Vários idosos debilitados fisicamente, ora de bengalas, ora de cadeira de rodas, entraram numa Toyota Hiace e foram depois conduzidos do lar de idosos de Santa Joana para a sede do PSD local, na Avenida dr. Lourenço Peixinho, uma das mais movimentadas de Aveiro. Foram dezenas de militantes transportados pela mesma carrinha. Tudo se passou na terça-feira, 7 de janeiro, pouco depois da abertura das urnas para as eleições da concelhia do PSD/Aveiro, que opuseram o vice-presidente da distrital, Vítor Martins, e Firmino Ferreira. Vítor Martins venceu as eleições por 39 votos, num universo de 553 votantes. Problema: Vítor Martins, o candidato vencedor, é o proprietário da carrinha e também exerce funções similares às de diretor operacional no lar de idosos, onde são utentes os militantes transportados (a IPSS ASAS Santa Joana). O caso foi denunciado pelos opositores, mas os apoiantes da lista de Vítor Martins também se queixam do outro lado — e dizem que foram utilizados meios da autarquia de Aveiro por parte da lista derrotada.

As eleições na concelhia de Aveiro aconteceram a quatro dias das diretas do PSD e numa altura em que a contagem de espingardas é decisiva para o resultado final, o medir de forças estava a ser olhado com atenção por quem tem tudo em jogo neste sábado, para perceber quem estava a ganhar mais força (e a ter uma tendência positiva) em Aveiro. A lista A era liderada por Vítor Martins, presidente da concelhia nos mandatos anteriores e vice-presidente de Salvador Malheiro na distrital — uma lista constituída por apoiantes de Rui Rio. Já a lista B, liderada por Firmino Ferreira, presidente da junta de freguesia de Oliveirinha, Aveiro era constituída por apoiantes de Luís Montenegro.

E são precisamente os apoiantes de Montenegro em Aveiro — cidade onde o candidato encerra esta sexta-feira a candidatura — quem acredita que o transporte de idosos do lar foi fundamental para a vitória de Vítor Martins. As mesmas fontes falam em perto de uma centena de militantes transportados, mas as imagens (fotografias e vídeos) às quais o Observador teve acesso permitem ver apenas algumas dezenas de militantes.

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Nas imagens é possível ver uma carrinha Toyota Hiace a carregar idosos à entrada do lar, bem como à saída da sede. Relatos de militantes no local confirmam que aquelas pessoas foram às urnas entre as 14h00 e as 16h00 de terça-feira. As pessoas de cadeira de rodas não chegaram a sair da carrinha e, naquilo que é uma prática habitual, a urna é que desceu do primeiro andar do edifício, onde está a sede do partido. Já as pessoas de bengalas — que se deslocam com mais dificuldade, mas conseguem andar — subiram as escadas com apoio de outras pessoas. Restava então saber de que candidatura era a responsabilidade daquele transporte de idosos: se da lista A, se da lista B.

Através do registo automóvel, o Observador conseguiu confirmar que o proprietário atual da carrinha que fez o transporte de militantes é Vítor Martins, pelo menos desde setembro de 2010.

Registo de propriedade do veículo consultado pelo Observador a 9 de janeiro de 2019

O Observador tentou contactar Vítor Martins ao longo do dia de quinta-feira quer pelo telemóvel, quer pelo local de trabalho (o próprio lar de idosos de Santa Joana, em Aveiro).

Na primeira tentativa de contacto, a funcionária do ASAS que atendeu o telefone disse que ia passar a Vítor Martins e confirmou que o mesmo tinha funções de direção. Após um tempo em espera, a mesma funcionária disse que, afinal, não conseguia contactar Vítor Martins e recusou-se, desta vez, a dizer o cargo que o líder do PSD/Aveiro tem no lar: “Isso terá de ver com ele. Deixe o número que ele depois liga.” Não ligou. O Observador tentou depois várias vezes contactar Vítor Martins para o telemóvel pessoal e ligou diversas vezes para a IPSS, mas já ninguém atendeu.

Apoiantes da lista vencedora acusam opositores de utilizarem meios da autarquia

Mas os apoiantes da lista A também têm queixas e vão exigir a faturação detalhada a três membros da autarquia que terão estado envolvidos na campanha da lista B (o vice-presidente Jorge Ratola, o vereador João Machado e o assessor Simão Santana), uma vez que os acusam de fazer chamadas e enviar SMS de números de telefone da autarquia, pagos pelos contribuintes. Alguns desses membros da lista A, sabe o Observador, estão neste momento a equacionar apresentar queixa no Ministério Público.

Militantes do PSD de Aveiro que apoiaram Vítor Martins acusam Jorge Ratola de enviar esta mensagem no dia 6 de janeiro, às 12h25, de um número da autarquia.

