Uma relação amorosa conturbada entre duas estrelas de Hollywood, uma violenta troca de acusações na imprensa e dois processos por difamação. O caso CL-2019-2911, protagonizado pelos atores Amber Heard e Johnny Depp, ficará marcado como um dos mais mediáticos nos últimos anos. Após quase dois meses de audiências no tribunal de Fairfax, no estado norte-americano da Virgínia, em que se revelaram episódios marcantes (e chocantes) da vida do casal, chegou esta quarta-feira a leitura da sentença e a deliberação final do júri.
Os atores esperavam pelo veredicto separados por mais de seis mil quilómetros. Enquanto Amber Heard assistia à leitura da sentença no tribunal juntamente com os seus advogados, Johnny Depp estava no Reino Unido após ter participado num concerto no domingo. A equipa legal da atriz não deixou de comentar a ausência do seu oponente jurídico.”Mostra as suas prioridades”, atiraram os representantes jurídicos da atriz.
Um grupo de júris, composto por cinco homens e duas mulheres entre os 20 e os 60 anos, foi o responsável por decidir o desfecho do caso. A sua identidade será mantida em segredo durante um ano, de forma a salvaguardá-los de um caso com o mediatismo fora do normal.
Às 15h00 (20h00, em Lisboa) começou a leitura da sentença. Sem antes um imprevisto: os formulários entregues pelos júris estavam com um erro: não tinha sido preenchido o valor das indemnizações. Por essa razão, o tribunal pediu ao grupo de sete elementos para que voltasse a reunir e a resolver o problema. O assunto foi tratado rapidamente — quinze minutos depois, o documento foi lido em voz alta pela porta-voz do tribunal.
O que está em causa nos dois processos de difamação?
O processo de difamação interposto por Johnny Depp, que pedia uma indemnização de 50 milhões de dólares (cerca de 47 milhões de euros), prendia-se com um artigo de opinião publicado pela sua ex-mulher, no jornal The Washington Post, a 18 de dezembro de 2018. “Insurgi-me contra a violência sexual — e enfrentei a ira da nossa cultura” era o título. Amber Heard acusava o ator (apesar de nunca o mencionar) de violência doméstica e referia como as instituições da sociedade norte-americana protegiam os homens.
A ação em tribunal interposta por Depp baseava-se neste mesmo artigo, principalmente em três excertos. O júri tinha como função averiguar se as opiniões de Amber Heard difamavam ou não Johnny Depp, se as declarações correspondiam à verdade, assim como lhes coube deliberar se faziam referência ao ator.
Em resposta, Amber Heard interpôs também um processo por difamação e pedia uma indemnização de 90 milhões de dólares (cerca de 84,5 milhões de euros). A sua ação judicial era baseada num artigo no Daily Mail, publicado em abril de 2020. Nessa publicação, o ex-advogado de Johnny Depp, Adam Waldman, indicava que as acusações de violência doméstica eram “falsas” — e que a atriz encenara alguns episódios violentos com a ajuda de amigos.
Também tendo como fundamento três excertos deste artigo no Daily Mail, o júri tinha de deliberar se as declarações consistiam em difamação e também se Johnny Depp era considerado um “agente”, ou seja, se foi corresponsável pela publicação do artigo de opinião do seu antigo advogado.
A deliberação do júri no caso de Johnny Depp
O júri teve de responder a várias perguntas sobre os três excertos dos artigos para deliberar se Johnny Depp e Amber Heard eram culpados. As questões, que só podiam ser respondidas com “sim” ou “não”, eram as seguintes:
#JohnnyDepp ran the table on his defamation suit. Jury awards $10M in compensatory damages, $5M in punitive damages. Punitive capped by statute at $350K. @LawCrimeNetwork pic.twitter.com/qtMoZ9gTzI
— Angenette Levy (@Angenette5) June 1, 2022
“Falei contra a violência sexual e enfrentei a ira da nossa cultura isso tem de mudar”.
- Todos os elementos indiciam difamação? Sim.
- Há provas de que Amber Heard publicou a declaração? Sim.
- Estas declarações referiam-se a Johnny Depp? Sim.
