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A Central Nuclear de Almaraz, na província de Cáceres em Espanha, completou 30 anos em maio de 2011. Numa situação normal este seria o limite de vida de uma central deste tipo, defendem os ambientalistas, mas o Governo espanhol alargou a licença de funcionamento até 2020. O ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, confia nas condições de segurança da central de Almaraz, mas o Bloco de Esquerda, Os Verdes e o PAN já manifestaram não partilhar da mesma opinião.
“Almaraz já devia estar desligada há muito tempo”, diz ao Observador Carlos Pimenta, ex-secretário de Estado do Ambiente (1983-1984 e 1985-1987). “Quando fui secretário de Estado do Ambiente já tínhamos problemas com Espanha por causa das saídas de materiais radioativos.”
José Marques, vice-presidente do Instituto Superior Técnico (IST) para o Campus Tecnológico e Nuclear (Sacavém), tem uma opinião diferente: “Os reatores nucleares não têm prazo de validade”. O investigador do Campus Tecnológico e Nuclear do IST diz ao Observador que só as inspeções periódicas podem determinar se a central tem ou não condições para se manter em funcionamento. “A idade não significa nada sobre se é ou não segura. É preciso ver no conjunto se está a operar em segurança.”
Os pequenos incidentes com a Central Nuclear de Almaraz têm-se sucedido, como é possível confirmar na página do Conselho de Segurança Nuclear espanhol (CSN) — um organismo responsável pela segurança nuclear e proteção radiológica, independente da Administração Central. Mas José Marques refere que a grande maioria não dá o mínimo motivo para alarme.
A última situação que terá dado azo a alguma preocupação aconteceu em fevereiro: uma paragem automática do reator na unidade I no dia 22. No dia seguinte, um pequeno incêndio num dos geradores de energia, que estava em manutenção, associados à unidade II.
Nenhum dos incidentes de fevereiro teve impacto nos trabalhadores, população ou meio ambiente, informa o CSN. Mais preocupante foi a falsificação de dados de fiscalização ao sistema de segurança contra incêndios, revelada há um ano. A empresa externa encarregue de fazer o controlo de vigilância assinava as rondas, mas não as fazia, segundo o El País. Nuno Sequeira, membro da associação ambientalista Quercus, diz ao Observador que “estes sinais periódicos dão conta da insegurança [da central]”.
Se houver um acidente nuclear em Almaraz, um dos riscos é a poluição atmosférica. Ainda que os ventos sejam predominantemente de oeste-noroeste também temos ventos vindos de este e a fronteira com Portugal está apenas a 100 quilómetros. Outro problema, mais grave, é a contaminação das águas do rio Tejo com materiais radioativos. Em situações normais, a água do rio que serve para a refrigeração da central não é contaminada, mas se houver uma fuga ou um acidente, que não sejam contidos pela bacia onde está instalada a central, haverá contaminação do rio que cruza Portugal.
Esclarecimento do Ministro do Ambiente
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“Na sequência das notícias publicadas na comunicação social sobre o resultados de uma inspeção realizada por cinco inspetores do Conselho de Segurança Nuclear de Espanha (CSN) em que alerta para a possibilidade de ocorrência de falhas no sistema de arrefecimento da Central Nuclear de Almaraz, deve referir-se que Portugal, através dos protocolos e acordos bilaterais estabelecidos, solicitou de imediato informação adicional sobre a situação da Central Nuclear de Almaraz ao CSN. Foi dada a garantia a Portugal através de comunicado do CSN que a Central Nuclear de Almaraz se encontra em condições de segurança.”
No final de janeiro, um grupo de cinco inspetores do CSN disse não haver garantias suficientes de que o sistema de refrigeração da Central Nuclear de Almaraz pudesse funcionar com normalidade. Os inspetores frisaram que o sistema de refrigeração apresentou duas avarias em menos de quatro meses e que não é feita revisão periódica dos motores onde ocorreram as falhas há 19 anos, noticia o jornal El País.
Para Carlos Pimenta, esta central nuclear apresenta “problemas de construção e conceção que nunca foram resolvidos”, dando a Almaraz o “pior registo de funcionamento das centrais espanholas” e, certamente, um dos piores registos europeus.
