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Orlando Almeida

Orlando Almeida

Anacoreta Correia. "Tem de ser claro para todos que quem manda no CDS é o líder"

A poucos dias de tomar posse como vice-presidente em Lisboa, Anacoreta Correia olha para a crise política como uma manobra orquestrada pelo próprio governo e diz que o tempo de Costa "está a terminar"

No rescaldo de um Conselho Nacional aceso, o presidente da Mesa do Congresso do CDS diz que está longe de ter sido o mais difícil da vida do partido e deixa recados a quem tem contrariado a direção de Francisco Rodrigues dos Santos. Diz Anacoreta Correia que os políticos devem estar “para servir e não para se servirem” e que quem manda, dá orientações e direções é o líder. Reconhece que há quem, no CDS, tem “contribuído para uma degradação institucional do partido”, sinal de que “essas pessoas não estão comprometidas com o futuro do partido”.

Para quem está em desacordo constante com a liderança, Anacoreta Correia diz que o essencial é que mostre “disponibilidade para estar ao serviço” e que o país precisa neste momento de um “reforço da marca do CDS”, não se permitindo uma “fragilização da presença institucional” numa altura em que há o risco de o Governo se confrontar com o chumbo do Orçamento do Estado.

[Oiça aqui o episódio desta semana da Vichyssoise:]

Costa aos papéis, Rio em apuros e Rangel ao ataque

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Filipe Anacoreta Correia, bem-vindo. Espero que tenha tido uma boa viagem, sei que apanhou muito trânsito, pode ser o mote para tomar medidas quando for vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Sim, é verdade. O trânsito voltou. Estivemos a viver um tempo de pandemia que nos adormeceu um bocadinho com a noção daquilo que é o tráfego habitual da cidade — e naturalmente que isso é um grande desafio que o novo Executivo terá pela frente.

Vamos então diretos ao ponto. Esta entrevista acontece poucas horas depois de um Conselho Nacional do PSD onde se discutiu — e se rejeitou — o adiamento das eleições internas até à aprovação do Orçamento do Estado. Francisco Rodrigues dos Santos também já admitiu a hipótese de adiar o Congresso do CDS em caso de crise política. Seria útil ao CDS adiar as suas eleições internas?
Útil? Acho que a primeira questão que tem de se colocar é que, em primeiro lugar, esta direção mostrou uma vontade inequívoca de clarificação que levou à antecipação do calendário do Congresso. E isso representa uma atitude também política de quem não tem receio dessa clarificação e, pelo contrário, até a deseja. A verdade é que a política é dinâmica, estamos a viver tempos intensos, com grandes novidades, e a verdade é que há aqui a noção, parece-me, da parte do Governo, que o seu tempo está a terminar. A situação em que o país se encontra é grave, foram dados alguns sinais também no âmbito das eleições autárquicas de que as pessoas estão cansadas e não estão a acreditar no rumo deste Governo. Naturalmente que o Governo, pressentindo essa realidade — que o tempo está a terminar –, e tendo a noção que a própria direita — e a afirmação daquilo que seria o espaço de uma alternativa — está num processo de clarificação importante e, portanto, o Governo tenta jogar também com isso. O tempo está a terminar, vamos simular ou provocar mesmo uma crise política.

"A verdade é que a política é dinâmica, estamos a viver tempos intensos com grandes novidades e a verdade é que há aqui a noção, parece-me, da parte do Governo, que o seu tempo está a terminar"

E nesse caso o CDS deve fazer o quê? Adiar as eleições internas?
Como presidente do Conselho Nacional, julgo que não me devo antecipar a decisões que terão sempre que ser do Conselho Nacional. O Conselho Nacional decidiu convocar o Congresso e ele está convocado. Essa não é uma decisão da direção, é uma decisão de um Conselho Nacional que a direção pode convocar. E eu não me quero antecipar a essa discussão.

Mas tem uma posição pessoal sobre o assunto.
O que compreendo é, por um lado, que da parte de quem tem a responsabilidade de condução política no CDS não há receio dessa clarificação, há uma vontade até que leva a antecipar esse calendário. Mas, por outro lado, há uma noção do país, da situação em que nos encontramos e da necessidade de não correspondermos a uma espécie de chantagem política, ou de oportunismo por parte do Governo. O CDS estará à altura de responder e não permitirá que nada se sobreponha à afirmação de uma alternativa para o país que julgo que os portugueses precisam.

