Durante largos anos, e enquanto via autênticas “guerras civis” nos rivais Sporting e Benfica, o FC Porto podia ter melhores ou piores resultados desportivos mas dificilmente era notícia por qualquer tipo de instabilidade mais institucional ou entre associados. O presidente era o mesmo, os dirigentes poucas alterações também sofriam, as caras mais mediáticas de todo o universo azul e branco idem. No entanto, e ao longo dos últimos dois meses e meio, esse cenário não só foi mudando como sofreu uma viragem radical, tendo como ponto de partida a polémica Assembleia Geral dos dragões. A partir daí, houve um pouco de tudo. E mesmo sem data definitiva marcada, o clube está ainda a mais de dois meses do próximo sufrágio eleitoral – um sufrágio que, olhando para tudo o que se tem passado, acaba por ser o ponto comum e transversal a tudo o resto.
Acabou por ser também a partir daí que chegou a “surpresa” da “Operação Pretoriano” desencadeada esta quarta-feira com a detenção de 12 pessoas, incluindo Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões, e Fernando Saúl, Oficial de Ligação aos Adeptos e funcionário do FC Porto, entre outros. “A investigação iniciada no ano passado, na sequência dos factos ocorridos no dia 13 de novembro de 2023, aquando da realização da Assembleia Geral Extraordinária do FC do Porto, determinou uma ação conjugada no sentido de devolver às instituições e aos cidadãos a sua liberdade de decisão e, promover ainda, que o sentimento de impunidade e insegurança seriam restaurados no âmbito desta realidade desportiva e não só”, explicaram as autoridades. Nunca no futebol nacional tinha havido um tipo de operação com esta justificação mas os últimos dois meses e meio explicam uma realidade que se foi cristalizando com o passar do tempo.
13 de novembro: a Assembleia Geral marcada pelas agressões que não chegou ao fim
O gatilho que acabou por incendiar de vez um ambiente que já ia aquecendo em lume brando foi a reunião magna de 13 de novembro, que tinha na Ordem de Trabalhos algumas alterações aos Estatutos com as quais o próprio Pinto da Costa, no início da Assembleia Geral, admitiu não concordar. O encontro estava marcado inicialmente para uma sala no Estádio do Dragão, que por norma chega e sobra para as assembleias portistas mas que naquela noite estava quase cheia só com funcionários e elementos da claque Super Dragões, mas de seguida passou para o Dragão Arena, com a hora necessária para que tudo fosse montado no recinto.
Nessa noite, marcada pela adesão “anormal” de associados que nem mesmo um pavilhão para 2.200 pessoas chegava para albergar, houve um pouco de tudo: rebentamento de petardos na zona da garagem, tentativas de intimidação no exterior a alguns associados mais “conhecidos” ou falados na blogosfera que estavam na fila, ameaças e agressões a sócios que se manifestavam contra Pinto da Costa, mais agressões a Henrique Ramos após usar da palavra na Assembleia Geral colocando em causa as votações nas Casas do clube (com esse dado de, no início da intervenção, ter dito que era apoiante de Pinto da Costa). A reunião magna acabou por ser suspensa numa fase em que a maioria dos associados já tinha abandonado o local.
14 de novembro: o dia dos lamentos e o inquérito aberto pelo Ministério Público
As horas seguintes à Assembleia Geral tiveram várias declarações de lamento e repúdio por tudo o que se passou no Dragão Arena. André Villas-Boas, à margem da participação na Web Summit, acrescentou ainda que “o FC Porto não pode estar refém de uma guarda pretoriana”, fazendo uma alusão aos elementos dos Super Dragões que tinham estado envolvidos nas agressões. Já o clube, num comunicado emitido depois da intervenção do antigo treinador e candidato à presidência, falou em “atos condenáveis que mancham uma história centenária de cultura democrática”, assegurou que iriam ser tomadas todas as medidas para que os episódios não se repetissem uma semana depois no retomar da reunião magna (que nunca chegou a haver) e assegurou que estaria em contacto com as autoridades para identificar os autores dos atos. Mais tarde, o Ministério Público confirmou através de um comunicado a abertura de um inquérito.
22 de novembro: casa de Villas-Boas volta a ser vandalizada com segurança agredido
Na madrugada de dia 22, já com a questão da Assembleia Geral para alterações estatutárias resolvida (e sem efeito), a moradia de André Villas-Boas voltou a ser alvo de desacatos, neste caso mais graves do que todas as pinturas da fachada e rebentamento de petardos que tinham acontecido a 31 de outubro (numa ação que foi filmada e partilhada depois em grupos internos ligados aos Super Dragões). Assim, e já depois da pirotecnia por volta das 2h, um grupo não identificado voltou ao local, agrediu o segurança do espaço, de 64 anos, que teve de ser transportado para o Hospital de Santo António (além de ter ficado sem carro, carteira e telefone) e deixou depois a rua. “A PSP foi chamada ao local e estiveram presentes também a Direção de Investigação Criminal (DIC) para tomar a devida conta da ocorrência. Lamentavelmente os atos de intimidação, vandalismo e violência continuam e peço às autoridades a empenhada cooperação na resolução destes incidentes”, escreveu mais tarde André Villas-Boas nas suas contas oficiais nas redes sociais.