Em resposta à denúncia feita pelos inspetores, a direção da central disse que as bombas do sistema de água estão a funcionar com normalidade e que existe uma quinta bomba que pode substituir qualquer uma das outras em caso de avaria, refere o jornal El País. A própria direção técnica do Conselho de Segurança Nuclear veio contradizer os cinco inspetores. “O operador [responsável pela central] tomou as medidas necessárias para obter uma garantia de razoável de segurança da operação”, diz o conselho em comunicado citado pelo El País. “Essa garantia considera-se suficiente.” Se o CSN tivesse aceitado o relatório dos inspetores, a central teria de ser encerrada imediatamente.
O Ministro do Ambiente, numa nota de esclarecimento enviada para o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, confirma esta informação: “o operador da central adotou medidas mais restritivas que as previstas nas especificações técnicas de funcionamento” e “encontra-se também a realizar ações necessárias para determinar as causas das falhas que originaram a inspeção do CSN”. “Com a informação disponível atualmente, o CSN não considera necessário requerer ações adicionais ao operador da central”, conclui o Ministério do Ambiente.
Carlos Pimenta mostra-se indignado com a falta de responsabilidade dos operadores das centrais nucleares e dos Estados que as financiam. O ex-secretário de Estado do Ambiente lembra que nenhuma central nuclear sobrevive sem o subsídio do Estado e que só se justifica esta despesa quando o interesse do país no nuclear também tem fins militares. Carlos Pimenta acrescenta ainda que as centrais nucleares são a única atividade económica em que existe um limite máximo para o valor das compensações em caso de danos e este é, normalmente, muito inferior aos custos reais em situações de acidente.
As centrais nucleares são um risco permanente
Almaraz, como todas as centrais nucleares existentes, tem problemas e riscos inerentes à tecnologia, afirma Carlos Pimenta, que tem trabalhado na área das energias renováveis. “Não há solução.” Primeiro, estas centrais precisam de arrefecimento permanente. Se houver um problema nas bombas que levam a água de refrigeração até ao núcleo onde se dá a reação, este sistema pára. O resultado: aquecimento e aumento de pressão. “Se não houver evacuação do calor do núcleo podem acontecer acidentes gravíssimos.” Carlos Pimenta acrescenta que, com a tecnologia existente atualmente, – a cisão de núcleos de urânio – este problema “não é ultrapassável”.
O outro problema são os resíduos. Carlos Pimenta lembra que trabalha na área das energias há mais de 40 anos e que ainda não viu uma solução para este problema. Um acidente grave numa central não afeta apenas o material ativo, alerta, mas também todo o material que se encontra armazenado por baixo da central. Até se pode pensar em retirar os lixos tóxicos da central, mas ninguém sabe qual é o melhor sítio para os depositar. Não vale a pena tentar enterrá-los num qualquer local isolado, não há nenhuma formação geológica suficientemente estável para conter este nível de radiação que levará milhares de anos a desaparecer, reforça Carlos Pimenta. “Ainda não existe tecnologia que permita eliminar ou reciclar estes resíduos.”
E esta é uma das maiores dificuldades no que diz respeito ao encerramento de uma central. Para onde vão os resíduos radioativos e como se fará o transporte até lá? Naturalmente que as áreas periféricas, longe das grandes cidades, são as preferidas. No caso das centrais espanholas, a região junto ao Mediterrâneo não é opção, porque teria impactos negativos no turismo. Sobra a fronteira com Portugal, como lembra Nuno Sequeira. Mas a possibilidade de deixar lixo tóxico junto à fronteira no nordeste transmontano ou na Extremadura espanhola já viu contestação da população portuguesa, mas também dos próprios espanhóis — ninguém quer lixo tóxico à porta de casa.
A Endesa, uma das empresas responsáveis pela Central Nuclear de Almaraz, explica como funciona uma central deste tipo e como é feita a refrigeração.
Ainda assim, não chega levar os resíduos que estão armazenados. Cada tubo, cada peça, cada parafuso, estão contaminados. É preciso fazer a descontaminação de cada centímetro quadrado da central e da respetiva área de implementação.
José Marques lembra que Espanha já tem locais para guardar resíduos radioativos, pelo menos os de baixa e média atividade, ou seja, aqueles cuja radiação é menor, como os componentes da central. Os materiais que estejam muito irradiados, que tenham um grande potencial de emitir radiação, como os combustíveis, ficam separados dos outros. Ainda assim, o investigador considera que os resíduos radioativos não são um problema.
