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Entrega do Orçamento de Estado (OE) para o ano de 2023: Fernando Medina, ministro das finanças numa conferência de imprensa à comunicação social, sobre o OE para o próximo ano de 2023. 10 de Outubro de 2022 Ministério das Finanças, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Fernando Medina apresentou a proposta do Orçamento do Estado para 2023 pouco depois da hora do almoço.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Fernando Medina apresentou a proposta do Orçamento do Estado para 2023 pouco depois da hora do almoço.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Análise. Um Orçamento à boleia da inflação

O primeiro Orçamento de Medina é marcado pelos ganhos caídos do céu gerados pela inflação. O Governo parte para 2023 com uma “poupança” gastando o que recebeu a mais este ano. Ensaio de Helena Garrido

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Com a maioria absoluta, a redução da dívida é agora uma prioridade explícita sem metáforas, como as que se usava no passado, quando o ex-ministro das Finanças e atual governador do Banco de Portugal nos dizia que era preciso colocar Portugal num porto de abrigo de tempestades financeiras. Aquele que é o oitavo Orçamento de António Costa continua sem grandes mudanças estruturais, mas vira-se, pela primeira, para as empresas. Há riscos, mas o que se gastou nos apoios em 2022 é um seguro para eventuais derrapagens em 2023. 

Foi um ministro das Finanças confiante e otimista que, a 10 de outubro, apresentou, durante mais de uma hora, ao detalhe, a proposta de Orçamento do Estado que agora vai começar a defender no Parlamento. Conseguiu entregar o Orçamento à hora de almoço e fazer a conferência de imprensa por volta das três da tarde, o que começa a ser um recorde depois de anos em que se entrava pela noite dentro à espera que os ministros fossem à Assembleia entregar a proposta. 

Porque está o ministro das Finanças tão confiante num tempo em que a incerteza nos envolve em nevoeiro e todos os dias há notícias que perspetivam uma recessão na Europa por causa da guerra na Ucrânia? A causa desse otimismo chama-se inflação, que atravessa o que aconteceu em 2022 e ajuda a compreender as razões pelas quais Fernando Medina olha para o ano orçamental de 2023 com confiança.

Para as famílias e as empresas, a inflação está a ser um pesadelo. Para o Estado, foi um ganho caído do céu que o Governo aproveitou para ganhar margem em 2023, o que lhe pode permitir avançar com mais apoios, sem colocar Portugal no radar de desconfiança de quem empresta dinheiro ao país. Os cheques às famílias, o pagamento de metade da pensão e até o pacote energético de três mil milhões de euros são quase na totalidade financiados pelas receitas fiscais adicionais que o Estado obteve por causa da subida dos preços. 

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Parece um contra-senso, mas, de facto, ao antecipar as medidas de apoio para 2022, o Governo consegue “poupar” o Orçamento de 2023, criando espaço para o que de negativo vier a acontecer. 

Os grandes números dizem-nos que a política orçamental é contracionista, ou seja, modera o crescimento da economia, alinhando-se com os apelos do BCE e do próprio governador do Banco de Portugal para que os governos não alimentem a inflação, fazendo contra-vapor à subida dos juros com injeção de dinheiro na economia. O défice público reduz-se de 1,9% para 0,9% do PIB, com a economia a crescer apenas 1,3%, pretendendo o Governo dar à economia menos dinheiro do que deu em 2022. 

Isso é o que pretende, porque, realmente, e até pelo que vai dizendo o ministro das Finanças, poderá existir um novo pacote de apoio em 2023 se as condições económicas se deteriorarem. Se na era de Mário Centeno, os orçamentos diziam uma coisa, para “gerigonça” ver, e o Governo fazia outra, muito mais restritiva, neste novo António Costa explicitam-se as prioridades das “contas certas” e faz-se um Orçamento restritivo com margem para ser expansionista.