"É legítimo pensar que algumas pessoas têm a noção, neste momento, que são minoritárias e preferem talvez que o partido se degrade a um ponto mais grave porque elas sabem não estar nesse futuro do partido"

Antes de começarmos esta conversa estávamos precisamente a falar do Conselho Nacional do CDS. Com uma semana tão acelerada até já nos esquecemos que ele aconteceu. Tomei nota de algumas das expressões que foram usadas, como “virgem ofendida”, “tasca”, “luminárias”, “partido da Igreja Maná”, “calimero”… Acha que estas expressões dignificam o CDS?
Sinceramente, acho que não. Acho que o CDS tem vivido um tempo de grande confronto político. Protagonizei no partido momentos de grande divergência política e sempre o soube fazer preservando o que é o respeito institucional. Sempre respeitei quem estava em situação de representar o partido. Julgo que todos nós temos de ter a noção de que temos de reforçar o partido, que está numa altura desafiante. Se contribuirmos para uma degradação dessa imagem estamos a fazer mal não apenas aos nossos adversários, mas a todos nós. Julgo que isso poderá estar a acontecer. Parece-me que é legítimo pensar que algumas pessoas o estão a fazer porque têm a noção, neste momento, que são minoritárias e preferem talvez que o partido se degrade a um ponto mais grave porque elas sabem não vão estar nesse futuro do partido.

Algumas destas expressões, como “virgem ofendida”, “luminárias”, “calimero”, foram usadas pelo líder do CDS. Ao desrespeitar os seus adversários está a contribuir para a degradação da imagem do partido?
Acho que há aí graduações. Não quero estar a concretizar ou a fazer comentários personalizados sobre esta ou aquela expressão, mas acho que há graduações nelas. Estou a referir-me a uma imagem de confronto político.

Promovida também pelo líder do CDS quando usa estas expressões.
Julgo que, sinceramente, muitas vezes o líder do partido tem respondido a ataques que são desrespeitadores dele próprio e os próprios portugueses costumam dizer que quem não se sente não é filho de boa gente. Há muitas vezes uma impaciência e uma não aceitação de um diálogo que é confrontacional, mas desrespeitoso também. O que digo a uns digo para os outros. Acho que o partido tem de retomar um respeito, temo que isso possa não acontecer já no próximo Congresso, mas julgo que isso é muito importante. Sobretudo quem gosta deste espaço político. Quem entende que o CDS faz falta ao país não pode permitir uma fragilização da sua presença institucional, da sua marca, tem que a reforçar. É importante que mesmo na preparação do Congresso, todos interrompam o processo de degradação e contribuam para um processo em sentido contrário de afirmação institucional do partido.

Quem entende que o CDS faz falta ao país não pode permitir uma fragilização da sua presença institucional, da sua marca, tem que a reforçar

Na RTP, Diogo Feio não fez uma descrição muito diferente da que está a fazer deste Conselho Nacional, mas dizia que, se estivesse no seu lugar, já teria feito um pedido desculpas aos militantes e simpatizantes do partido. Acredita que deve um pedido de desculpas?
Pelo contrário. Pedir desculpas de maneira nenhuma. O Diogo Feio não é membro sequer do Conselho Nacional, por isso a sua afirmação é a de quem está fora e não compreendeu o que se passou. O Conselho Nacional fez aquilo que um Conselho Nacional deve fazer — e eu em particular, na responsabilidade de condução do processo político — que foi respeitar a vontade da maioria. Foi feito com toda a tranquilidade, de modo muito clarividente. Não houve agressões, o Diogo Feio já esteve noutros conselhos nacionais em que aí sim ultrapassou-se tudo o que era permitido com grandes discussões, nomeadamente na altura em que a Maria José Nogueira Pinto teve a condução de um Conselho Nacional muito difícil. Claramente, o último Conselho Nacional não fica na história por desrespeitar a vontade da maioria.