Todo este processo de descontaminação poderia levar dezenas de anos e custar milhares ou milhões de euros, refere Carlos Pimenta. Para Almaraz, como para muitas centrais que já estão paradas em todo o mundo, “a solução mais barata é pôr arame farpado a toda a volta e pôr militares a vigiarem 24 horas por dia”. Isto até pode acautelar possíveis roubos dos materiais, mas será mais difícil evitar que alguém faça explodir uma bomba e em caso de haver um terramoto, então não há solução nem prevenção possíveis.
Manter uma central nuclear aberta, especialmente depois do fim de vida, também não é solução, dizem os ambientalistas. As centrais mais velhas, além de exigirem mais manutenção, têm gastos acrescidos com o melhoramento de sistemas antigos ou a introdução de novas tecnologias, que visam, por exemplo, torná-las cada vez mais seguras. E tudo isto tem um preço alto. “A energia nuclear é o único tipo de energia que ao longo do tempo, em vez de se tornar mais barata, está cada vez mais cara”, afirma Carlos Pimenta.
O ex-secretário de Estado do Ambiente acrescenta que as centrais nucleares têm custos de construção que ultrapassam muitas vezes os orçamentos previstos, uma manutenção e atualização tecnológica dispendiosa, “problemas insolúveis” e “riscos insuportáveis” e que, por isso, “não há nenhum economista sério que possa defender o nuclear”. Francisco Ferreira, atualmente presidente da associação ambientalista Zero, reforça que “esta forma de produção de energia elétrica não é considerada sustentável”. “Pode não ter emissões, mas não é uma energia limpa”, diz ao Observador.
Uma central nuclear não se encerra de um dia para o outro
Com tantas falhas relatadas e com tanto prejuízo associado porque é que se mantém aberta a central? Em última instância “é uma decisão política”, lembra ao Observador Nuno Sequeira, alertando que quanto mais se adiar o desmantelamento maior é o risco. A central deveria ter encerrado em 2010, mas estávamos em plena crise económica, e o encerramento traria para a região, já de si desfavorecida, um impacto económico negativo grande.
Contudo, alargar o período de funcionamento até 2020 não vai resolver os problemas económicos que podem advir do seu encerramento, porque mais tarde ou mais cedo terá mesmo de encerrar, reforça Francisco Ferreira. De qualquer forma, mesmo que as pessoas possam perder os empregos devido ao encerramento da central, terão de ser empregadas pessoas para fazer a manutenção do espaço, garantir a segurança e evitar a libertação de radiação e a contaminação do ambiente, diz o professor de energia e ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.
Em relação ao impacto na produção de eletricidade, Francisco Ferreira desvaloriza: a paragem da central a carvão de Sines, prevista para 2021, “teria, em termos relativos, um impacto maior que Almaraz, mas Portugal tem folga suficiente para isso”. E explica: “As centrais a gás são mais eficientes [do que as centrais a carvão]”. Mas Francisco Ferreira tem uma crítica maior: “Espanha está a desinvestir nas energias renováveis e mantém um parque nuclear obsoleto”.
Nuno Sequeira defende que a região deveria apostar nas energias renováveis, mas também na agropecuária e turismo como fonte de receita e de emprego local, para evitar os impactos económicos negativos que possam advir do encerramento da central. Mais, o ambientalista refere que Espanha “não está [sequer] a fazer uma transição faseada para o encerramento”. “Até agora não há compromisso, nem apresentação de um plano por parte do governo espanhol”, diz o ambientalista.
E uma central nuclear não se encerra de um dia para o outro. “Devia ser anunciada uma data de encerramento e até lá devia ser criado um plano de ação para ser posto em prática”, diz Nuno Sequeira. As centrais nucleares requerem manutenção permanente para evitar fugas. Um encerramento da central não pode significar o abandono da mesma, não só pelos riscos ambientais diretos, mas porque a segurança do espaço tem de continuar a ser assegurada para que nenhum dos materiais seja roubado.
Portugal não pode obrigar Espanha a fechar a central
O antigo presidente da Quercus apresenta críticas contra o governo espanhol, mas também contra a “inoperância” do Governo português, porque considera que as autoridades portuguesas “não fazem pressão junto do governo espanhol”. Francisco Ferreira acha que Portugal “não tem praticamente margem de manobra” e só vê alguma possibilidade, do ponto de vista político, se for o PSOE a ficar no poder em Espanha.
