Há uns anos, e não era preciso recuar assim tanto, André Villas-Boas poderia estar presente na Alfândega do Porto no âmbito do V Fórum de Treinadores organizado pela Liga Portugal esta terça-feira. Não estava. Fora de qualquer zona técnica desde 2021, quando saiu do Marselha, o antigo treinador marcava presença nesse espaço para preparar aquele que é o seu próximo desafio: as eleições do FC Porto, em abril. E depois de todas as entrevistas e demais intervenções públicas que foi tendo ao longo das últimas semanas, chegava o dia em que apresentava aquilo que defende para o futuro dos azuis e brancos no próximo sufrágio do clube.

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“Há um respeito pela figura, pelo seu passado histórico e pelo seu legado. Portanto, o presidente representa o presidente dos presidentes e é o presidente mais titulado de sempre do FC Porto e assim será propagado no tempo. É a nossa responsabilidade também propagar a sua visão, a sua ironia, sagacidade, a sua cultura de vitória. Portanto, tudo isto são fatores que queremos propagar no tempo, porque são para nós também referência de como nos devemos comportar sobre o aspeto desportivo, uma cultura de vitória, um compromisso com a vitória. Desejar as melhoras do ponto de vista pessoal ou parabenizar alguém pelo seu aniversário parece-me uma questão de educação acima de tudo, principalmente quando entre nós já reinou a amizade, mas reinará sempre o respeito um pelo outro, pelo menos da minha parte”, destacara na última entrevista que deu, no início do ano, ao JN. E deveria ser por aqui que o antigo treinador alinharia o discurso.

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Fosse nas intervenções públicas, fosse no discurso que teve na última Assembleia Geral do clube, neste caso para votação do Relatório e Contas do clube relativo ao exercício de 2022/23, Villas-Boas quis sempre fazer uma separação entre tudo aquilo que Pinto da Costa ganhou e fez pelo clube e a atual situação económica e financeira dos azuis e brancos, que no entendimento do antigo treinador corria o risco de atingir um ponto de não retorno e que adensou todos os seus problemas na derradeira década, que coincidiu com a entrada de Fernando Gomes para a administração da SAD por troca com Angelino Ferreira. A presença ou não do ex-dirigente portista era outra das curiosidades do momento, depois da aparição que teve no Dragão Arena para a reunião magna que não passou ao lado do próprio Pinto da Costa no discurso que fez no final, sendo que pouco depois das 19h foi possível perceber que também estava entre cerca de 800 pessoas na sala.

Uma coisa era certa: pela primeira vez em 42 anos, contando com as eleições com mais do que um candidato de 1988, 1991 e 2020, Pinto da Costa terá mesmo de “ir a jogo”. Aliás, segundo soube o Observador, o líder dos azuis e brancos tem a “máquina” preparada para ir a sufrágio (incluindo a parte de comunicação que fará a sua campanha), que será confirmado num momento a anunciar depois do jantar desta quinta-feira com a Comissão de Apoio à Recandidatura. E como se tem visto nos últimos dias, haverá dois lados da “barricada” que geram episódios como o que aconteceu na véspera com Jorge Costa e Fernando Madureira.

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Sob o lema “Só há um Porto” que marcou o lançamento da candidatura em várias plataformas, Villas-Boas deixava desde logo uma mensagem a qualquer pessoa interessada em seguir o seu projeto. “Só há um Porto, um Porto que constrói o seu legado inigualável de sucesso desde 1893, de que todos os/as portistas fazem parte! Um clube que se orgulha do seu passado, mas que necessita de construir o seu futuro com o empenho e compromisso de todos, pelo que gostaria de vos ter comigo no momento de arranque deste inadiável movimento de transformação. Não sendo possível, por condições logísticas do espaço, acolher todos neste evento, convido-vos a assistir de forma virtual. Teremos ao longo desta viagem oportunidade de nos encontrarmos em diferentes momentos pois este é um caminho que quero construir com o contributo de todos e cada um de vós!”, explicava. E a longa fila para entrar na Alfândega justificava essa preocupação.