Um crescimento nas mãos do exterior

Uma aterragem brusca da economia, gerando um mergulho do turismo, é o cenário mais pessimista que se pode prever neste momento e aquele que mais preocupa o Ministério das Finanças. O Governo escolheu fazer um Orçamento com uma previsão de crescimento de 1,3%, que apenas se pode considerar otimista à luz do que prevê o Fundo Monetário Internacional (0,7%). O Conselho das Finanças (CFP), que divulgou as suas perspetivas em Setembro, ao apontar para 1,2%, tem uma previsão que se pode considerar próxima.

O que é interessante na comparação entre a previsão do Governo e do CFP é revelar, também por esta via, que a política orçamental dá um impulso limitado ao crescimento económico. O Conselho liderado por Nazaré da Costa Cabral não conhecia ainda a proposta orçamental e as medidas a ela associadas e, como tal, não as integrou nas suas previsões. 

As previsões do Governo para o consumo público e o investimento são as componentes da despesa que se diferenciam de forma visível do que antecipa o CFP, o primeiro mais fundamentado em dados, o segundo mais em convicções do ministro das Finanças. 

As despesas com o pessoal aumentam 5,5%, refletindo as medidas de atualização de salários e carreiras, como se pode ler na proposta de Orçamento do Estado. A subida no consumo intermédio de 10,3% está relacionada com despesas enquadradas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com a subida dos preços da energia e com o reforço do Serviço Nacional de Saúde, também de acordo com o Governo.

Ou seja, o contributo que o Estado dá para o crescimento, através da política orçamental desenhada pelo Governo, com o consumo público a aumentar mais do que o PIB, está relacionado com uma evolução dos salários – que não repõe o poder de compra que os funcionários públicos perderam em 2021 –, com o PRR e com os efeitos inflacionistas da guerra na Ucrânia.

É no comportamento do investimento que se levantam as maiores dúvidas, por via da evolução recente e pelo ambiente de risco em que se vive. Em 2023, diz o Governo na sua proposta de Orçamento, “o crescimento assentará num maior dinamismo do investimento (3,6%), onde pontuará uma mais forte efetivação dos investimentos previstos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”. Reconhece, contudo, que o investimento empresarial poderá ter uma evolução menos positiva por causa da incerteza e do aumento dos custos de financiamento e dos materiais e equipamentos, na sequência das restrições que ainda existem nas cadeias de produção e distribuição. (Ver página 51)

O ministro das Finanças está convencido que os projetos ligados ao PRR vão entrar na sua fase de concretização em 2023, justificando assim a perspetiva que o Governo apresenta sobre a evolução do investimento. Para já, não é isso que se está a verificar, de tal maneira que o prudente Banco de Portugal deixa, nas entrelinhas, alertas sobre a baixa concretização do PRR, em 2022, abaixo do que estava previsto no Orçamento. Projeta, aliás, um crescimento do investimento de 0,8% este ano, muito abaixo do que antecipa o Governo. 

O investimento é, assim, uma das componentes da despesa interna que justifica mais interrogações. Se não forem os projetos públicos, associados ou não ao PRR, dificilmente se pode esperar uma grande dinâmica do setor privado, incluindo o da construção, uma vez que o setor será inevitavelmente afetado pela subida das taxas de juro.

Mas o maior risco destas previsões vem do exterior. Embora o Governo tenha bons argumentos para acreditar que Portugal está relativamente protegido de uma recessão, por causa da estrutura da sua economia, sabe que essa mesma característica também tem fragilidades.

O facto de Portugal ter uma economia basicamente de serviços, com um peso muito significativo do turismo, é o argumento para justificar a possibilidade de ficar imune à recessão. Como o choque na oferta tem origem na subida significativa dos custos da energia, o efeito mais forte cai sobre a indústria, especialmente a pesada e intensiva em gás. Daí que economias mais industrializadas e ao mesmo tempo dependentes do gás russo, como a alemã, sejam as mais afetadas.

O problema, para Portugal, é a segunda onda de efeitos. Com a recessão nos países de estrutura mais industrial virá também o desemprego, a perda do poder de compra, mais grave do que a gerada pela inflação e, como consequência, menos dinheiro para viajar. Sendo o turismo um setor que pesa entre 12 e 14% do PIB português, intensivo em mão de obra, uma quebra no setor tem poder para gerar uma recessão e abalar as contas públicas, quer por via do aumento da despesa com subsídios de desemprego, como por via da redução de impostos como o IVA e de contribuições para a segurança social. A promoção de Portugal como destino turístico em mercados ainda pouco explorados, ou mais protegidos da crise, é a estratégia que está a ser seguida pelo Governo.

