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Lei Tutelar Educativa vai ser revista por vontade de quatro partidos
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Lei Tutelar Educativa vai ser revista por vontade de quatro partidos

AFP/Getty Images

Lei Tutelar Educativa vai ser revista por vontade de quatro partidos

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Aos olhos da sociedade são meninas. Aos olhos da lei são criminosas

Um terço dos jovens entre os 12 e os 15 anos identificados pela polícia são do sexo feminino. PSP diz que redes sociais são, por vezes, a origem dos conflitos. E o álcool o desinibidor.

O processo foi considerado urgente e o inquérito fora concluído em plenas férias judiciais. Na origem esteve um vídeo que, em maio de 2011, circulou pelo Facebook. As imagens mostravam duas raparigas de 15 e 16 anos a agredir com violência uma outra, de 13. Mais do que puxões de cabelo, houve pontapés violentos. Um rapaz filmava, outros assistiam. A lei ditou um destino diferente a cada um: a rapariga de 15 anos foi internada num centro educativo, ao abrigo da Lei Tutelar Educativa agora em revisão. Cinco outros, entre eles uma rapariga de 16 anos, foram condenados a penas entre um e dois anos e nove meses de cadeia. Segundo as autoridades, uma em cada três ocorrências na área da PSP com menores de 16 anos têm como suspeitas raparigas. Na área da GNR, a cada dois dias é identificada uma menina suspeita de crime.

O caso mediatizado em 2011 foi investigado por iniciativa da própria PSP, quando tomou conhecimento do vídeo. Em julho de 2011, o Tribunal de Família e Menores de Loures aplicava uma pena de internamento a uma das agressoras, a de 15 anos. Os restantes seis suspeitos já tinham idade (mais de 16 anos) para serem julgados ao abrigo do Código do Penal. E foi o que aconteceu em janeiro de 2012. O autor do filme, que o divulgou em redes sociais, e a rapariga de 16 anos ficaram em prisão preventiva. A acusação falava em crimes de ofensa à integridade física e roubo. Só um dos seis arguidos foi absolvido. Os outros cinco foram condenados a penas entre um e dois anos e nove meses de cadeia. A rapariga foi a mais penalizada. As penas foram suspensas em troca de trabalho voluntário em associações contra o crime violento. E sob a promessa de que voltariam a estudar.

Roubo e ofensas à integridade física. São estes os crimes que mais registos acumulam na PSP e na GNR quando se fala em delinquência juvenil. De acordo com dados fornecidos ao Observador, PSP e GNR registaram em 2013 um total de 1940 participações criminais, cujos suspeitos tinham entre os 12 e os 15 anos. O que significa uma média de cinco ocorrências por dia. Na sua área de atuação, a GNR identificou 1134 menores, 196 (17%) eram meninas. Não houve detidos. Já na da PSP, há registo de 123 menores detidos. A lei prevê apenas detenção quando estão em causa crimes mais graves, puníveis com penas superiores a três anos.

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Investigadoras da Universidade do Minho, que estudaram a problemática da delinquência juvenil, acreditam que, fora dos números oficiais, não haja assim tanta diferença de géneros na prática do crime. “Em Portugal, os rapazes entram mais facilmente no sistema do que elas. Há um maior cuidado com as meninas e chega a haver uma atitude paternalista por parte dos polícias e até, dos tribunais”, afirma ao Observador a socióloga Vera Duarte, co-autora do livro “Violências e Delinquências Juvenis Femininas” publicado recentemente pela Universidade do Minho.

delinquencia

O livro sobre o fenómeno da delinquência juvenil no feminino

A PSP, no entanto, garante que o tratamento não é distinto. “Quando as condutas constituem crime são tratadas de igual forma. Um rapaz que agride ou injuria outro é tratado como uma rapariga que faça o mesmo”, diz ao Observador o subintendente Hugo Guinote, da Divisão de Prevenção Pública e Proximidade da PSP. No entanto, admite, “eventualmente por uma questão cultural, alguns comportamentos das raparigas que não sejam crime podem ser mais desculpabilizados”. E os que correspondem a crimes, podem muitas vezes não chegar ao conhecimento da polícia por causa desse “paternalismo”.

“Os nossos dados estão no alinhamento daquilo que acontece um pouco por todo o lado, 2/3 rapazes e 1/3 raparigas. Mas admito que isso também possa ter a ver com as denúncias que chegam às autoridades. E isso não tem a ver com as forças policiais”, defende o operacional.

