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ADN Mutante – o clube dos surfistas destemidos

Quem são os portugueses a desafiar as ondas gigantes e o que os move? O Observador Lab e a Mercedes-Benz foram conhecer as histórias de alguns dos atletas mais destemidos da nossa costa

Qualquer surfista – profissional ou lúdico – conhece o prazer de surfar. Há a adrenalina, a técnica, a especificidade de cada onda. Mas ondas com mais de 20 metros? Não são todos que o podem fazer.

Até Garret McNamara chegar à Nazaré em 2010, ninguém surfava as ondas gigantes da Nazaré. E por uma boa razão: o canhão, uma fenda de origem tectónica com mais de 2.000 metros de profundidade e 230 quilómetros de extensão, cria uma situação peculiar. Devido à profundidade, as ondulações que viajam sobre o Canhão da Nazaré não perdem velocidade e tem sua direção alterada. Já as ondulações que viajam sobre a plataforma continental perdem velocidade e não sofrem alteração de direção. Ambas se encontram em frente ao Farol da Nazaré, a 200 metros da praia, criando ondas gigantes que abraçam a costa, e onde surfar implica ter um grande conhecimento das correntes em jogo, uma capacidade física de suportar a pressão da água e uma dose de coragem bem acima da média.

Após o record do Guinness de McNamara, em 2011, três outros atletas (Rodrigo Koxa , Maya Gabeira e Sebastian Steudtner) já reclamaram o título de surfar a maior onda do mundo. Estes são os portugueses que vão em busca do mesmo sonho.

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O bodyboarder a fazer o salto para a próxima grande onda

Nascido e criado na Nazaré, Tó Cardoso, nunca tinha olhado para as ondas como um caminho. A sua infância foi passada firmemente em terra – entre a Nazaré e a Marinha Grande, onde frequentou uma escola escolhida pelos pais com o intuito de o afastar do que consideravam más companhias na sua localidade.

Foi aos 12 anos que deixou os jogos de crianças e seguiu pela areia até ao mar. Após ver um grupo de bodyboarders e surfistas na praia, unidos no seu grupo pelo riso, pela diversão e entusiasmo, sentiu que era ali que queria pertencer.

Quando pediu uma prancha à mãe, a resposta foi um categórico “não”. É bem conhecido o medo e respeito que os nazarenos têm ao mar – e na família de Tó, as várias gerações de negócios e sustento ligado ao mar, sentiram os efeitos devastadores das perdas para as correntes mortíferas da Nazaré. No entanto, perante a sua insistência, acabou por lhe comprar uma prancha de bodyboard, e inscrevê-lo numa escola de surf, para o proteger de aventuras perigosas por sua própria conta. “Surfar uma onda é a melhor coisa do mundo! É um vício que não consegues parar”, descreveu. E o sentimento refletiu-se na prática, pois seguiu-se uma rápida integração no mundo deste desporto – após três meses na escola de surf, reconheceram-lhe o talento e passou a fazer parte da equipa que competia. Cerca de seis vezes por ano, seguiam todos juntos, numa velha carrinha cheia de areia, pela costa portuguesa para competir nos circuitos nacionais.

Surfar uma onda é a melhor coisa do mundo! É um vício que não consegues parar
António Cardoso - surfista profissional

As viagens para competir nos circuitos nacionais deram-lhe um conhecimento maior sobre o desporto e permitiram-lhe conhecer pessoas no meio. Pôs na cabeça que queria ser campeão nacional de bodyboard e nesse ano atingiu o seu objetivo, seguindo-se depois o título de campeão europeu. Comprometeu-se com os pais a dedicar-se aos estudos. Foi para Lisboa, licenciar-se em Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, e continuou, com a ajuda de amigos e patrocinadores, a participar em competições às escondidas dos pais. E assim se sagrou campeão da etapa Grand Slam
do circuito mundial na Nazaré, a sua terra natal, em 2017.