Mas tem o Orçamento de Medina margem para acomodar um cenário de menos crescimento e de agravamento da crise? 

Sendo o turismo um setor que pesa entre 12 e 14% do PIB português, intensivo em mão de obra, uma quebra no setor tem poder para gerar uma recessão e abalar as contas públicas, quer por via do aumento da despesa com subsídios de desemprego, como por via da redução de impostos como o IVA e de contribuições para a segurança social.

A tática de gastar hoje para ter amanhã

Fernando Medina usou a tática, em geral pouco adequada, de gastar hoje para ter um mealheiro amanhã. Parte para 2023 com um excedente orçamental. E assim ganhou margem, ou uma “almofada” como diz o Presidente da República, para enfrentar a incerteza de 2023. E é isto que explica o otimismo do seu discurso e, em parte, aquilo que no Orçamento parece ser uma quadratura do círculo: com um mergulho do crescimento o défice diminui. Por isso é que para compreender o que é a proposta de Orçamento para 2023 é preciso olhar para 2022.

A inflação, que o Governo quis e conseguiu que fosse interiorizada como inesperada na maior parte do ano de 2022, gerou um aumento muito significativo da receita, sem o efeito equivalente nas despesas que mais pesam no Orçamento: os gastos com o pessoal e as prestações sociais. As receitas fiscais foram quase quatro mil milhões de euros superiores ao esperado, enquanto as despesas com prestações sociais subiram cerca de dois mil milhões de euros. O que se gastou com os salários da administração pública foi exatamente igual ao que foi orçamentado em abril.  

Este ganho fiscal oferecido pela inflação deu ao Governo a possibilidade de escolher entre apresentar um excedente orçamental ou avançar com apoios, gastando essa margem. E escolheu esta segunda opção. Os apoios às famílias e empresas assim como o cheque para os pensionistas e o pacote energético são basicamente pagos com os ganhos da receita fiscal, viabilizados pela inflação. Um ganho que permitiu também suportar a subida de custos de funcionamento da administração pública, nomeadamente de energia.

Os apoios, nas contas do Governo, agravaram o défice em 2,4 pontos percentuais do PIB (ver página 103). O que significa que Fernando Medina parte para 2023 com um excedente orçamental de 0,5% do PIB.  Contas feitas, o ministro das Finanças parte para 2023 com uma margem equivalente a 1,4% do PIB ou quase 3.500 milhões de euros, que pode gastar e chegar ao défice de 0,9% em 2023.

A escolha de gastar em 2022 para poupar para 2023 explica a confiança com que o Governo olha para o próximo ano orçamental, dando-se ao luxo de não ter praticamente medidas excecionais. Os subsídios, pode ler-se na proposta de Orçamento, “deverão apresentar uma quebra muito acentuada (-41,1%), influenciados pelo efeito base de 2022 resultante das medidas de apoio às empresas e à manutenção do emprego em vigor no decurso daquele ano”.

Nos dados que enviou para a Comissão Europeia (o “draft budgetary plan”) é aliás possível ver a anulação de boa parte dos gastos excecionais realizados este ano. O peso das medidas discricionárias que agravam o défice passa de 2,5% para 0,4% do PIB. 

Com esta tática o Governo evita vários riscos. Fernando Medina sacrifica a possibilidade de dizer que tinha tido “o segundo excedente da democracia”, mas evita o risco de passar de excedente para défice e, especialmente, minimiza a probabilidade de uma derrapagem orçamental. 

Uma almofada daquela dimensão, com o que ainda pode fazer em matéria de cativações e de investimentos que não se fazem, dá ao ministro das Finanças margem para cumprir a meta num cenário recessivo que não seja muito grave. Além disso, o Governo tem recursos para o caso de ser preciso avançar com mais medidas de apoio, sem arriscar uma derrapagem das contas que choque os investidores internacionais. É uma “navegação à vista”, como também lhe chamou o Presidente da República. Que aproveitou o prémio fiscal da inflação para antecipar toda a despesa em apoios, que era possível neste momento. E até para poupar estruturalmente dinheiro no sistema de pensões.

