Muito menos afluência do que na última Assembleia Geral (ainda menos do que o decréscimo previsto), um cuidado nunca antes visto com qualquer questão que pudesse melindrar o bom funcionamento dos trabalhos dentro e fora do Dragão Arena, resultados “anormais” numa votação como o Relatório e Contas que tiveram mais de 24% de abstenções, um ambiente que começou mais favorável a André Villas-Boas na sequência do discurso que teve mas que terminou com Pinto da Costa e os seus apoiantes por cima na parte final de um encontro com cerca de quatro horas que terminou por volta da 1h30. A Assembleia Geral do FC Porto que se realizou esta quarta-feira ficou sobretudo como um ponto de viragem daquilo que era o comportamento tipo neste tipo de reuniões magnas e colocou o ex-treinador em definitivo como alternativa à atual Direção.

Ambiente calmo, menos afluência, contas aprovadas com 53%, despiques com Villas-Boas: como foi a Assembleia Geral do FC Porto

“É uma Assembleia Geral que marca um pouco a história do FC Porto. Pela sua organização, pela sua positividade, pela crítica aberta, pelo direito à liberdade de expressão. Que esta seja no fundo a sustentação de uma Assembleia Geral referência para o futuro. Acho que é isso que todos os sócios desejam e sentiram nesta Assembleia Geral, que termina pelas altas horas da madrugada, mas todos com sentimento de um bom portismo, de uma boa presença e de uma livre expressão democrática do que qualquer sócio pensa”, referiu Villas-Boas após a reunião magna que, como confirmou, foi a primeira em que marcou presença.

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“O presidente Jorge Nuno Pinto da Costa é o presidente dos presidentes do FC Porto e eu mantenho-me convicto para avançar para as eleições. Como disse recentemente, a apresentação da minha candidatura é uma mera formalidade. Os timings de apresentação da minha candidatura só a mim me correspondem e só será feita em janeiro. Esta fase é uma fase de concentração para o FC Porto, que quer e precisa encontrar a união, o respeito e o portismo que sempre foi reconhecido entre todos para qualificar-se para os oitavos da Liga dos Campeões, que é o nosso grande objetivo nas próximas duas semanas”, adiantou ainda o ex-técnico, dando pela primeira vez uma janela temporal de quando pretende oficializar a candidatura à presidência.

Em paralelo, tal como já tinha feito no discurso à porta fechada (da comunicação social) no Dragão Arena, André Villas-Boas voltou a abordar aquele que considera ser o principal problema do FC Porto: os aspetos financeiros. “Há um acumular de dívida que é evidente, os números falam por si e não mentem. O passivo acumulado é de 499 milhões e vem crescendo ao longo dos anos. O que a Direção demonstrou foi no sentido de tentar melhorar as coisas, com um acordo que está por revelar, parte de uma injeção de capital, tanto quanto entendi, e parte da valorização de uma das empresas do clube. Esse é o movimento que levará a uma injeção de capital e também a uma requalificação dos capitais próprios do FC Porto. Mas há uma dívida acumulada de 500 milhões, sempre em crescendo. Há aqui uma falência operacional que é preciso corrigir, mas a Direção está ao corrente disso e demonstrou sinais de que quer melhorar nesse aspeto”, comentou.

Antes, quando usou da palavra na Assembleia Geral, Villas-Boas acabou por deixar algumas das linhas que irão nortear a campanha até às eleições de abril. Sem fazer qualquer ataque direto a Pinto da Costa, o antigo treinador apontou a mira à realidade financeira tendo como janela temporal o ano em que deixou o Dragão e rumou ao Chelsea após ganhar quatro títulos numa temporada (2010/11), visando sempre “a administração” e não “o presidente”. “Em 2011 a dívida financeira do FC Porto era de 98 milhões e o passivo total de 202 milhões; 12 anos depois, a dívida financeira do FC Porto é de 311 milhões e o passivo total de 499 milhões. Os capitais próprios atribuíveis aos sócios são negativos em 199 milhões. Desde 2011 a administração do FC Porto recebeu mais de 27 milhões em remuneração fixa e variável, sem considerarmos as ajudas de custo entre viaturas, combustíveis e despesas com cartão de crédito”, apontou num discurso que mereceu muitos aplausos e que foi interrompido uma vez antes de Lourenço Pinto, líder da Mesa, também intervir.

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Havia ainda assim uma outra “cartada” que teve a maior ovação nesse período: Villas-Boas admitiu votar a favor do Relatório e Contas do clube, que fechou com um prejuízo de 2,4 milhões no exercício referente a 2022/23, caso a administração da SAD abdicasse dos prémios recebidos no último ano. “Pergunto a vossas excelências, membros da Direção, se seriam capazes de hipotecar o futuro das vossas famílias à proporção e velocidade com que hipotecam o futuro do FC Porto. Não tenho outra alternativa que não seja manifestar a minha reprovação às contas aqui hoje apresentadas, condicionando a aprovação das mesmas à devolução da remuneração variável recentemente recebida pela atual administração”, referiu na parte final. E para que não restassem dúvidas da “fuga” a qualquer ataque específico a Pinto da Costa, o antigo treinador deixou uma mensagem elogiosa nas redes sociais sobre a Assembleia Geral ilustrada com uma imagem do atual presidente no palanque a falar aos cerca de 900 associados que estiveram presentes no Dragão Arena.

Já Pinto da Costa, que foi ouvindo todas as intervenções tirando algumas notas dos nomes dos associados que iam falando para depois responder, agradecer ou esclarecer os pontos abordados, falou apenas na parte final da reunião magna mas com duas “novidades” face ao que tem sido habitual nas suas intervenções desde que houve a atual viragem de paradigma num FC Porto que ganhou de forma assumida uma alternativa corporizada por Villas-Boas. Por um lado, deixou vários elogios a quem há não muito tempo criticava, como aconteceu com os ex-candidatos Nuno Lobo (a quem colocou um processo por difamação que ainda decorre) e Martins Soares; por outro, criticou de forma assumida o antigo treinador e futuro candidato à presidência depois de uma entrevista à SIC com várias “farpas” mas sem entrar em choque direto.

“Ao senhor associado Villas-Boas queria em primeiro lugar felicitar porque pela primeira vez na sua vida de portista veio a uma Assembleia Geral. Veio para dizer mal, veio para propor a recusa das contas sem pensar nos prejuízos que isto trazia para o FC Porto. Naturalmente que espero que reconsidere, que não venha com os papéis com números que lhe põem à frente. Sempre que venho à Assembleia Geral, o papel é com números que aqui falaram. Que venha às Assembleias Gerais dizer o que lhe vai na alma, não com os que os outros lhe escrevem no papel para ele vir aqui dizer. Não estou em campanha eleitoral, não estou…”, sublinhou, antes de visar outro nome do universo azul e branco que votou contra as contas: Angelino Ferreira, ex-membro da administração da SAD que foi substituído em 2014 por Fernando Gomes.

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