24 de novembro: os cânticos por Pinto da Costa que foram assobiados no Dragão
A receção do FC Porto ao Montalegre para a Taça de Portugal terminou com uma natural goleada dos azuis e brancos mas houve um “pormenor” que não passou ao lado naquele que foi o regresso da equipa de futebol ao Dragão depois de todos os acontecimentos: já com o encontro resolvido, o topo sul onde se concentram os elementos da claque Super Dragões começou a cantar o nome de Pinto da Costa, presidente dos portistas, mas, ao contrário do que era normal ao longo de anos a fio, a música acabou por merecer audíveis assobios por parte dos sócios e adeptos do clube, vindos sobretudo da zona da bancada central do estádio. Poucos dias depois, a caminho de Barcelona para o jogo da Liga dos Campeões, Fernando Madureira falou à CMTV a pedir para que todos os sócios soubessem respeitar as opiniões na Assembleia Geral e a negar qualquer ligação dos Super Dragões ao ataque que tinha sido feito à moradia de André Villas-Boas.
30 de novembro: uma nova Assembleia Geral, sem confrontos mas com um “choque”
O Dragão Arena recebeu no final do mês de novembro mais uma reunião magna, neste caso para votação do Relatório e Contas do exercício de 2022/23 do clube que fechou com um prejuízo próximo dos 2,5 milhões de euros, mas a realidade foi diametralmente oposta da anterior: muito menos associados, nenhuma agressão e um clima de tensão em alguns momentos que nunca passou disso mesmo. O ponto acabou por ser aprovado com 53% (tendo 24,2% de abstenções, em mais um sinal importante da divisão que vai começando a ser mais visível no universo portista) mas a noite ficou marcada pelo “choque” entre Pinto da Costa e Villas-Boas.
Num discurso que foi interrompido apenas uma vez por alguns associados presentes, que foram de imediato chamados à atenção pelo líder da Mesa da Assembleia Geral do FC Porto, Lourenço Pinto, Villas-Boas falou da situação financeira do clube e da SAD sem nunca beliscar a figura do “presidente dos presidentes” e foi mais longe, dizendo que votaria a favor das contas se os administradores da SAD abdicassem dos prémios por performance desportiva. Na resposta, a fechar a reunião magna, e já depois de Fernando Madureira ter falado com “farpas” ao antigo treinador, Pinto da Costa visou de forma direta e indireta André Villas-Boas e Angelino Ferreira e elogiou o líder da claque, como já tinha feito numa entrevista à SIC Notícias. “Cheguei ao FC Porto como presidente, como associado há 70 anos e dirigente sou desde 1962. Em todas as alturas o Fernando Madureira foi um guarda pretoriano do FC Porto. Beneficiaram dessa guarda e desse amor, desse apoio às nossas equipas. Obrigado, Fernando Madureira”, disse, levantando a sala com muitas palmas.
5 de janeiro: o empate no Bessa que atrasou equipas e acabou com críticas aos jogadores
Os projetos financeiros que Pinto da Costa tinha prometido apresentar até ao final do ano ficaram na mesma congelados, continuando ainda em segredo o acordo com a Legends e com a Sixth Street que faria com que a SAD pudesse passar para “capitais próprios positivos ou muito perto disso”, e os resultados desportivos não apareciam como era desejado: depois da derrota no Estoril no início de dezembro que afastou os dragões da Final Four da Taça da Liga, a equipa de Sérgio Conceição perdeu frente ao Sporting em Alvalade no clássico pela liderança e ficou depois mais longe do primeiro lugar (a cinco pontos) com o empate no Bessa diante do Boavista. Nesse encontro, onde o topo norte dos adeptos visitantes não se cansou de apoiar o conjunto azul e branco durante os 90 minutos, os jogadores foram assobiados e criticados no final da partida.
16 de janeiro: mais um “choque” nas redes entre Jorge Costa e Fernando Madureira
Apesar da “normalidade” que marcou a Assembleia Geral de 30 de novembro, em completo contraponto com o que se passara duas semanas e meia antes, o ambiente na blogosfera dos azuis e brancos manteve-se quente com várias ameaças e denúncias entre páginas e perfis de apoio a André Villas-Boas e Pinto da Costa, o que aumentava também a tensão nos jogos em casa onde alguns dos adeptos que iam estando no centro dessas “lutas” se iam procurando. Também em termos públicos essa clivagem iniciada com o anúncio de candidatura do ex-treinador era notório, com Jorge Costa a referir à margem do Fórum de Treinadores na Alfândega do Porto que marcaria presença na apresentação de Villas-Boas e Fernando Madureira a chamar “traidor” ao antigo capitão dos azuis e brancos, um dos jogadores mais emblemáticos da história do clube.