O grande prémio da inflação nas receitas…

A mão amiga da inflação a par de um crescimento igualmente acima do previsto desempenharam um papel determinante nas contas de 2022, permitindo lançar as sementes de 2023. Embora a variação dos preços projetada para o próximo ano possa estar subestimada – como parece estar e como recomendam as táticas de gestão de expectativas – dificilmente dará o mesmo contributo que deu este ano. Quer porque já não tem o elemento surpresa, quer porque o crescimento vai afundar, com um risco não desprezível de uma recessão.

O ministro das Finanças gosta de alertar que a inflação não trouxe apenas vantagens para os cofres públicos, também se traduziu num aumento de despesa. Mas a dimensão de um e outro são completamente diferentes como se percebe pela evolução da receita fiscal.

Entre aquilo que o Governo previa que entrasse nos cofres do Estado, em abril deste ano, e o que agora projeta, seis meses depois, há uma distância superior a quatro mil milhões de euros ou 1,8% do PIB. E entre 21 e 22 a receita fiscal saltou de cerca de 45,5 mil milhões de euros para quase 53 mil milhões de euros, mais de sete mil milhões de euros, um crescimento de 16% acima do que se perspetiva que seja a subida nominal do PIB (10,7%). O que significa que a carga fiscal aumentou, por via da inflação.

De forma pouco intuitiva, o maior contributo veio dos impostos diretos, que explicam um terço deste prémio fiscal inflacionista, que em menos de seis meses o Governo espera que entre nos cofres do Estado. O IVA, que se esperaria que tivesse uma subida mais acentuada do que a prevista na primavera, quando o Governo insistia que a inflação era temporária, acabou por surpreender relativamente menos.

A despesa, mesmo com a subida do encargos com a energia – que se refletem numa derrapagem de 5,9% nos consumos intermédios face ao previsto no Orçamento de 2022 -, esteve longe de acompanhar a entrada de mais dinheiro por via dos impostos. Aliás, se o Governo não apresentar um Orçamento retificativo em 2022 temos de concluir que tinha margem mais do que suficiente para acomodar um aumento de gastos induzidos pela inflação.

As outras despesas de maior dimensão, como os salários da administração pública e as prestações sociais, dependem da vontade do Governo. E, como se sabe, não houve para os funcionários públicos aumentos que corrigissem a perda de poder de compra. E a atualização das prestações depende ou de decisões discricionárias ou de regras ligadas à inflação passada. No caso das pensões, estas regras foram aliás suspensas pelo Governo para o ano de 2023. A meia pensão que os reformados receberão este ano reduzirá para metade o aumento que resultava das regras. 

… e a “santa inflação” na dívida

Mas é na evolução da dívida pública em percentagem do PIB que está uma autêntica lotaria de milhões oferecida pela inflação. Que promete continuar, enquanto os encargos com os juros evoluírem de forma muito mais lenta do que o PIB nominal (aquele que inclui a subida dos preços). Fernando Medina pode dar-se ao luxo de estabelecer como grande prioridade a descida do rácio da dívida pública, com toda a segurança e como um almoço grátis. Aquilo a que assistimos é um excelente exemplo para as vantagens da inflação para quem é devedor, com sacrifício dos credores e de todos os que não têm poder para aumentar os seus rendimentos.

Como se pode ler na proposta de Orçamento do Estado para 2023, a redução mais acentuada da dívida do que o previsto no Programa de Estabilidade e Crescimento, apresentado em abril,  deve-se “essencialmente à revisão em alta do crescimento do PIB nominal em termos acumulados”. É o milagre do denominador feito pela “santa inflação”.

A redução da dívida, de 125,5% para 115% do PIB, é totalmente alimentada pela subida do produto (12,2 pontos percentuais), que é até suficiente para compensar o aumento dos juros. Em 2023, o Governo não espera um efeito tão elevado do PIB para a redução da dívida, mas, ainda assim, é o que contribui mais. 

