zona Euro, destacando-se pela negativa Chipre e Grécia com o rácio acima de 40%, e depois Itália e Portugal.
Assim, falta criar um financiamento de último recurso (“backstop”) para o mecanismo de resolução, de forma a harmonizar a capacidade dos vários Estados. E falta ainda criar um fundo de garantia de depósitos comum – será o objectivo final de qualquer união bancária, uma vez que garante efectivamente o mesmo risco independentemente da localização da sede dos bancos.
Medida: alterar os instrumentos e adaptar o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) a novas necessidades
O MEE foi criado em 2012/2013 e, olhando para trás, em 5 anos muito mudou. A começar pelo papel mais cativo do BCE no mercado de dívida – para além do programa de compra de cativos que está em vigor desde 2015 o BCE criou ainda, em 2012, um programa de compras em mercado secundário (OMT) que só pode ser cativado caso o Estado-membro requeira um programa do MEE. Consequentemente, alguns dos seus instrumentos nunca foram usados – como os programas cautelares, programas de compra de dívida em mercado primário ou secundário, ou ainda o mecanismo de recapitalização bancária directa (este último dificilmente será utlizado, tendo em conta as exigentes condições necessárias). Para além disso, face ao track record que foi estabelecendo, está agora capaz de assumir outras responsabilidades.
A medida mais falada para o futuro corresponde ao financiamento (ou “backstop”) do Mecanismo de Resolução. Através dessa medida, quando um Estado-membro esgotar a sua quota, poderá recorrer ao MEE ao invés de se financiar em mercado. Assim, desapareceriam as dúvidas quanto à capacidade dos Estados em intervir em caso de resolução. No entanto, segundo o recente discurso de Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, o consenso parece encaminhar-se para que esta capacidade só esteja completamente disponível em 2024 – ou seja, encontra-se confortavelmente distante. Para além disto, e tendo em conta que não há almoços grátis e que não há financiamento sem condições, muito provavelmente este financiamento implicará algum programa e condicionalidade. Ou seja, não será muito diferente do já existente programa de financiamento indirecto (através do Estado) a que Espanha recorreu entre 2012 e 2014.
A outra medida mais falada, inclusivamente por Angela Merkel na sua entrevista ao FAZ, passa por criar um novo instrumento que, na prática, consiste em empréstimos de menor prazo do que os já utilizados pela Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre ou Espanha. Estes empréstimos seriam destinados a colmatar dificuldades de financiamento mais conjunturais, principalmente devido a factores exógenos. Assim, seriam pagos durante o próximo ciclo económico – ou seja, teriam uma maturidade de cerca de 5 anos. Esta parece, de facto, uma medida positiva que pode até juntar as vontades do “norte” e do “sul” europeus, uma vez que com menores maturidades vem também menor risco e, à partida, menor condicionalidade. No entanto, para esta medida ser mais eficaz, deveria ainda ser acompanhada de outra alteração: a extensão dos programas cautelares.
Actualmente, existem dois tipos de programas cautelares que são uma espécie de rede de segurança que os países podem cativar (transformando-se num programa “clássico” caso necessitem). Estes programas foram pensados não só para auxiliar países afectados por choques externos, mas também para ajudar os países com resgates a acederem novamente ao mercado. No entanto, nunca foram usados, não só pelo estigma associado, mas principalmente porque a intervenção do BCE nos mercados de dívida foi decisiva para garantir melhores condições de financiamento. Um desses programas é mais “light” (PCCL) e destinado a países fora do procedimento por desequilíbrios excessivos da CE e, portanto, com uma situação económica mais sólida (Portugal já se encontra neste clube desde Abril). O outro programa tem uma maior condicionalidade e monitorização, sendo destinado a países numa situação mais frágil (ECCL). Convém ainda salientar que esta última modalidade é a única que permite que o país se qualifique para o programa de compras do BCE (OMT). Ora, ambos os programas têm a mesma duração: 6 meses, extensível por igual período. Para muitos, é precisamente essa a sua falha principal: dificilmente algum governo arriscará incorrer em custos reputacionais (internos e externos) por um curto período de tempo.
Assim sendo, seria importante que o MEE passasse a disponibilizar programas cautelares de uma maior duração – idealmente até 3 anos, mas nunca inferiores a 18 meses, que é o programa semelhante mais curto disponibilizado pelo FMI. Desta forma, estes programas poderiam ser efectivamente uma rede de segurança. Veja-se, por exemplo, o caso italiano. Um programa cautelar de 6 meses não resolveria nada, mas caso a Itália ficasse protegida durante 18 meses, e com apoio do BCE, esta seria uma forma de não só garantir que implementa medidas internas como que fica protegida de subidas de taxas de juro.