Percebemos, este foi mau, mas não é o pior ponto a que o CDS consegue chegar. Seja como for, é inegável que está fraturado, talvez mais do que nunca. Teme que depois das eleições internas possa haver uma cisão permanente e uma debandada de quadros?
O CDS, se reparar bem na sua história, viveu os momentos de alteração das lideranças sempre em ruptura. Foi assim com Lucas Pires, com Manuel Monteiro, com Paulo Portas. Devo dizer, como militante do CDS, que lamento que assim seja. Acho que teríamos todos a ganhar se fossemos capazes de fazer mudanças de lideranças e ciclos acrescentando o passado, a memória, e somando-o e não subtraindo. A verdade é que historicamente sempre foi assim.

Mas acredita que essa debandada pode ser consequência disso?
Em primeiro lugar, não é um facto novo. Também no passado outras lideranças, para se afirmarem, tiveram que o fazer em ruptura. O que creio que está a acontecer é que da parte desta direção, tanto quanto me é permitido avaliar, houve e há uma disponibilidade para somar, com várias demonstrações disso mesmo, mas há também protagonistas do passado que não aceitam de maneira nenhuma que o processo político e o partido possa ser conduzido por outras pessoas que não eles.

"Da parte desta direção, tanto quanto me é permitido avaliar, houve e há uma disponibilidade para somar, com várias demonstrações disso mesmo, mas há também protagonistas do passado que não aceitam de maneira nenhuma que o processo político e o partido possa ser conduzido por outras pessoas que não eles."

Vou insistir: precisamente essas pessoas que diz que não aceitaram o resultado do último Congresso e que não aceitam a derrota do chamado portismo podem protagonizar uma debandada de quadros? Teme que isso aconteça?
As pessoas são livres, não podemos amarrar as pessoas a nenhuma instituição e muito menos a um partido, que é expressão de uma liberdade de filiação e de militância. Não desejo isso, de maneira nenhuma, mas creio que há sinais de alguns protagonistas que têm contribuído para uma degradação institucional do partido e isso pode indiciar que essas pessoas não estão comprometidas com o futuro do partido.

Há quem esteja a dar sinais de querer sair num futuro próximo?
Estou a fazer uma leitura daquilo que me parece bastante óbvio. Quem está comprometido com o partido quer que o partido seja reforçado e não enfraquecido e quem acha que está nesse futuro do partido tem de contribuir para esse processo de afirmação do partido.

Vamos a um ponto muito concreto, o da tensão entre a direção do partido e o grupo parlamentar que é cada vez mais evidente. Depois da clarificação interna, acha que figuras como Cecília Meireles e Telmo Correia, críticos assumidos de Francisco Rodrigues dos Santos, devem deixar o Parlamento em coerência com as posições assumidas? No caso particular de Cecília Meireles, isso significaria a entrada do líder do CDS no Parlamento. Era útil ao partido?
Não personalizando nos exemplos que referiu, acho que todos no partido devemos ter um sentido de serviço que nos leve a ponderar colocar o partido à frente da circunstância pessoal em que estamos. Isso deve ser uma atitude de princípio que deve vigorar em todos os partidos, não apenas no CDS. Quando se coloca a discussão em termos pessoais isso já indicia que há eventualmente uma abordagem que não é aquela que os eleitores esperam de nós, responsáveis políticos. Nós temos que, a todo o momento, demonstrar que estamos para servir e não para nos servir.

Depreendo que, em coerência, e dadas as posições documentadas de Telmo Correia e Cecília Meireles, deviam deixar o Parlamento porque estão numa linha oposta à da atual direção do CDS.
Não tenho esse entendimento. Acho que não se deve retirar isso das minhas palavras necessariamente. Acho que essa atitude deve existir, a atitude de disponibilidade em relação ao serviço. Isso não quer dizer que as pessoas têm de sair ou que devam sair por divergir, era o que faltava. Um partido político vive de divergência, pluralidade.