  • Tim Bonythona
  • António Saraiva

A chegada de Garret McNamara à Nazaré mudou as coisas para Tó. Ficou interessado no movimento que estava a crescer na vila, e tal como quando viu surfistas na praia aos 12 anos, sentiu que queria pertencer. Mas do bodyboard ao surf de ondas grandes vai um grande salto. “Foi uma reviravolta gigante que não esperava. Tinha medo das ondas, como todos os nazarenos”.

Começou a desenvolver os seus skills com o jet ski e, em pouco tempo, estava a conduzir para todos – desde outros surfistas a produções cinematográficas para a HBO, National Geographic, entre outros. Ainda o faz no seu projeto Nazare Big Wave Sighting, onde conduz pessoas que queiram experienciar as ondas da Nazaré pelos seus olhos.

Foi uma reviravolta gigante que não esperava. Tinha medo das ondas, como todos os nazarenos.
António Cardoso - surfista profissional

Trabalhar de perto com outros Big Wave Riders permitiu-lhe adquirir conhecimento valioso e, com o tempo, perdeu o medo. “No início tinha muito medo. Tinha pouca experiência com o equipamento… estava tão tenso que não conseguia que os músculos fizessem o que queria”, contou ao Observador. Assim, percebeu que para ser um Big Wave Rider é preciso mais do que ser destemido e ambicioso, é preciso também aceitar o compromisso. A preparação física faz agora parte da sua jornada em busca das ondas grandes, desde o trabalho de força, resistência e treino de apneia que faz com um preparador físico, ao cardio
de bicicleta pela costa atlântica acima da Praia do Norte.

Nos últimos anos, tem também passado alguns meses na Indonésia, onde a quantidade e qualidade das ondas, bem como a temperatura agradável, são o cenário perfeito para poder passar muitas horas em cima da prancha a aperfeiçoar a sua técnica. “Tudo isto me ajudará a ter mais confiança, preparação e memória muscular para enfrentar uma onda gigante”. Em adolescente, convenceu um amigo a ir até ao farol, espreitar as ondas gigantes a meio da noite, apenas com uma lanterna. Estava tanto vento que tiveram de se segurar mutuamente para não tombarem. Lembra-se de estar sem palavras, a ver a força da onda a chegar à costa. Hoje, prepara-se para surfar essa mesma onda, e “reclamar o título” para um local. “Não quero ficar em Portugal, quero andar pelo mundo a perseguir as maiores ondas. E quero surfar a maior onda da Nazaré”, conclui.

Não quero ficar em Portugal, quero andar pelo mundo a perseguir as maiores ondas. E quero surfar a maior onda da Nazaré
António Cardoso - surfista profissional

A primeira mulher nas ondas grandes

O primeiro contato de Joana Andrade com o surf foi tão cedo quanto orgânico – cresceu em Oeiras, na linha de Cascais, onde o desporto já era habitual no horizonte da praia. Sem qualquer tipo de material disponível, com 10 anos, Joana e o irmão usavam um simples colchão de praia insuflável, onde tentavam colocar-se de pé para deslizar sobre as ondas.

Numa dessas brincadeiras, acabaram por se ver numa situação de perigo quando foram puxados por uma corrente. Tudo acabou bem quando foram ajudados por um surfista que estava por perto.

Pouco tempo depois, o irmão comprou uma prancha de surf e começaram a praticar. Não foi fácil – demorou mais de 3 meses a conseguir colocar-se de pé na prancha. “Acho que o fato de ser tão difícil fez-me querer ainda mais. Ainda é o que continuo a gostar no surf – todos os dias são diferentes, e cada dia é um desafio novo”, explicou.

Quando começou nos circuitos de competição, haviam poucas surfistas mulheres em Portugal. Rapidamente se destacou e começou a representar Portugal. Confessa que o mundo da competição não era para si. Por um lado, a desigualdade de género presente nas competições era gritante – desde os prémios diminutos às condições do mar nos slots que eram entregues às competições femininas. Por outro, era uma dinâmica estranha, competir contra as mulheres com quem viajava e partilhava toda esta experiência fora de água.