Numa cerimónia que teria apresentação do ator Pedro Teixeira, conhecido adepto portista que esteve na última Assembleia Geral, foram chegando algumas caras conhecidas como os ex-campeões europeus António Sousa (1987), Nuno Valente e Maniche (2004); o treinador do Arouca, Daniel Sousa; o antigo guarda-redes e capitão Helton; ex-central Rolando; o técnico do Feirense, Ricardo Sousa, filho de António Sousa que fez toda a formação no clube; o antigo candidato à Presidência da República pela Iniciativa Liberal, Tiago Mayan Gonçalves; o escritor e cronista Álvaro Magalhães; ou os militantes do PSD Nuno Encarnação e Carlos Abreu Amorim (que, falando aos jornalistas, colocou o enfoque na situação financeira do clube mas referindo que só após ouvir o candidato decidiria se teria ou não o seu apoio). Ainda assim, foi a presença de Cecília Pedroto, viúva do “mestre” José Maria Pedroto que ficou na primeira fila, que começou por centrar as maiores atenções por tudo aquilo que o antigo técnico representa no universo dos azuis e brancos.

Uma frase com 45 anos de Pedroto que deu o mote à apresentação oficial

Entre revistas e vários pontos de controlo de segurança, o evento teve início apenas às 20h (altura em que começou também a transmissão no Youtube). “Estamos aqui porque só há um Porto e esse Porto é de todos. Só queremos o melhor para eles”, começou por destacar Pedro Teixeira, que recordou os seus 43 anos e os primeiros tempos de portista com o pai a contar as histórias do “Senhor do Boné”, em homenagem a José Maria Pedroto, e de Pinto da Costa entre a memória da final de Viena de 1987, a Intercontinental de Tóquio que se seguiu e a passagem por grandes glórias das modalidades dos dragões entre Alfredo Quintana, Vítor Hugo, Franklim Pais, Reinaldo Ventura, Fernando Sá ou Carlos Resende, entre outros. “Não devemos nem queremos apagar a história mas um portista é assim, quer sempre mais”, salientou o ator e apresentador ainda na primeira parte de apresentação. “Todos sentimos que estamos num ponto de viragem porque o FC Porto pode e deve ser mais”, acrescentou, antes do vídeo que lançou a candidatura oficial.

“Sou candidato à presidência do FC Porto”, começou por dizer Villas-Boas, nas primeiras palavras após subir ao palco. “É um momento de grande significado, de sede e de vontade de vencer. Um passo para o qual me preparei para ir de encontro às vossas exigências. Um passo com um único propósito: servir o FC Porto. Sou candidato porque quero um FC Porto mais forte, competitivo, vencedor e um FC Porto dos sócios para os sócios. O nosso compromisso é pela vitória e este clube vence desde 1893″, prosseguiu o ex-técnico.

“Ser do FC Porto é uma elevação que nos distingue. Gostava de citar uma frase de José Maria Pedroto: ‘As vitórias de um clube dependem sobretudo da capacidade de construir uma estrutura ganhadora, da capacidade e competência de construir ou manter essa estrutura ganhadora. E, existindo necessidade disso, não ter receio de reconstruir ou deixar que outros com uma visão de futuro assumam esse papel. A história não é benevolente com quem não reconhece a sua evolução e se mantém refém do passado’. Esta frase de 1979 plena de sabedoria parece mais atual do que nunca. Sim, somos eternamente gratos e estaremos para sempre gratos a Jorge Nuno Pinto da Costa. Será para sempre o presidente dos presidentes do FC Porto mas é tempo de mudança, de se lançar para uma nova fase da sua vida”, sublinhou Villas-Boas.

“Parecemos capturados por um conjunto de interesses alheios ao FC Porto”

“Porquê esta candidatura, porquê agora? Porque neste momento já não somos capazes de construir valor, crescer enquanto clube e organização, propagar a nossa cultura, construir equipas vencedoras e cimentar o associativismo que tanto nos orgulha. De repente, parecemos capturados por um conjunto de interesses alheios ao FC Porto, interesses que ferem os valores fundamentais da nossa instituição. Nos últimos dez anos, o FC Porto conseguiu encaixar mais de 700 milhões de euros em vendas e, em 2015, fez o maior contrato de transmissões televisivas. Qual é a realidade atual? Um passivo de 500 milhões e uma dívida financeira de 310 milhões. A nossa capacidade competitiva está ameaçada, as nossas contas em total descontrolo. Nos últimos 20 anos, o FC Porto gerou mais 2,9 mil milhões de euros em receitas, e hoje temos um clube que não foi capaz de acautelar a sua responsabilidade. Vive agarrado por gratidão a uma gestão sem rumo e sem nexo”, apontou na parte do discurso em que melhor “balizou” as críticas ao atual elenco.