Carlos Pimenta, por outro lado, acha que o Estado português pode tentar fazer alguma coisa: pode estar atento e fazer um controlo bacteriológico, químico e da radiação, e pode alertar as entidades europeias sobre qualquer situação que seja pertinente. Mas não pode obrigar Espanha a fechar a central.
O ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, enviou uma carta ao homólogo espanhol solicitando informação detalhada sobre a Central Nuclear de Almaraz. “Portugal possui instrumentos bilaterais para acompanhar situações anómalas em qualquer central nuclear em Espanha, através dos protocolos e acordos estabelecidos entre autoridades espanholas e portuguesas”, esclarece ao Observador o Ministério do Ambiente. “Sobre as situações registadas mais recentemente, foi dada a garantia a Portugal pelo CSN de que a Central Nuclear de Almaraz se encontra em condições de segurança.”
Mas Carlos Pimenta tem motivos para duvidar se os espanhóis fazem todas as notificações, pelo menos com base na sua experiência enquanto secretário de Estado do Ambiente. “Em 1986 ou 1987, antes de existir a barragem de Castelo de Bode, quase tivemos de fechar o abastecimento de água a Lisboa por causa de uma fuga radioativa no Tejo”, conta Carlos Pimenta. “Só depois de confrontarmos Espanha com os nossos números [dados das análises à água do rio] é que eles admitiram que existia uma fuga.”
Compete à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) estar vigilante em relação a qualquer risco ou incidente ambiental, assim como aos aspetos de segurança nuclear. É esta agência que mantém o contacto com a CSN. “A APA é também o ponto de contacto junto da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), enquanto Autoridade Competente para as Convenções de Notificação Rápida e Assistência de Acidentes Radiológicos e Nucleares, e junto da Comissão Europeia, ao nível do sistema European Community Urgent Radiological Information Exchange (ECURIE)”, acrescenta o ministério.
Planos de Emergência
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Entre os riscos tecnológicos considerados pelo Plano Nacional de Emergência de Proteção Civil (PNEPC) e Planos Distritais de Emergência de Proteção Civil (PDEPC) figura o de “Emergências Radiológicas”. Tanto no PNEPC como nos PDEPC de Castelo Branco, Guarda e Portalegre, este risco está avaliado como tendo “Grau de Risco moderado”. Os Planos Municipais de Emergência de Proteção Civil destes concelhos também preveem medidas mitigadoras no caso de ocorrência daquele tipo de acidentes.
Enquanto a APA vigia de forma contínua a radioatividade no ambiente para que possam ser detetadas situações de aumento anormal – Rede Nacional de Alerta de Radioatividade no Ambiente -, a Autoridade Nacional para a Proteção Civil (ANPC) tem planos nacionais e locais de emergência que dão suporte às operações de proteção civil, em caso de iminência ou ocorrência de acidente grave ou catástrofe. “O PNEPC inclui como hipótese um cenário de acidente com origem na central de Almaraz, estando detalhados os eventuais efeitos e ações a empreender pelos agentes de proteção civil. Este cenário tem, no entanto, uma probabilidade de ocorrência considerada baixa”, explica a ANPC ao Observador.
A Proteção Civil esclarece que não só recebe como emite alertas e notificações rápidas (em articulação com a APA) de e para o estrangeiro, assim como faz pedidos internacionais para assistência mútua em caso de emergência por intermédio da Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA). Em caso de acidente nuclear, ou outro tipo de ocorrências, “os mecanismos a adotar, à escala nacional, para aviso à população, assentarão fundamentalmente na disseminação de informação pública através dos órgãos de comunicação social (televisões, rádios nacionais e agências noticiosas) e da internet”, diz a ANPC.
A Central Nuclear de Almaraz está em funcionamento há 35 anos e estará pelo menos mais quatro. Até lá, as instituições portuguesas devem manter-se atentas ao mínimo sinal de alerta e reforçar os contactos com o Governo espanhol. Da comunidade científica espera-se uma solução para os resíduos tóxicos e para o aumento permanente da segurança nas centrais.
Atualização às 18h15:
Cargo de José Marques: vice-presidente do Instituto Superior Técnico para o Campus Tecnológico e Nuclear
Esclarecimento do Ministério do Ambiente ao gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares