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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Apagar emoções, pessoas 15% mais espertas e super-futebolistas. Não é ficção, já há tecnologia para tudo isto

Tecnologia que apaga emoções de memórias, nos deixa 15% mais inteligentes e enche o cérebro com esteroides. A neurocientista Vivienne Ming, uma das mulheres referência de Silicon Valley, explica como.

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Neurocientista, tecnóloga e empresária nomeada pela revista Inc. como uma das 10 mulheres a manter debaixo de olho na indústria tecnológica (2013), Vivienne Ming não tem medo de apontar o dedo a pesos pesados como Mark Zuckerberg (Facebook), Jeff Bezos (Amazon) ou Elon Musk (Tesla e Space X). Alta e muito loura, espera-nos numa das recém-estreadas salas da Nova School of Business and Economics, em Carcavelos, para o arranque da SingularityU Summit — evento internacional que aquela universidade, a Beta-i e Câmara Municipal de Cascais trouxeram para Portugal. A meio, explica que é uma exceção à regra entre os colegas: “A maior parte da inovação falha e uma boa parte dela faz exatamente o oposto daquilo que era suposto fazer”. Fã de ficção científica, diz que a forma como a tecnologia está a modificar as competências do nosso cérebro não é ficção. É a realidade. E que, apesar de não querer viver num mundo onde muito em breve podem existir dois tipos de humanos — no qual um é 15% mais esperto do que o outro —, prefere estar sentada na mesa onde todas estas decisões estão a ser tomadas. E ter voz.

Cofundadora da startup Socoss Lab — quinta empresa que já lançou e que recorre ao machine learning, análise de dados, inteligência artificial e neurociência para explorar o futuro do potencial humano —, faz parte do conselho de administração de mais oito startups tecnológicas e é frequentemente citada em publicações de renome como o Financial Times, o New York Times ou a Atlantic. Antes das aventuras empresariais, foi investigadora na Universidade de Berkeley, nos EUA, onde aprofundou os estudos em neuroprostética cognitiva. Ativista pela igualdade de género na indústria tecnológica e pelos direitos LGBT, recusou o convite para ser cientista chefe da Uber e não tem dúvidas de que para atrair e manter mulheres na indústria é preciso pôr o assunto “assédio sexual” em cima da mesa.

Sobre polémicas como a que envolveu a empresa de análise de dados britânica Cambridge Analyitca e o Facebook, diz que não se dá “por muito por satisfeita com desculpas como ‘como é que podíamos ter sabido?'” e lança o desafio: “Tenho simpatia mínima pelas pessoas que só falaram depois disto se saber, incluindo os primeiros investidores do Facebook, os executivos de topo ou os fundadores do Instagram. Se realmente acreditam que se enganaram em relação ao Facebook, então que devolvam o dinheiro que ganharam ou que o doem a organizações que estejam a tentar resolver estes problemas“.

Se acha que ter uma app no telemóvel na qual pode decidir que áreas do cérebro estimula em cada momento é cenário de filme de ficção, pense duas vezes. Para Ming, isto é tão possível como o seu contrário. Por já existirem pessoas “a trabalhar numa tecnologia que consiste em retirar as emoções do cérebro”, está a escrever um conto que projete uma sociedade na qual as pessoas se relacionem sem sentirem amor. “Vamos assumir que as pessoas realmente vão conseguir manter relações sem emoções, então, o que é que as sustentaria?”

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Vivienne Ming esteve em Cascais para participar na SingularityU Summit, promovido pela Beta-i, a Câmara Municipal de Cascais e a Nova School of Business and Economics

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“O mais provável é virmos a ter um mundo onde há um pequeno grupo de pessoas que tem dispositivos no cérebro. Não sei se esse é o mundo no qual quero viver”

Tecnologia e cérebro: está para breve o dia em que vão ser um só?
Já existem algumas tecnologias nesta área e as mais comuns são os implantes que fazem uma coisa a que chamamos “estimulação cerebral profunda” que serve para tratar doenças como o Parkinson ou a depressão. E é incrível a quantidade de coisas para as quais este tratamento serve. Tenho alguns amigos que estão a trabalhar em empresas que estão a testar outros implantes, capazes de dar visão parcial a invisuais. Talvez a coisa mais entusiasmante, da qual se fala agora, sejam as neurotecnologias que interferem com o cérebro e que ajudam as pessoas a mexer membros através da imaginação, quando imaginam que estão a movê-los. Isto é aplicado em pessoas estão profundamente paralisadas e o que acontece é que o seu córtex motor é lido e interpretado por um computador, que depois movimenta uma prótese robótica. As pessoas andam a experimentar isto há dez anos. Está a ser feito algum trabalho avançado para tentar perceber  se esta tecnologia também pode ser usada para ajudar pessoas profundamente paralisadas a moverem os seus próprios membros.