“O aconselhamento moral” a cada vez que uma menina é levada para um posto policial e mandada para casa “para se portar melhor” não acontece tanto com os rapazes. Por outro lado, “quando há aplicação de penas, elas são mais pesadas quando o suspeito é do sexo feminino”, explica a socióloga Vera Duarte, que assina o livro com a antropóloga Manuela Ivone Cunha. “Porque a transgressão é vista como duplamente desviante: a transgressão e o desvio daquilo que se exige da mulher”, acrescenta.

Entre setembro de 2013 e março de 2014 (os dois primeiros períodos escolares), a PSP registou 3007 ocorrências criminais e não criminais no âmbito do programa Escola Segura. Significa uma média de 16 casos por dia. Em 1056 ocorrências, estiveram envolvidas raparigas. “Existem estudos que dizem que os rapazes têm uma criminalidade mais associada à violência física e as raparigas uma criminalidade mais psicológica, mas este conceito não é estanque e tem sofrido algumas alterações nos últimos anos. Agora já não é tanto assim”, refere Hugo Guinote.

Redes sociais, tabaco e álcool

De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, o fenómeno da delinquência juvenil desceu entre 2012 e 2013. Os 1940 casos registados pela PSP e GNR são menos 95 que no ano anterior. Em números percentuais fala-se de 4,67%. Mas quando se analisa a franja no feminino, a realidade operacional parece não acompanhar a tendência.

Para o operacional da PSP, estes números devem-se ao “aumento do consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas que têm estado na origem destes comportamentos. Pelos contactos que vamos tendo nas escolas, vamos percebendo que estes comportamentos das raparigas são uma tendência crescente. E o álcool pode funcionar como desinibidor para a prática de violências”, revela.

Também “as redes sociais  têm uma maior facilidade no surgimento de conflitos, sobretudo entre elas”, diz Hugo Guinote, lembrando que, desde 2006, com a introdução do policiamento de proximidade “tornou-se cada vez mais importante perceber a origem dos comportamentos para poder preveni-los, uma componente mais preventiva”.

"Percebemos que nas redes sociais o tipo de criminalidade é dificil de monotorizar, as denúncias que nos chegam são muito baixas.
Subintendente Hugo Guinote

E acrescenta. ” A injúria, a maledicência acabam por ser causadoras de conflitos, o ciberbullying, o bullying em si, requer algumas especificidades que nem sempre preenche os requisitos de um crime. Mas as suas consequências podem levar a excluir pessoas, a torná-las depressivas, fazê-las entrar num circuito de vivências que depois é mais difícil sair”, refere o polícia.

A psicóloga Sónia Seixas, num trabalho de investigação sobre a temática do “Bullying“, refere que a  “questão não se coloca tanto ao nível de saber se um género sexual é mais ou menos agressivo do que o outro”. Mas é uma questão de fisionomia: as raparigas, sendo fisicamente mais fracas, desenvolvem outras formas de entrar em conflito, já os rapazes usam mais a forma física. Outros estudos concluem que os rapazes tendem “a magoar os seus pares através da agressão verbal e física (direta)” enquanto as raparigas tendem a ferir com as palavras, com os insultos.

Vera Duarte partiu deste princípio quando fez um trabalho de investigação no terreno, para fazer a sua tese de doutoramento. Entrevistou 19 raparigas, entre os 14 e os 18 anos, alvo de medidas tutelares educativas. “Todas elas praticaram ilícitos antes dos 16 anos, mas como o sistema é moroso só foram punidas depois”, explica. E apercebeu-se que “há uma grande heterogeneidade nas origens das menores e nos crimes”.

No final de junho havia 27 raparigas internadas em centros educativos

Milton Cappelletti

Nos dados estatísticos da PSP, relativamente aos primeiros seis meses do último ano letivo escolar, o crime mais praticado pelos jovens entre os 12 e os 16 anos é o roubo na rua. Segue-se a agressão, a ameaça e coação e o roubo por esticão. Na área da GNR, os números não divergem muito. Os crimes contra as pessoas representam mais de metade das 828 participações criminais feitas por aquela força durante 2013 (249 participações por agressão e 63 por ameaça).

A socióloga Vera Duarte concluiu, na sua amostra, que no sexo feminino, também há a prática de crimes de agressão e roubo, não muito diferentes dos rapazes, as motivações é que são diferentes. A investigadora concluiu que podem estabelecer-se quatro percursos diferentes na delinquência juvenil no feminino:

1. As meninas que cometem crimes na sequência de “atos de difamação“. Normalmente, conclui a socióloga, são vítimas de maus-tratos em casa, vivem em famílias desestruturadas. “Vivem muito na rua e têm aquele sentimento de angústia e de revolta que as faz recorrer à violência”, refere.