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“A falta de transparência instalou-se com preocupantes conflitos de interesses que parecem prevaricar contra os estatutos do clube. Não temos uma academia de formação e não temos um centro de alto rendimento. Uma promessa eleitoral de 2016 é, hoje, em 2024, uma promessa eleitoral ainda. A comunicação com os sócios é inexistente e foge frequentemente à verdade entre promessas, premissas e prazos por cumprir. A três meses das eleições do FC Porto, estão a ser tomadas decisões estruturantes que podem hipotecar o futuro do FC Porto nos próximos 15 anos e isso é inaceitável. Está ou não está a ser vendida uma das empresas do grupo do FC Porto a um fundo americano? Se sim, por que somos os últimos a saber?”, criticou André Villas-Boas, apontando também à gestão desportiva dos dragões.

“A tudo isto acresce a deficiente gestão dos ativos da equipa de futebol. Na teoria é muito fácil falar, na prática é tudo muito diferente. São inúmeros os jogadores a saírem a custo zero, são inúmeras as contratações falhadas por falta de análise, rigor e planeamento, ou será que servem interesses de outros, alheios ao FC Porto? Estamos a chegar cada vez mais tarde aos talentos, onde antes éramos uma referência mundial. Estamos a ser ultrapassados pelos nossos rivais mais diretos. É importante referir o seguinte: formar ou encontrar um jogador à FC Porto é uma responsabilidade perante os sócios. Exige-se critério, rigor e planeamento, e uma comunicação assente na transparência e na inovação. Quanto mais a tivermos, mais dignificamos a mística portista e respeitamos quem representa o FC Porto”, criticou.

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“Coragem de querer cortar com o status quo existente, onde impera o medo”

“Vivemos num mundo em transformação. Está na hora de mudar. Sou o sócio 7.617 do FC Porto, nem com mais nem menos direitos do que qualquer outro sócio. Tenho as minhas raízes familiares intimamente ligadas à fundação do FC Porto, tanto com António Nicolau de Almeida como com José Monteiro da Costa, o que muito me orgulha. Sendo o FC Porto o clube do meu coração, é minha obrigação estar disponível para este momento de transformação. Vivi o clube por dentro como adepto, sócio, colaborador, observador e treinador da equipa principal. Estou plenamente consciente das responsabilidades, que exigem trabalho, rigor, profissionalismo, dedicação, e colocar o FC Porto à frente do interesse pessoal. As exigências de todos os portistas vão causar em mim uma grande responsabilidade e eu quero estar à altura. Apresento esta candidatura para devolver o FC Porto aos sócios, para que o clube seja novamente uma fonte de alegria e vitórias, uma inspiração para os nossos jovens. Com coragem de querer cortar com o status quo existente, onde impera o medo e onde ninguém se pode exprimir livremente sem ser ameaçado ou censurado”, prosseguiu, no prolongamento das mensagens para dentro do clube.

“Apresento esta candidatura com um programa arrojado e transformador, com uma equipa competente e profissional que vai devolver a dignidade ao nosso clube. Esta candidatura não é apenas minha, é a de uma equipa que tenho o privilégio de liderar. O nosso objetivo é manter o FC Porto como referência do futebol mundial a todos os níveis. Ao longo das próximas semanas, iremos apresentar em detalhe os órgãos sociais que compõem a lista da candidatura, bem como as administrações. Na próxima semana, os presidentes da lista, que estão aqui presentes. Vamos fazê-lo com respeito e elevação pela época desportiva do FC Porto. 2024 tem de ficar marcado pela conquista do título de campeão nacional e não pela eleição do seu próximo presidente”, destacou, antes de apresentar as linhas gerais do programa que vai encabeçar.

“No programa desportivo, uma direção desportiva competente, experiente, estruturada, profissional e interventiva. Sendo este o coração da nossa instituição, é fundamental que reflita a grandeza e grau de exigência do clube. Uma direção de scouting capaz de identificar, filtrar e escolher de forma criteriosa o talento, planeando as equipas a curto, médio e longo prazo, seja na equipa sénior ou na formação, em todas as modalidades. Um modelo de gestão rigoroso, capaz de criar valor na equipa sénior e na formação. Um gabinete de performance que otimiza e potencia o talento, uma metodologia planificada, apoiada na exigência e criatividade, sem medo da emancipação precoce dos seus jogadores. Uma aposta séria no futebol feminino com o completar dos escalões em falta. Lançar as bases para a criação do futsal no clube, primeiro através da sua prática nos escalões inferiores e depois até à equipa sénior”, especificou.