- Estas declarações são falsas? Sim.
- Tinham intenções difamatórias? Sim.
- Eram dirigidas a Johnny Deep e a mais nenhuma pessoa? Sim.
- Estas declarações foram proferidas com dolo? Sim.
“Assim, há dois anos, converti-me numa figura pública que representava a violência doméstica e senti toda a força da ira da nossa cultura face às mulheres que decidem falar [sobre o assunto]?”
- Todos os elementos indiciam difamação? Sim.
- Há provas de que Amber Heard publicou a declaração? Sim.
- Estas declarações referiam-se a Johnny Depp? Sim.
- Estas declarações são falsas? Sim.
- Tinham intenções difamatórias? Sim.
- Eram dirigidas a Johnny Deep e a mais nenhuma pessoa? Sim.
- Estas declarações foram proferidas com dolo? Sim.
“Tive a rara vantagem de ver, em tempo real, como as instituições protegiam os homens acusados de violência sexual.”
- Todos os elementos indiciam difamação? Sim.
- Há provas de que Amber Heard publicou a declaração? Sim.
- Estas declarações referiam-se a Johnny Depp? Sim.
- Estas declarações são falsas? Sim.
- Tinham intenções difamatórias? Sim.
- Eram dirigidas a Johnny Deep e a mais nenhuma pessoa? Sim.
- Estas declarações foram proferidas com dolo? Sim.
Perante este desfecho, o tribunal concluiu que Johnny Depp deveria receber uma indemnização da ex-mulher de 15 milhões de dólares (aproximadamente 14,1 milhões de euros). O ator deve receber dez milhões de dólares (cerca de 9,39 milhões de euros) por uma indemnização compensatória e cinco milhões de dólares (aproximadamente 4,7 milhões de euros) por uma indemnização punitiva.
O primeiro valor será pago na íntegra. Já quanto ao segundo, o limite legal do estado da Virgínia obriga a que o montante referente a uma indemnização punitiva passe de cinco milhões de dólares para 350 mil dólares (329 mil euros). Feitas as contas, Johnny Depp receberá — apenas — 10,3 milhões de dólares (cerca de 9,7 milhões de dólares).
A deliberação do júri no caso de Amber Heard
“Amber Heard e os seus amigos nos meios de comunicação social utilizam as falsas acusações de violência sexual como uma espada e um escudo, dependendo do que precisam no momento. Selecionaram alguns dos seus ‘feitos’ de violência sexual como uma espada, lançando-a em público contra o senhor Depp.”
- Todos os elementos indiciam difamação? Não.
“Simplesmente, isto foi uma emboscada, um engano. Pregaram uma partida ao senhor Depp chamando a polícia, mas a primeira tentativa não resultou. Os agentes deslocaram-se aos sótãos, registaram e fizeram uma investigação a fundo, e foram-se embora depois de não verem qualquer dano na cara [de Amber Heard] e na propriedade. Por conseguinte, Amber e os seus amigos derramaram um pouco de vinho, desarrumaram o sítio, fizeram um complô com um advogado e um publicista e depois fizeram uma segunda chamada ao 911 [equivalente ao 112].”
- Todos os elementos indiciam difamação? Sim.
- Há provas de o advogado de Johnny Depp publicou estas declarações e que o ator era corresponsável pela mesmas? Sim.
- Estas declarações referiam-se a Amber Heard? Sim.
- Estas declarações são falsas? Sim.
- Tinham intenções difamatórias? Sim.
- Eram dirigidas a Amber Heard e a mais nenhuma pessoa? Sim.
- Estas declarações foram proferidas com dolo? Sim.
“Chegamos ao princípio do fim da falsidade dos abusos propagados pela senhora Heard contra Johnny Depp.”
- Todos os elementos indiciam difamação? Não.
Nos três pontos que a equipa legal de Amber Heard levou a julgamento, apenas o segundo foi considerado como difamação pelo tribunal. Assim sendo, a atriz recebe dois milhões de dólares (aproximadamente 1,88 milhões de euros) numa indemnização compensatória. O júri não determinou qualquer indemnização punitiva para a atriz.