Isto não é só divergência. Nestes dois casos em concreto são opositores frontais.
Essa pergunta e avaliação tem de ser feita pelos próprios. Um grupo parlamentar emana de um partido e, portanto, se os protagonistas desse grupo parlamentar entendem que estão em condições de servir o partido e as direções e a condução política que é decorrente das decisões dos seus militantes, eles estão em condições de continuar em diálogo com essa direção. O que julgo que seria verdadeiramente inaceitável era termos uma espécie de dois partidos a falar como se fosse uma cisão não aberta. Isso julgo que iria para além de tudo o que é aceitável. Não estou a dizer que é o que se está a passar. Fui colega de bancada quer do Telmo Correia quer da Cecília Meireles, estive em reuniões com eles. A minha esperança, como militante e responsável do CDS, é que seja possível manter e aprofundar esse diálogo. É natural que, se for a vontade dos congressistas, como já foi no passado, se mantenha este rumo de mudança, com novos protagonistas, mantendo Francisco Rodrigues dos Santos como presidente do partido. Tem de ser claro para todos no partido que quem manda é ele, quem dá orientações, direção e condução política é a direção do partido e temos que ter a noção, todos nós, de qual é o nosso papel no conjunto dessa instituição que é um partido político que tem de se afirmar junto dos eleitores. Um partido tem sobretudo de falar para fora e parar de falar para dentro, julgo que esse é o grande desafio que temos pela frente.

"Um partido tem sobretudo de falar para fora e parar de falar para dentro, julgo que esse é o grande desafio que temos pela frente."

O CDS teve, em coligação, bons resultados em várias câmaras importantes. A verdade, e isso é um ponto dos críticos, é que, quando foi a votos sozinho, teve uma média de votação de 1,4%, muitas vezes atrás do Chega e às vezes atrás da IL. O partido está num bom caminho? E acha que o destino do CDS, como dizem os críticos, é ser Os Verdes do PSD?
A realidade pode ver-se de vários pontos. Acho que há alguns sinais que nos indiciam que estamos a viver um tempo desafiante, em muitas zonas de facto tivemos médias de votações abaixo do que era habitual. Mas devo dizer-lhe que o CDS tem uma situação muito longe da que foi referida durante muito tempo até por altos responsáveis do partido. O CDS não está morto, pelo contrário. O partido deu aqui sinais de vitalidade muito grande. Referiu a média, mas podia dar-lhe exemplos em todo o país e todos os distritos de concelhos onde crescemos muito, mesmo quando fomos sozinhos.

Não está morto, mas está ligado às máquinas?
Não, não, de maneira nenhuma. Longe disso. Se considerar só os sítios onde nos apresentamos sozinhos, sem coligações, o CDS elegeu 30 vereadores, mais do que a soma do Bloco de Esquerda, Chega e Iniciativa Liberal, que estão todos os dias a ser referidos como partidos fortes. Sozinhos elegemos mais do que o conjunto desses todos. Temos seis câmaras. A Iniciativa Liberal julgo que tem um vereador no país inteiro. Temos seis câmaras, tivemos uma vitória extraordinária em Ponte de Lima, onde tínhamos um grande desafio pela frente. Em Oliveira do Bairro estávamos sem maioria e tivemos maioria. Em Santana, com um novo candidato, porque o eleito foi para o governo regional, reforçámos a nossa posição. O CDS tem sinais fortes de estar vivo. Estas eleições caracterizam-se por terem sinalizado um novo ciclo político no país e o CDS faz parte desse ciclo. Aliás, em Lisboa, onde também o protagonizei, creio que demonstrámos que o partido é indispensável ao novo ciclo de afirmação de uma alternativa a este Governo que está a empobrecer o país.

Carne ou Peixe

Avancemos para o prato principal, o Carne ou Peixe. Quem levaria para uma semana de férias em Viana do Castelo: Paulo Rangel ou Rui Rio?
(Risos) Para Viana do Castelo levava a minha família.

E a dar um passeio de tuktuk por Lisboa: João Gonçalves Pereira ou Assunção Cristas?
Assunção Cristas, de quem sou amigo.

Quem levava de mota para o próximo congresso: Nuno Melo ou João Almeida?
(Risos) Na mota não ando em grandes viagens. Não vou para o Congresso de mota, estou a pensar ir de comboio.

Vamos pensar que está num hotel próximo…
Provavelmente eles não quereriam vir comigo.

Preferia ser ministro de um governo com o Chega ou líder do CDS na oposição?
Aí, sou claramente vegetariano. Nem uma coisa nem outra.

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