“Por fim, o centro de alto rendimento no Olival. Ainda há dias veio o presidente da Câmara Municipal de Gaia dizer que o FC Porto terá de comprar o resto dos terrenos de construção da sua academia. O que acontece se um privado mal intencionado os comprar? E se um clube rival os comprar? Uma academia que foi promessa eleitoral em 2016 é hoje, oito anos depois, uma promessa eleitoral. Gostava de partilhar uma história. Há dois anos, quando nos lançámos aqui, fizemos duas chamadas a proprietários de terrenos. Em duas chamadas, encontrámos o proprietário de um terreno a mil metros do atual centro de treinos do FC Porto. Em oito anos, o melhor que conseguimos fazer foi arranjar um na Maia? Junta-se uma obra mais eficaz do ponto de vista do custo, da operação, que vai permitir aos escalões de formação maximizar os campos que têm à disposição. Durante as próximas semanas, vamos dar a conhecer o plano de arquitetura para este obra, bem como as imagens 3D, e discutiremos a projeção do custo e as possibilidades de financiamento. Tudo às claras e com a máxima transparência para com os sócios”, prometeu Villas-Boas.

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“Estamos reféns da Direção, que toma decisões estruturantes a três meses das eleições”

“Estamos reféns da atual Direção, que a três meses das eleições quer tomar decisões estruturantes para o futuro do clube, e a academia é uma decisão estruturante. Temos de respeitar os contratos mas olhamos com grande apreensão para a academia da Maia. É essencial implementar medidas de gestão para restaurar equilíbrio financeiro do clube. Para isso, é preciso uma análise detalhada para compreender o atual descalabro financeiro. Um modelo mais rigoroso é fundamental. Uma administração executiva com profissionais credíveis e respeitados. A transparência e a boa governância como uma obrigação do FC Porto. Adotar um portal de transparência assente num modelo de gestão aberto, com informação fidedigna para os sócios de toda a informação do FC Porto. Não temos medo nem vergonha em dizer com quem trabalhamos. Todos os custos com vendas e compras de jogadores ou negócios serão declarados nesse portal”, especificou.

“O que mais me choca é a forma leviana e de cavaqueira com que se apresentam 50 milhões de prejuízo”, critica André Villas-Boas

“No que respeita à remuneração fixa da administração, cortaremos em mais de 50% os cargos atuais. Cortaremos a fixa em mais de 50% da atual e a variável terá um teto máximo de 60% da fixa. Finalmente, sabemos que no FC Porto existem colaboradores altamente competentes, e todos os colaboradores devem ser envolvidos num sistema de remuneração variável. Assim, asseguramos alinhamento entre todos os pilares do clube, das equipas de gestão às que trabalham connosco. A estrutura do FC Porto deve ser um baluarte unido e formado para a vitória. Na vertente social, o FC Porto deve ter um papel mais ativo, vinculativo e de âmbito social alargado, na relação com as gentes, a cidade, a região, o país e com os seus emigrantes e instituições. Por essas razões, um dos motivos de maior orgulho desta candidatura é fundar e ver nascer a Fundação FC Porto”, continuou, voltando a destacar que avança com uma lista “não para vender o clube mas sim para cimentar aquilo que é o associativismo do FC Porto” e elogiando o papel das Casas do FC Porto “que não servem apenas para bater palmas nas galas e nos jantares que organizam”.

“Não vamos esquecer as modalidades, o compromisso com as vitórias estende-se às modalidades. O nosso compromisso é continuar a apoiar formando modelo de gestão rigoroso que permita autosustentabilidade. Quando ao ecletismo, queremos promover espírito amador, que permita inscrições em cada modalidade. Em cada sócio um atleta do FC Porto”, ressalvou também, numa ideia ligada à nova Fundação.

“Com este pontapé de saída, demos início a esta candidatura, uma candidatura pela positiva, junto dos sócios, das casas. Não tenham medo da promoção deste ato democrático, juntem-se com coragem a este movimento. Esta mudança só pode acontecer com o vosso querer e a vossa ação, assim como com o vosso voto. Em abril é fundamental que todos os sócios se desloquem a votar, sem medo de represálias, com coragem e determinação. É fundamental para o FC Porto que vocês, sócios, marquem um novo momento nas vossas vidas. É por esse FC Porto que me candidato, um FC Porto vivo, indomável, imortal”, concluiu Villas-Boas, entre agradecimentos à família, aos amigos e a quem trabalha na candidatura.