Agora, há outras questões relativas a este tema que estão na minha área de investigação: podemos colocar implantes no cérebro para tornarmos as pessoas cognitivamente mais espertas? Já há pessoas que estão a fazer este trabalho e não é apenas em laboratório. Há startups a trabalhar nisto. Estou a trabalhar com uma que tem estado a lidar especificamente com a memória de trabalho [tipo de memória a curto prazo que está ligada à perceção imediata e consciente do que está a acontecer], que define a atenção que dás a determinada coisa em determinado momento ou a capacidade de seguires a complexidade de uma discussão.

O que é que essa startup faz ao certo?
Há algumas startups a atuar em áreas semelhantes e muitas delas estão a trabalhar na indústria profissional dos videojogos. Há muito dinheiro na indústria dos jogos de computadores profissionais, na qual procuramos pequenas vantagens. É um trabalho que também estamos a fazer no desporto. Por exemplo, estou a trabalhar num projeto na liga alemã de futebol, para sabermos como otimizar a performance dos jogadores de futebol. Eles não podem usar este tipo de aparelhos em campo, mas na indústria dos videojogos ainda não há regras.

Como funciona esse trabalho com os jogadores?
Neste caso, trata-se de uma tecnologia não invasiva, o que significa que não é preciso pôr literalmente fios no cérebro de alguém. São bandoletes vestíveis. Pensa na memória de trabalho como algo que faz parte do teu lobo frontal e que é capaz de exercer controlo sobre o resto do teu cérebro. O que as pessoas estão a experienciar quando usam isto é a estimulação de duas regiões do cérebro e essa estimulação está a ser gravada. Neste caso, utilizamos muitas vezes uma tecnologia que sincroniza a atividade entre o lobo frontal e a parte detrás do cérebro. E ao fazerem isto descobriram, essencialmente, que a memória de trabalho das pessoas aumenta 15%.

"Se conseguirmos tornar estas tecnologias invasivas e fazer mudanças significativas, muito rapidamente vai poder haver um segmento da humanidade que olha para outro segmento não com maldade, mas como se achasse que as pessoas têmSíndrome de Down e não são competentes o suficientes para fazerem julgamentos por si próprios. Noutras palavras, muito depressa teríamos dois tipos de humanos muito diferentes. E podemos não conseguir voltar atrás"

E isto depois melhora a capacidade em campo?
A ideia é esta: com um aumento de 15% na tua memória de trabalho, consegues ver mais do que se está a passar no ecrã à tua frente, podes processar a informação de uma forma mais rica. Quando as pessoas com uma memória de trabalho padrão são comparadas com este grupo, o grupo com estes 15% extra tem resultados muito melhores em testes educativos, ganham 15 a 30% mais de esperança de vida, é muito provável que vivam mais: pessoas com uma memória de trabalho melhor tender a tomar melhores decisões relativas a sua dieta, por exemplo, comem melhor e ficam menos sobrecarregados com algumas coisas, logo são menos induzidos a ter maus comportamentos.

Como seria o mundo se todos pudéssemos usar este tipo de tecnologia?
Devemos ser muito claros em relação a algumas coisas: uma delas é que tudo isto se trata de uma tecnologia que está muito no início e que há pessoas que estão dispostas a experimentá-la. São esteroides para o cérebro e não sabemos que consequências é que esta utilização terá no longo prazo. Muito provavelmente, não serão boas. Pessoalmente, não me interesso nada por futebol ou por jogos de computador, estou a ajudar a desenvolver estas tecnologias para que possa utilizá-las em crianças com lesões neurológicas traumáticas. Quando se sofre um trauma cerebral, um dos principais sintomas principais é o défice na memória de trabalho. Isto é uma oportunidade para, pelo menos durante algum tempo, tipo 15 ou 20 minutos por dia, ser dado a estas crianças a possibilidade de voltarem a ser aquilo que eram na escola, quando estavam a estudar. Para poderem voltar a viver isso.