Acho que o fato de ser tão difícil fez-me querer ainda mais. Ainda é o que continuo a gostar no surf - todos os dias são diferentes, e cada dia é um desafio novo
Joana Andrade - free surfer

“Quando estás numa competição, o teu objetivo é ser melhor do que os outros. Mas rapidamente percebi que gostava realmente de competir comigo mesma, e com o mar”, conta. Assim, após ser campeã, aos 24 anos, abandonou as competições e passou a ser freesurfer. Pelo meio, abriu a primeira escola de surf para raparigas, onde partilha não só a sua técnica, mas também a paixão e a conexão que sente com o mar.

Este tema de superação voltou a entrar na sua vida, quando Garret McNamara surfou a onda da Nazaré. “Quando vi as imagens, achei que era de loucos. Mas ficou uma vozinha na minha cabeça que dizia “Porque não?”. No dia seguinte tomou a decisão de surfar na Nazaré, e em um ano estava a fazê-lo. Mas não foi fácil. Não havia material de tow surfing adequado à sua estatura. Não acreditavam nela e questionavam a sua decisão.

Quando vi as imagens, achei que era de loucos. Mas ficou uma vozinha na minha cabeça que dizia “Porque não?
Joana Andrade - free surfer

Perguntavam-lhe “O que é que uma miúda de um metro e meio vai fazer para ondas de 20 metros?”. Teve de ser ela a acreditar em si mesma, e essa missão de superação deu-lhe o foco que precisava.

Afastou-se de outros projetos, como os espaços noturnos, para voltar a focar-se no treino. “Não me considero uma atleta, não vou para bater recordes. Mas sinto-me conectada, ligada quando estou no mar”. O seu treino respeita também essa filosofia – além do cardio, acrescenta alongamentos e meditação. Aos treinos semanais, acrescenta as aulas que dá na escola, passando tanto tempo quanto possível dentro de água. Fora dela, gosta de ler, meditar, respirar fundo e procurar uma conexão consigo mesma.

Não me considero uma atleta, não vou para bater recordes. Mas sinto-me conectada, ligada quando estou no mar
Joana Andrade - free surfer

Apesar de não ter como objetivo superar qualquer tipo de record mundial, está nos seus objetivos manter-se nas ondas grandes e continuar a superar-se na Nazaré, bem como continuar a desenvolver os seus projetos ligados ao surf na Ericeira. Joana acredita que cada vez mais haverão mulheres no surf, e no surf de ondas grandes. Do que depender de si, o precedente está montado.

Um violino nas ondas da Nazaré

Nuno Santos não cresceu na praia – a sua casa ficava em Vestiaria, em Alcobaça, mas o mar da Nazaré (a praia mais próxima) tornou-se a sua “casa de mar”. O seu encontro com as ondas foi, assim, imediato. Com 5 anos, foi a brincar na praia que encontrou o prazer de deslizar nas ondas. De uma aldeia humilde, comprar material de surf era uma impossibilidade, pelo que, muito a custo, conseguiu a sua primeira prancha de bodyboard. E fez-se às ondas.

“O mar da Nazaré sempre foi visto como um sítio onde se morre, não um sítio onde te vais divertir. Um sítio onde os pescadores perdem a vida, e onde só se vai para ganhar o pão”, contou. Assim, passou a sua adolescência a praticar às escondidas dos pais, fazendo os 40 minutos de distância até à Praia da Nazaré de bicicleta, com o equipamento às costas.

O mar da Nazaré sempre foi visto como um sítio onde se morre, não um sítio onde te vais divertir. Um sítio onde os pescadores perdem a vida, e onde só se vai para ganhar o pão
Nuno Santos - violinista e free surfer

O esforço para chegar lá era tão grande que, não tendo acesso às previsões meteorológicas e de mar disponíveis hoje, acabava sempre por entrar na água, independentemente das condições do mar. Além disso, não sendo um local, e não se integrando tão bem com o grupo que praticava no melhor spot da praia, acabava por se dirigir muitas vezes para a Praia do Norte, para o fazer sozinho. Foi assim que apanhou muitos sustos, mas também foi assim que começou a conhecer bem o mar da Nazaré e a criar resistência em ondas mais fortes e agressivas.