2. As jovens que não são vítimas mas que são rebeldes. “Fazem-no pela adrenalina, pela aventura da própria agressão”. Embora, ressavalva Vera Duarte, possam também misturar-se “com o percurso anterior”.

3. As raparigas que entram na delinquência juvenil por influência “dos amigos, dos namorados ou, até da dependência de drogas”. Embora a socióloga admita que o tráfico de droga não é tão verificado entre o sexo feminino.

4. A “transgressão circunstancial“. As raparigas que estão “no sítio e hora errados”. São apanhadas sem terem, de facto, uma “identidade desviante”. Muitas delas são levadas por outras pessoas sem se aperceberem.

A Lei Tutelar Educativa prevê detenção de menores quando os crimes são puníveis com mais de três anos

Getty Images

Do trabalho de campo que fez, a socióloga refere que há algumas “particularidades” na transgressão feminina. “Quando falamos com estas jovens, percebemos que mantêm um discurso colado ao papel de género tradicional. Estão preocupadas com as suas tarefas como mães ou como possíveis mães. Ou então a questão de terem a preocupação de dizer que a mãe ficou triste, porque esperava isso do filho e não da filha”, explica.

No Reino Unido, um relatório do Centro de Justiça Social revelou que há gangues de criminosos que estão a usar raparigas para as explorar sexualmente. Há ainda quem as utilize como a “cara” no negócio de tráfico de droga. “Tendem a ser instrumentalizadas por esses grupos”, diz Vera Duarte. Porque dão menos nas vistas das autoridades. Portugal está longe dessa realidade. Aliás, o próprio subintendente Hugo Guinote, da PSP, recusa afirmar que, por cá “existam gangues” na mesma concepção que existe, por exemplo, nos Estados Unidos da América.

Crimes que não escolhem classe social

Contudo, explica a investigadora da Universidade do Minho Vera Duarte, ” alguma realidade europeia e internacional tem mostrado que as raparigas têm aparecido com gangues próprios, a liderar o tráfico de droga, por exemplo, a par dos rapazes”. Da sua experiência, a socióloga retira que “a criminalidade em Portugal é menos violenta e que as raparigas tendencialmente praticam crimes com outras raparigas”, explica. Já em contextos mais desfavorecidos, “a aprendizagem é feita numa linha matriarcal. As mães ficam a liderar o negócio de família e as jovens acabam por aprender”, refere.

Não significa, por isso, que a criminalidade seja um problema associado aos grupos mais desfavorecidos. E aqui Vera Duarte é ainda mais crítica. “Também há raparigas de classe média e alta. Mas não entram no sistema. É uma fação invisível. Como o consumo de droga, só se apanham os jovens do bairro, que andam na rua”, afirma. E dá como exemplo inquéritos de delinquência auto-revelada feitos nas escolas. Aqui as percentagens rondam os 50% para ricos e pobres, rapazes e raparigas. “Não são só os negros, não são só os rapazes. Estes inquéritos ajudam-nos a desconstruir as realidades que vamos construindo através dos media e da análise estatística”, defende.

Lei Tutelar Educativa vai ser revista e Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais está a estudar a reincidência

A Lei Tutelar Educativa, aplicável a menores entre os 12 e os 15 anos que tenham cometido crimes, está neste momento a ser alvo de uma revisão. No parlamento há quatro propostas diferentes. Os projetos de lei do PSD e do PS pevêm um aumento de três para seis meses da duração mínima da medida de internamento de jovens. Já as propostas do CDS e do PS querem introduzir o cúmulo jurídico, ou seja a soma das penas, nesta lei.  O PCP quer equipas multidisciplinares que tentem trabalhar na reinserção dos jovens. A votação da lei na espcialidade chegou a estar agendada, mas, segundo apurou o Observador junto de fonte parlamentar, foi decidido criar um grupo de trabalho para ouvir mais entidades.

Reinserção é também a palavra de ordem para a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que tem em mãos um projeto para estudar as “Reincidências”. Um dos objetivos do “Projeto Reincidências” é avaliar fenómenos como a delinquência juvenil. A PSP aproveitou os critérios deste projeto para analisar os dados estatísticos no âmbito da Escola Segura. Em seis meses percebeu que um só jovem foi identificado em 28 ocorrências. Enquanto 20 dos que identificados foram-no em, pelo menos, cinco ocorrências.

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