No longo prazo, não falamos apenas de tecnologias vestíveis como estas bandoletes, falamos de tecnologias invasivas. Na minha universidade, existem umas pequenas nanomáquinas que podem interagir diretamente com o cérebro, podes colocar milhares delas nas três dimensões do cérebro, o que em teoria abre a porta para tremendas possibilidades. Agora, isto vai ser um presente muito bom que os pais mais ricos vão poder dar às suas crianças ou trata-se de fazer um ranking humano? Imagina uma vacina… Não tens de a tomar se não quiseres. A verdade é que um aumento de 15% em duas grandes esferas da população vai fazer com que elas comecem rapidamente a divergir. Os seus rendimentos vão ser diferentes, as expectativas de vida vão ser diferentes e tudo isto acontece só com esta diferença de 15%.

Se conseguirmos tornar estas tecnologias invasivas e fazer mudanças significativas, muito rapidamente vai poder haver um segmento da humanidade que olha para outro segmento não com maldade, mas como se achassem que têm Síndrome de Down e não são competentes o suficientes para fazerem julgamentos por si próprios. Noutras palavras, muito depressa teríamos dois tipos de humanos muito diferentes. E podemos não conseguir voltar atrás.

"Sei que isto parece ficção científica, mas a inteligência artificial também parecia ficção científica até há muito pouco tempo e a verdade é que não tenho uma ideia clara de quando vamos ter um sistema artificialmente tão inteligente como o ser humano é, mas podemos ter uma boa ideia de como vão ser as próximas décadas, quando houver pessoas mais espertas do que outras"

Falou em consequências. Quais são as piores coisas que podem sair de uma coisa destas?
Há duas discussões diferentes a ter sobre consequências: uma tem a ver com as consequências da tecnologia enquanto estamos a experimentá-la, a outra são as consequências sociais. No primeiro caso, meu Deus, há tantas… Provavelmente, a mais óbvia é que mesmo sendo não invasivas, estas tecnologias estão constantemente a estimular o cérebro, desregulando-o. O teu cérebro vai querer recompensar-te por isso mexendo com a quantidade de hormonas que são libertadas. Essencialmente, vai torná-lo um pouco mais burro, para diminuir a ligação entre estas duas áreas que estão a ser estimuladas artificialmente. O cérebro vai sempre querer encontrar um equilíbrio. Se o encheres apenas com uma coisa, ele vai tender a balançar para o outro lado.

Outra possibilidade é que, além de esta ligação forçada poder melhorar a memória de trabalho, também pode significar que as pessoas começam a construir associações entre coisas que não existem. Potencialmente, podem — e isto é muito especulativo — induzir comportamentos esquizofrénicos e criar alucinações ou comportamentos obsessivos. Há investigadores que têm estado a tentar aumentar a capacidade dos ratos para aprender de forma genética e concluíram coisas interessantes, como por exemplo: eles ficam muito mais sensíveis à dor.

Não sabemos o que acontece à medida que começamos a brincar com os nossos cérebros, que são incrivelmente complexos e a machine learning que é precisa para desenvolver este tipo de sistemas pode ser incrivelmente complexa. Pões estas duas coisas juntas e não sabemos para onde vamos. As pessoas vão começar a usar isto, já há muito trabalho a ser feito na indústria da defesa, particularmente nos EUA, mas não apenas.

Não há ninguém para regular este tipo de investigação?
Não, não há nada.

Então, isto depende do quê? Do bom senso?
Tipicamente, o trabalho que envolve o cérebro das pessoas tende a ser regulado. Nos EUA, é regulado por organizações como a FDA e outras. Mas a verdade é que muito deste trabalho tem sido feito graças às pessoas que estão disponíveis para ceder os seus próprios cérebros e não há muita regulação para isto. Depois, a regulação para uma aplicação em grande escala é uma coisa, outra coisa é haver um grupo que quer perceber até onde é que determinada tecnologia vai e tem pessoas disponíveis para testá-la.

Isto é apenas uma comparação, mas na corrida dos clubes financeiros, também tivemos vários bancos e instituições financeiras a competir para oferecer estes instrumentos de investimento ridículos que sabiam que não prestavam. Eles sabiam que o sistema iria colapsar e continuaram a fazê-lo, na mesma. E a razão pela qual o fizeram teve a ver com isto: se eles não o fizessem, seria o mesmo que colapsar. Por outras palavras, se eles não transacionassem estes instrumentos cairiam na mesma, então sentiam que tinham de o fazer. Se olhares para as consequências da automação do cérebro no longo prazo, podes estar a olhar para um mundo no qual se fores a segunda pessoa a fazê-lo, já vais fazê-lo tarde demais.