A redução da dívida, de 125,5% para 115% do PIB, é totalmente alimentada pela subida do produto (12,2 pontos percentuais), que é até suficiente para compensar o aumento dos juros. Em 2023, o Governo não espera um efeito tão elevado do PIB para a redução da dívida, mas, ainda assim, é o que contribui mais. 

Uma trajetória que tem um risco mínimo de não se concretizar, mesmo num quadro de recessão, já que a inflação se vai manter relativamente elevada, com os juros abaixo da subida dos preços. No próximo ano, os juros agravam a dívida em 2,5 pontos percentuais do PIB, com o Executivo a perspetivar uma subida da taxa de juro implícita de 1,9% este ano para 2,3%. 

Com este contributo da inflação, e como Fernando Medina tem feito questão de sublinhar desde a conferência de imprensa de apresentação do Orçamento, Portugal consegue afastar-se da Grécia e de Itália e juntar-se ao grupo de Espanha, França e Bélgica, mantendo, contudo, a posição de terceiro país mais endividado da Zona Euro. 

O regresso da despesa à pré-pandemia

É também em parte na inflação que está o segredo do controlo das despesas com o pessoal e com as prestações sociais, que mereceu do Governador do Banco de Portugal alertas para a necessidade de se regressar aos valores da pré-pandemia. Mário Centeno já pode ficar descansado que a inflação tornou este caminho mais fácil, à custa da perda de poder de compra dos funcionários públicos, dos pensionistas e de quem recebe apoios do Estado. No seu conjunto, tudo isto representa mais de 60% da despesa total do Estado, tornando estes gastos determinantes para um controlo estrutural das contas públicas.

Nas perspetivas para 2023, as prestações sociais, representando 18,1% do PIB, estarão já com um peso equivalente ao registado em 2019, o ano antes da pandemia. No próximo ano, o Governo prevê até gastar um pouco menos do que em 2022, o que está relacionado quer com a tática que seguiu nas pensões quer com perspetivas de manutenção de uma taxa de desemprego historicamente baixa.

As despesas com o pessoal registaram uma descida significativa entre 2021 e 2022, refletindo um aumento salarial de 0,9% que ficou muito aquém da inflação. Em termos globais, os funcionários públicos perderam o equivalente a um salário dos 14 que recebem anualmente. 

 

Os aumentos previstos para 2023 levam o Governo a prever que se mantenha o peso obtido este ano que, ainda assim, fica ligeiramente acima do melhor resultado obtido por este Governo, de 10,7% em 2018. Esta evolução significa, na prática, que aquilo que a administração pública vai gastar em salários vai crescer tanto como o PIB nominal do próximo, não se recuperando o que se perdeu em 2022.

Fernando Medina consegue assim reduzir o peso dos gastos com o pessoal na administração pública sem a dor que seria um corte nominal de salários, graças à inflação. O discurso de que a subida de preços era temporária, que marcou o debate do Orçamento de 2022, permitiu controlar os aumentos e recuperar o que a pandemia tinha feito perder.

As despesas com o pessoal constituem, com as prestações sociais, as iniciativas de política com efeitos nos gastos públicos. (Ver página 109). No seu conjunto, estas medidas de política orçamental, com impacto na despesa, representam 1,2% do PIB, pouco menos de metade dos quais atribuíveis à actualização salarial e de carreiras da função pública.

O investimento, agora é que é

O investimento público, que o Ministério das Finanças tem usado e abusado para ajustar os números do défice público aos seus objetivos, tem a promessa, mais uma vez, que que em 2023 é que será. É só com o que está previsto para 2023 que, no oitavo ano, o Governo de António Costa consegue atingir a média do investimento público realizado na era da troika. Mas teremos de esperar pela concretização, uma vez que também este ano se prometia a sua subida, sem que isso tivesse acontecido.

      

A proposta de Orçamento identifica a evolução do investimento como uma das razões para o aumento da despesa, por via da concretização “dos investimentos estruturantes e dos projetos no âmbito do PRR”, com destaque para a Educação, Saúde e Ambiente. E o ministro das Finanças, na apresentação do Orçamento, dia 10 de outubro, apontou igualmente os projetos públicos como um dos elementos da prioridade de reforço de promoção do investimento, a par das medidas para as empresas. 