Já fonte próxima da candidatura de Firmino Ferreira nega ao Observador que tenham sido utilizados os telemóveis da autarquia e diz que a lista B contratou uma empresa, a TikySMS, para esse serviço, de onde foram enviadas “mais de mil SMS”. A maior parte do contacto com os militantes, diz a mesma fonte, foi feita dessa forma.

O Observador teve acesso a documentação que demonstra que através deste serviço foram enviados 1949 SMS para militantes e também acesso à fatura de aquisição do serviço, feita a título individual por Simão Santana, e que teve um custo de 40 euros. O que prova que esse serviço foi, de facto, contratado (mas não garante que não tenham sido utilizados também meios da autarquia).

Quem é Vítor Martins e quanto valiam estas eleições?

Vítor Martins foi presidente da junta de freguesia de Santa Joana, uma das dez do concelho de Aveiro. Nas eleições de terça-feira foi eleito para um terceiro mandato à frente da concelhia de Aveiro, estando alinhado com o presidente da distrital, Salvador Malheiro. Vítor Martins é, aliás, vice-presidente eleito nas listas de Malheiro. É, por isso, com naturalidade, apoiante de Rui Rio.

Na concelhia de Aveiro o PSD está dividido: de um lado Vítor Martins, do outro militantes próximos do presidente da câmara, Ribau Esteves, e do seu vice-presidente, Jorge Ratola. Apesar de Ribau ser a figura mais conhecida da fação, é Jorge Ratola, o seu número dois na autarquia, o mandatário distrital de Luís Montenegro em Aveiro. Vítor Martins é assim um apoio importante de Rui Rio na concelhia e na distrital de Aveiro. Salvador Malheiro, com o apoio de Vítor Martins, tem conseguido afastar da liderança do PSD/Aveiro os apoiantes de Luís Montenegro.

Nas últimas eleições legislativas, Vítor Martins era o número três na lista de Aveiro, estando num lugar mais do que elegível. No entanto, pouco depois de ser anunciado nas listas, abandonou a lista e garantiu que o fez por “questões pessoais” e não por contestação interna.

A lista que venceu as eleições na última terça-feira, 7 de janeiro.

O presidente da câmara de Aveiro, Ribau Esteves, não se envolveu na contenda mas colocou um homem da sua confiança, o vice-presidente Jorge Ratola, a apoiar Firmino Ferreira. Além disso, a lista também contou com o apoio de Catarina Barreto, presidente da junta de freguesia de Aradas e candidata a membro da assembleia de secção, de Ângela Almeida, presidente da junta de freguesia de Esgueira e candidata à comissão política, de Vítor Marques, presidente da junta de freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, Couto e São Gregório, e de Nélson Santos, presidente da junta de freguesia de Cácia. Todos estes apoiantes da lista B estão na mira da lista A.

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De olho nas diretas na quarta distrital mais importante

Os apoiantes de ambos os lados temem que neste sábado, dia de eleições diretas, volte a acontecer o mesmo tipo de práticas, já que tudo deverá ser decidido voto a voto. Aveiro é a quarta maior distrital em termos de quotas pagas, com 4320 militantes em condição de votar. A concelhia de Aveiro é a segunda maior do distrito com 557 militantes no caderno eleitoral para as diretas, só batida pelos 890 de Santa Maria da Feira. As concelhias estão partidas ao meio entre Rio e Montenegro.

O distrito vale quase 11% do total nacional e tem uma importância simbólica. O diretor de campanha de Rui Rio, Salvador Malheiro, é o líder distrital e é de Ovar. Do outro lado, o candidato Luís Montenegro é de Espinho, querendo fazer boa figura no próprio distrito.

No caso de Santa Maria da Feira, o presidente da concelhia e presidente da autarquia, Emídio Sousa, foi reeleito em dezembro com 92% dos votos e é o mandatário concelhio de Montenegro, mas António Topa (apoiante de Rio) continua a ter muitos votos. A concelhia vai estar dividida. Em Aveiro, igual.

Em Ovar, a terceira maior concelhia, Salvador Malheiro já não tem o peso de outros tempos depois de arrufos com Pedro Coelho, o líder concelhio, e com Henrique Araújo. Guerras que começaram ou se agudizaram aquando da elaboração das listas de deputados à Assembleia da República.

Já em Espinho, Luís Montenegro teve o apoio do presidente da autarquia, Pinto Moreira, e a concelhia declarou-lhe apoio unânime. Apesar disso, houve duas listas para a concelhia, o que demonstra que — mesmo que a maioria dos votos caia para o espinhense — há mais do que uma sensibilidade interna. Segue-se Vagos como quinta maior concelhia do distrito, onde o presidente da autarquia, Silvério Regalado, é um dos principais players de Luís Montenegro no distrito.