Para compensar estes novos instrumentos, a moeda de troca poderia ser (tal como já foi falado na imprensa) o fim da linha de 60 mil milhões de euros disponível para a recapitalização directa de instituições financeiras, que tem condições de tal forma irrealistas que nunca chegou sequer a ser considerada. Para além disso, o fim desta linha poderia até libertar mais fundos para o “backstop” do Fundo de Resolução, já que este é menos arriscado (será um empréstimo aos Estados, em vez de um investimento em capital de um banco) e, assim, o capital do MEE será menos penalizado pelas agências de rating.
Finalmente, também tem sido bastante discutido não só o nome do MEE, e a sua mudança para Fundo Monetário Europeu (algo a que o Banco Central Europeu se opõe), mas também a sua gestão e eventual inclusão nos tratados da União Europeia – tal como acontece com outras instituições, como o BCE ou o Banco Europeu de Investimento. Actualmente, o MEE é uma instituição intergovernamental que necessita de unanimidade entre os seus governadores (ministros das Finanças) para novos programas. Alguns países (em destaque, a Alemanha) necessitam até de aprovação do seu parlamento. Esta necessidade leva a que qualquer decisão não só seja mais demorada, mas também dependa de acordos políticos que geralmente são conseguidos no limite.
Assim, são a França e a Comissão Europeia quem pretende que o MEE passe a ter maior autonomia face aos accionistas, algo a que a Alemanha se opõe determinantemente. Como vimos na declaração conjunta desta semana, o tratado do MEE poderá ser revisto (para integrar os novos mecanismos) e até poderá ser integrado no tratado da UE, mas não há qualquer alteração ao seu mecanismo de decisão. O que há, sim, é uma referência a uma maior dotação de meios para monitorizar as economias da Zona Euro (algo que a Alemanha há muito deseja por desconfiar da independência da Comissão), mas em “conjunto e evitando duplicação de funções da Comissão Europeia” (algo que a França e a Comissão não abdicam.
Apoio à convergência – orçamento da Zona Euro e mecanismo europeu de desemprego
Desde o início que a construção europeia andou a par com apoios ao crescimento e convergência entre as regiões mais e menos desenvolvidas. A União Europeia tem vários fundos e mecanismos de apoio que vão desde os famosos fundos do quadro comunitário de apoio até aos empréstimos e garantias do Banco Europeu de Investimento, disponíveis quer para projectos do Estado quer para empréstimos (e até capitalização) a empresas. O objectivo destes apoios passa principalmente por assegurar a longo prazo uma redução das assimetrias dentro da União, facilitando uma maior integração, mas também mais crescimento.
No entanto, estes apoios não resolvem um dos problemas da união monetária: o impacto de choques que afectam os países do Euro de forma diferente ou, como dizem os economistas, os “choques assimétricos”. Desde o início do Euro que os seus Estados-membros deixaram de poder contar com a política monetária como forma de ultrapassar os choques que afectam as suas economias, ficando apenas com a política orçamental como instrumento. Ora, como bem sabemos, a política orçamental tem os seus limites e, na maior parte dos casos, a política monetária aplicada à Zona Euro como um todo não é a mais indicada para cada um dos países individualmente – principalmente no caso dos países mais pequenos. Desta forma, resta apenas uma forma de lidar com os choques: mercado interno, leia-se, mercado de trabalho.
É certo que a maioria dos países do sul tinha (e alguns ainda têm) um mercado de trabalho bastante mais rígido e com maior protecção para os trabalhadores mais antigos do que os países do centro e norte da europa. Esta rigidez leva inevitavelmente a que o ajustamento do mercado seja feito pela quantidade e não pelo preço – ou seja, que as empresas acabem por fechar ou optem por despedimentos colectivos em detrimento de cortes salariais, e que estes acabem por ocorrer apenas porque os novos empregos criados são mais precários e com salários mais baixos. No entanto, é também justo reconhecer que a política monetária seguida desde o caminho para o Euro não só contribuiu para aumentar os incentivos a piores políticas económicas no período anterior a 2007/2008 como também exacerbou o impacto da crise.