A ferrovia, com a maior fatia, a expansão da rede de Metro e a aquisição de carruagens e barcos absorvem quase 70% do investimento público previsto para 2023. A seguir aos transportes e à mobilidade em geral, é a Defesa que tem a mais elevada dotação. A Educação, depois de aparentemente concretizada a “Escola Digital”, vê as suas verbas diminuírem. 

Como se reduz o défice público?

Com o seu primeiro Orçamento a receber o bónus da inflação em 22, Fernando Medina aponta para uma descida do défice em 2023 sem o contributo da receita fiscal. Nas contas do Governo, as receitas dos impostos deverão diminuir o seu peso, agravando o défice orçamental. Uma inflação superior à esperada, com o mesmo crescimento, poderá trocar o sinal destas contas. 

Se excluirmos as despesas e receitas de capital, os principais contributos para a redução do défice chegam das prestações sociais e dos subsídios. Neste caso, é um crescimento inferior ao previsto, com aumento do desemprego, que pode levar ao efeito contrário. Além disso, não é de excluir que o Governo aprove novos apoios no próximo ano, para mitigar os efeitos da guerra.

Também em 2022 o Governo prometia reduzir o défice com menos subsídios e prestações sociais, enquanto o agravava com investimento e menos impostos. Na realidade, o que mais contribuiu para diminuir o desequilíbrio orçamental foi a receita fiscal. Não é de excluir que o mesmo possa acontecer este ano, caso a previsão de inflação se revele otimista.

Dívida e empresas, as prioridades

Reduzir a dívida pública é a prioridade de Fernando Medina, submetendo todas as medidas a esse objetivo. É o foco que o ministro das Finanças está a dar à sua política orçamental, num discurso explícito que se diferencia do passado e marca a sua mensagem desde que tomou posse. Portugal, diz, deverá ser o terceiro país que mais reduz a dívida pública. Passou definitivamente o tempo em que António Costa tinha de disfarçar o que estava a fazer em matéria orçamental e as “contas certas” são agora a agenda assumida do Governo.

Depois desta explícita adesão aos princípios da disciplina orçamental, que começou com a maioria absoluta, a grande novidade de 2023 é a prioridade dada às medidas de apoio às empresas.  

A redução do IRS, com o aumento do mínimo de existência, a atualização dos escalões em 5,1% que não compensa o que se perdeu em 2022 — e a diminuição da taxa do segundo escalão de 23% para 21% são as únicas medidas realmente novas para as famílias. A que se junta, obviamente a valorização salarial da administração pública, também ela sem compensar as perdas deste ano.

Todas as outras medidas correspondem a reforçar o que já existia – como o IRS jovem, o aumento do abono de família ou a gratuitidade das creches. Mesmo o chamado “benefício fiscal à valorização salarial”, que se traduz numa redução do IRC para as empresas que aumentem o salário médio em 5,1%, é, na prática, um benefício para as empresas. 

Entre os benefícios para as empresas destacam-se o reporte de prejuízos que passa a não ter limite temporal, o alargamento da taxa reduzida de IRC a mais empresas (passa a ir até aos 50 mil euros de lucros tributáveis). As medidas em matéria de IRC são tantas que é difícil perceber qual a empresa que não vai beneficiar de uma diminuição de impostos. O mistério é que o Governo apenas quantifica o efeito de duas, designadamente o incentivo fiscal à recuperação e a majoração em IRC dos gastos com energia, fertilizantes e rações, admitindo-se que os efeitos se façam sentir apenas em 2024.

Pela primeira vez em oito anos, o Governo dá prioridade às empresas, embora o Orçamento tenha a marca habitual de falta de medidas estruturais e de aproveitar bem as oportunidades que a conjuntura oferece. E a conjuntura abençoou António Costa com a inflação, o melhor amigo da dívida. As “contas certas” ganham correções estruturais e uma acentuada queda da dívida à boleia da inflação.

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