Tenho uma suspeita muito forte de que vamos ver muitas organizações à volta do mundo a reunirem esforços para, de uma forma muito discreta, quererem chegar a conclusões sobre isto antes de qualquer outra pessoa. Sei que isto parece ficção científica, mas a inteligência artificial também parecia ficção científica até há muito pouco tempo e a verdade é que não tenho uma ideia clara de quando vamos ter um sistema artificialmente tão inteligente como o ser humano é, mas podemos ter uma boa ideia de como vão ser as próximas décadas, quando houver pessoas mais espertas do que outras. Nesse sentido, estou genuinamente preocupada de que isto aconteça como aconteceu com a Internet ou como aconteceu com o machine learning. Vai espalhar-se, pura e simplesmente.

"Da mesma forma que houve uma série de grandes empresas que acumularem muito dinheiro a reunirem os nossos dados, acho que existirá um número de organizações que vão tentar ter muito poder para conseguirem explicar o que é possível fazer com o cérebro"

Vai demorar algumas décadas a descolar, mas quando descolar vai ser a toda a velocidade?
Sim, vai demorar algumas décadas para as pessoas descobrirem algumas coisas, mas posso olhar para isto enquanto cientista e perguntar quanto tempo vai demorar até saber efetivamente isto, e depois posso olhar da mesma forma que olham, por vezes, as pessoas em Silicon Valley que é: “Vamos só testar e experimentar e experimentar”. Agora, podem sair dessas experiências consequências humanas terríveis, mas as pessoas vão continuar a fazê-lo na mesma. Não estou a dizer que daqui a umas décadas vamos saber tudo o que há para saber sobre o cérebro e sobre como pode controlar o computador ou vice-versa, mas que por essa altura as pessoas já terão experimentado e descoberto coisas, se calhar sem entenderem porquê. E acho que por essa altura as pessoas vão ter tanto medo de serem deixados para trás que vão querer participar.

Por isso, da mesma forma que houve uma série de grandes empresas que acumularem muito dinheiro a reunirem os nossos dados, acho que existirá um número de organizações que vão tentar ter muito poder para conseguirem explicar o que é possível fazer com o cérebro. Para mim, que trabalho com populações desfavorecidas, isto é muito entusiasmante enquanto cientista. E a fã de ficção científica que existe em mim olha para o futuro de uma forma positiva, mas ao mesmo tempo, penso que o mais provável é termos um mundo no qual há um pequeno grupo de pessoas que tem estes dispositivos no cérebro. E não sei se esse é o mundo no qual quero viver.

“Já há pessoas a trabalhar numa tecnologia que consiste em retirar emoções do cérebro”

Tal como na ficção, no futuro, vai ser possível apagar memórias?
Aqui falamos de memória episódica [que permite recordar os momentos passados]. Temos muitos tipos de memórias no cérebro. Mas indo à questão: já há pessoas a trabalharem numa tecnologia muito específica, que consiste em retirar emoções do cérebro. Imagina que tens uma memória de um episódio de guerra traumático, de uma violação ou de uma experiência terrível pela qual tenhas passado, sempre que te lembras dela o que sentes fica cada vez mais forte. E deu-se este terrível fenómeno, no qual as pessoas andam a fazer experiências com drogas e a recorrer a tecnologia eletrónica para prevenir que as emoções sejam reativadas quando te lembras destes momentos. A forma como o cérebro aprende é através deste tipo de ligações e atividades sincronizadas. Quanto mais começares a romper a ligação entre a memória e a emoção, mais a emoção desaparece. E assim, muito em breve, consegues lembrar-te de que houve uma coisa terrível que te aconteceu, mas à qual não associas nenhum sentimento.

Então, já há pessoas a trabalhar numa forma de retirar emoções de memórias.
Sim e tem resultados muito entusiasmantes. Quando olhas para pessoas que têm memórias de situações traumáticas, que estão a prejudicá-las, percebes que isto é maravilhoso. Mas, mais uma vez, consegues imaginar que este tipo de tecnologia pode ser utilizado de outras formas e tirar as emoções de várias coisas. Por acaso, estou a trabalhar num conto, porque queria explorar algumas destas questões, como por exemplo: o que é que significaria para as pessoas manterem relações sem emoções, lembrar-se de tudo sobre o mundo mas sem sentirem nada.