17 de janeiro: a apresentação que mostrou a dimensão do sonho de André Villas-Boas
Quase como reflexo de todo o clima que se ia vivendo no FC Porto, a apresentação com casa cheia de André Villas-Boas na Alfândega do Porto teve segurança reforçada (privada e por parte das forças policiais) e vários pontos de controlo no acesso à sala entre a pompa e circunstância de quem queria demonstrar ao que vinha. No discurso de cerca de meia hora, onde tentou sempre colocar a tónica numa campanha positiva que não “dividisse” mais o clube (e sem qualquer alusão a nada nem ninguém a não ser o FC Porto), o antigo técnico falou por mais do que uma vez do “medo” que se fazia sentir no universo dos dragões.
“Apresento esta candidatura para devolver o FC Porto aos sócios, para que o clube seja novamente uma fonte de alegria e vitórias, uma inspiração para os nossos jovens. Com coragem de querer cortar com o status quo existente, onde impera o medo e onde ninguém se pode exprimir livremente sem ser ameaçado ou censurado”, destacou numa fase mais inicial. “Com este pontapé de saída, demos início a uma candidatura pela positiva, junto dos sócios, das Casas. Não tenham medo da promoção deste ato democrático, juntem-se com coragem a este movimento. Esta mudança só pode acontecer com o vosso querer e a vossa ação. É fundamental que os sócios se desloquem a votar, sem medo de represálias, com coragem e determinação. É fundamental para o FC Porto que vocês marquem um novo momento nas vossas vidas. É por esse FC Porto que me candidato, um FC Porto vivo, indomável, imortal”, acrescentou.
18 de janeiro: o jantar da Comissão de Apoio que deu um “empurrão” a Pinto da Costa
Pinto da Costa foi mantendo o “tabu” em relação a uma possível recandidatura pela 16.ª vez à liderança do FC Porto e nem mesmo no jantar da Comissão de Apoio à Recandidatura, que tinha sido adiado depois do acidente de viação do líder dos dragões, desfez essa dúvida. No entanto, apontou sempre três pontos para que pudesse avançar: 1) qualificação da equipa para os oitavos da Liga dos Campeões, o que foi conseguido; 2) fecho total das negociações com a Legends e a Sixth Street numa operação que envolve a Porto Comercial e que fará com que os capitais próprios da SAD voltem a terreno positivo; 3) início das obras para a construção da nova academia do clube na Maia. Nota importante: quase como “resposta” a Villas-Boas, Pinto da Costa teve o primeiro discurso bem mais virado para o futuro do que para o legado construído no passado.
Nesse mesmo jantar, que reuniu os habituais promotores além de apoiantes do atual presidente do clube, esteve também Fernando Madureira, líder da claque dos Super Dragões que foi mantendo a sua postura nas redes sociais em relação ao apoio a Pinto da Costa nas eleições. “Deus dá as maiores batalhas aos mais valentes guerreiros! Para derrubarem o rei têm de passar por cima de nós! Super Dragões. Contra tudo, contra todos e contra os tolos!”, escrevera após a entrevista do presidente portista à SIC, onde Pinto da Costa deixou muitos elogios à figura do número 1 do principal grupo organizado de adeptos dos dragões.
31 de janeiro: a “Operação Pretoriano” na semana mais “normal” de pré-campanha
Também à boleia da melhoria dos resultados e das exibições do FC Porto no futebol, esta acabou por ser a semana mais “normal” no universo azul e branco em termos de pré-campanha. André Villas-Boas, depois de anunciar António Tavares e Angelino Ferreira como candidatos à liderança da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal e Disciplinar, apresentou também José Pedro Pereira da Costa, antigo administrador financeiro da NOS, como CFO em caso de vitória nas eleições. Já Pinto da Costa passou a ter por perto João Rafael Koehler, figura que deverá fazer parte das próximas listas ao sufrágio do clube com a parte financeira. No entanto, e quando se esperava pela apresentação oficial de Pinto da Costa no domingo, tudo “mudou”.
“O dispositivo da Polícia de Segurança Pública do Comando Metropolitano do Porto (COMETPOR), através da Divisão de Investigação Criminal, com o apoio da Unidade Especial de Polícia e demais valências policiais, no dia de hoje [quarta-feira], desencadeou uma operação policial que visou a identificação e detenção dos autores dos ilícitos em foco, bem como apreensão de meios de prova. A investigação iniciada no ano passado, na sequência dos factos ocorridos no dia 13 de novembro de 2023, aquando da realização da Assembleia Geral Extraordinária do FC Porto, determinou uma ação conjugada no sentido de devolver às instituições e aos cidadãos a sua liberdade de decisão e, promover ainda, que o sentimento de impunidade e insegurança seriam restaurados no âmbito desta realidade desportiva e não só”, explicaram as autoridades no seguimento da operação que levou à detenção de Fernando Madureira, a mulher Sandra e pelo menos um funcionário do clube, Fernando Saúl, Oficial de Ligação aos Adeptos, num total de 12 detidos.