Ao contrário de outros Big Wave Riders, Nuno nunca competiu ou surfou profissionalmente. Manteve a paixão pelas ondas sempre presente, enquanto se dedicava aos estudos: estudou música no conservatório, e licenciou-se em Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa. Assim, que se licenciou e começou o seu primeiro emprego, comprou uma prancha de surf! Agora já com a carta, ficou mais fácil viajar até à Nazaré e começar a sua jornada no surf.

  • sampics
  • Helio Antonio

Lembra-se perfeitamente quando Garret chegou à Nazaré – estava a surfar nas ondas da Praia Norte, quando o americano entrou pela água e perguntou se ele se queria juntar a ele nas ondas grandes. Parte de si queria dizer que sim – sabia que o americano era uma referência com quem podia aprender – mas o lado lógico ganhou e não acompanhou. Enquanto via o americano a papaguear pela água junto ao promontório decidiu: iria preparar-se para um dia fazer o mesmo.

Um homem de paixões, conjugou os seus vários interesses – a música, o mar e as montanhas – num único projeto: Um Violino Nos Locais Mais Improváveis. Tudo começou quando trabalhou uma ONG americana, onde era responsável pela Gestão de Projeto de uma Reserva Natural no Equador. Neste contexto, fazia expedições quinzenais, acompanhando biólogos, até ao sopé de um vulcão, onde acampavam a mais de 3000m de altitude. Nuno levava sempre o violino consigo e, à noite, no acampamento, tocava para os
seus colegas biólogos. Um dia, decidiu escalar o vulcão e tocar no topo. Deixando os colegas no acampamento, escalou a montanha e ao chegar ao topo, tocou violino. As lágrimas vieram-lhe aos olhos e percebeu que tinha descoberto algo especial.

“Quis continuar a fazer isto para sempre, sempre em lugares novos e mais ambiciosos”, contou. Continuou a fazê-lo, sempre em montanhas e vulcões na América do Sul, até que voltou a Portugal. “Nós não temos montanhas, mas temos montanhas de água. As ondas da Nazaré foi onde cresci e pensei, bem está ali uma montanha, vou tocar violino lá.” E foi assim que abraçou o desafio físico e psicológico que é tocar violino em cima de uma prancha de surf, no mar da Nazaré.

Nós não temos montanhas, mas temos montanhas de água. As ondas da Nazaré foi onde cresci e pensei, bem está ali uma montanha, vou tocar violino lá
Nuno Santos - violinista e free surfer

Hoje, dedica-se ao projeto a full-time, mas não foi de ânimo leve que abandonou a carreira académica. “Percebi que era algo onde podia dar o melhor de mim, em termos académicos, pessoais, musicais e ter uma conjugação de tudo o que me apaixona – o mar, as montanhas e a música”, explicou. “É a minha forma de procurar a minha própria transcendência, durante breves segundos”.

Quando lhe perguntamos o que é que os Big Wave Surfers têm de diferente das pessoas que têm outras paixões, responde-nos com sinceridade: “Absolutamente nada, somos pessoas como as outras. Mas quando tens uma paixão, tu queres sempre fazer mais e melhor. Para nós é uma onda maior, uma montanha mais desafiante. Para um músico será uma composição nova, mais desafiante.”

Não vê as ondas grandes como uma diversão, e sim como uma realização pessoal. As ondas grandes são perigosas, tal como as montanhas, e leva-as a sério. “Às vezes, estou em situações perigosas e difíceis, e isso traz ao de cima facetas diferentes de mim, que nem sempre são boas, mas que me ensinam a conhecer-me melhor”.

Às vezes, estou em situações perigosas e difíceis, e isso traz ao de cima facetas diferentes de mim, que nem sempre são boas, mas que me ensinam a conhecer-me melhor
Nuno Santos - violinista e free surfer

Apesar de estar consciente dos riscos, e a adrenalina não ser o que o move, vê-se a continuar com este plano no futuro. “É uma paixão verdadeira. Quando, mesmo frente a obstáculos e às coisas más que essa paixão de trás, tu não desistes. Queres continuar porque sabes que aquilo te torna uma pessoa melhor”, remata.

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