Assim sendo, aparenta ser bastante justo que se crie um mecanismo colectivo (i.e. financiado por todos os Estados-membros) que ajude a suportar este custo. Esse mecanismo deveria passar por dois pilares: um dedicado ao investimento e outro ao desemprego. O primeiro teria como objectivo evitar uma contracção exagerada do investimento público em alturas de recessão ou em que o crescimento não recuperou para o seu nível potencial (situação em que Portugal se encontra). Assim, os Estados-membros poderiam recorrer a financiamento a taxas favoráveis para projectos de investimento público quando em recessão e, simetricamente, contribuiriam para este mecanismo em tempos de vacas gordas.
O segundo pilar seria destinado a reduzir o impacto do aumento do desemprego nas contas públicas. Neste caso, a proposta da Comissão Europeia de accionar uma comparticipação colectiva quando o desemprego num dado país ultrapassa a média dos últimos 5 anos e, simetricamente, levar a uma contribuição individual para o bolo colectivo quando esse país se encontre abaixo da mesma média. Dirão muitos, com alguma razão, que seria mais correcto utilizar métricas como a taxa natural de desemprego, mas estas sofrem do mesmo mal do cálculo do produto potencial – até podem ser muito correctas metodologicamente, mas não são observáveis e estão constantemente a ser revistas.
Com uma proposta deste género, a título de exemplo, Portugal teria contribuído para o mecanismo de desemprego entre 2000 e 2002, e recebido entre 2003 e 2015 (gráfico 4). A grande incógnita é, como sempre, o valor dessa contribuição. Uma ideia passaria por garantir que este fundo compensasse sempre a diferença total entre a taxa de desemprego da Zona Euro e a sua taxa natural (ou a média dos últimos 5 anos) e, depois, fosse distribuído por cada um dos Estados, tendo em conta a sua diferença e o seu peso no PIB da área do Euro. Ainda que, no curto e médio prazos, isto implicasse que alguns Estados pagassem a outros, a longo prazo, assumindo que a Zona Euro se torna efectivamente numa área monetária óptima, estas diferenças anular-se-ão e quem tem mais desemprego agora terá menos no futuro e vice-versa.
Conclusão: os três passos reformistas para a Zona Euro e as implicações para Portugal
Pela primeira vez, a Zona Euro está-se a reformar sem ter a pressão de um default ou de uma crise eminente. Só por si, a situação deve ser vista de forma positiva. No entanto, a margem de actuação está cada vez mais reduzida e é mesmo necessário passar das palavras aos actos. Assim, ainda que haja vários passos desejáveis, o mínimo deve passar por:
- completar a união bancária e definir um calendário que inclua os passos para um fundo de garantia de depósitos comum;
- alargar a intervenção do MEE, não só com o financiamento do fundo de resolução, mas também com a criação de uma linha cautelar mais alargada;
- dar os primeiros passos para um orçamento ou mecanismo de apoio económico comuns, com um calendário e âmbito claramente definidos.
As propostas da Alemanha e França dão passos que parecem acertados e nesta direcção, embora sejam ainda bastante vagos nos detalhes. E, como se sabe, muitas vezes são esses detalhes a estragar as boas intenções. As melhores medidas – orçamento comum e backstop do fundo de resolução – são atiradas para depois de 2020, altura em que o crescimento na Zona Euro (e na economia global) será certamente mais modesto do que agora. E como se isto não bastasse, ainda não é certo que todos os países concordem com estas medidas. Afinal, o que acontecerá se a Itália quiser ir mais longe? Ou se, por exemplo, a Holanda recusar qualquer tipo de orçamento comum?
Onde é que este debate deixa Portugal? Mesmo que apenas as medidas menos ambiciosas sejam aprovadas, Portugal será sempre um dos principais beneficiários. No entanto, a falta de discussão interna é, como quase sempre, dramática. Este assunto é tratado como algo externo e não como algo que nos diz respeito. Sim, é certo que o governo tem que ser algo mais comedido nas suas posições públicas dada a posição actualmente ocupada por Mário Centeno no Eurogrupo. Mas, ainda assim, dos vários partidos com assento parlamentar, o silêncio tem reinado e as dúvidas mantêm-se. O PS concorda com as propostas franco-alemãs? E os seus parceiros à esquerda, que papel terão nesta equação? Na oposição, PSD e CDS fariam algo de diferente? Não se sabe. E, assim, sem propostas ou discussão, se as coisas correrem mal, será muito fácil (mas enganador) responsabilizar a “Europa” e a “Alemanha”.
Ricardo Santos é economista do BEI, tendo trabalhado como técnico da UTAO. Esteve igualmente num banco de investimento em Londres, no Mecanismo Europeu de Estabilidade e integra uma boutique de research macroeconómico e financeiro. As opiniões apresentadas apenas vinculam o autor