[Trailer do filme “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”, no qual a personagem principal, Joel, se submete a um tratamento inovador para apagar as memórias que tem da ex-namorada Clementine] 

Como assim?
Quis começar com esta suposição: vamos assumir que as pessoas realmente vão conseguir manter relações sem emoções, então, o que é que as sustentaria? O que seria preciso para mantê-las? Que outro tipo de esforços seriam precisos para as pessoas se apaixonarem? O que manteria as pessoas que já não sentem nada, mas que se lembram uma da outra? O que seria preciso para as pessoas se manterem apaixonadas quando o amor já não existir? Isto até já pode ser verdade para algumas pessoas, mas sou cientista e penso nestas coisas nessa perspetiva. Por outro lado, tens um mundo que é robótico, no qual realmente não existem muitos valores emocionais e onde tudo se resume a uma série de experiências com as quais interages. E, às vezes, o bom senso exige que tenhamos emoções, porque nem sempre há uma resposta certa para o mundo, nem sempre sabemos qual é a coisa certa a fazer. É por isso que, muito provavelmente, um dos motivos pelos quais temos emoções é para que elas nos ajudem a tomar decisões quando a decisão não é óbvia. Pessoas como o António Damásio têm estado a trabalhar neste campo.

Se quiseres construir uma sociedade na qual é mais fácil controlar as decisões que as pessoas tomam, tiras-lhes as emoções. E elas vão tomar essas decisões de uma forma bastante rude, consoante o padrão para o qual as treinaste. Uma das coisas mais assustadoras em relação a estas tecnologias é que elas podem ter uma aplicação óbvia ao autoritarismo. E, mais uma vez, porque é que me envolvo nestas matérias? Não é apenas porque me quero perder na ciência ou ter esta visão desesperançada do futuro, mas porque me quero sentar na mesa onde estas decisões estão a ser tomadas. Porque estão a ser tomadas dentro do Pentágono ou do exército chinês. Elas estão a ser tomadas e isso é assustador, porque a tua capacidade de tomar decisões baseadas apenas nos teus interesses pode pura e simplesmente desaparecer. Tendo em conta a forma como algumas organizações com poder já conseguem influenciar as nossas crenças através das redes sociais e do machine learning, por exemplo, isto torna-se bastante assustador.

Estamos todos com medo do dia em que os robôs vão mandar no mundo, mas se calhar o verdadeiro perigo acontece quando os seres humanos deixarem de sentir emoções e se tornarem nos robôs. 
Entendo o medo que as pessoas têm do robocalipse, mas é equivalente ao medo de um asteróide: é real, pode acontecer um dia, mas neste momento, não há nenhum asteróide em direção à Terra. Ainda ninguém inventou a tecnologia que vai permitir que existam sistemas de inteligência artificial independentes. Mas isto é diferente. Quando falamos neste tipo de coisas, as pessoas tendem a pensar em cenários no qual a humanidade desaparece, mas aquilo de que estamos a falar é de pegar em tudo o que o cérebro pode fazer e em tudo o que as máquinas podem fazer e combiná-los. A má interpretação disto é aquela que fazemos quando pensamos que ao adicionarmos máquinas aos seres humanos, tornamos os seres humanos mais máquinas, porque as máquinas não têm emoções. Podemos argumentar que a racionalidade pode diminuir as emoções, mas também pode fazer precisamente o oposto — podes usar as máquinas para expandir as tuas emoções.

Podes pegar na atividade da tua amígdala e expandi-la, bem como ao teu córtex pré-frontal, no qual todas as tuas emoções são processadas. Imagina que podes pegar na atividade da tua amígdala e mapeá-la no teu córtex visual: consegues literalmente ver como te estás a sentir, tornando as tuas emoções transparentes no momento em que estão a acontecer.

"Isto permitir-te-ia voltares atrás e dizer 'de todas as decisões que quero tomar agora, qual é a que efetivamente é melhor para mim?' em vez da 'qual é aquela que eu fui levado a tomar', mesmo que tenha sido levado a tomá-la por mim próprio. Nem sempre somos os nossos melhores guias"

Há bocado, falou no amor. Quer isto dizer que a tecnologia vai poder fazer com que nos apaixonemos ou desapaixonemos por alguém, através desta regulação das emoções?
É uma das possibilidades. Imagina que tens uma app no teu telefone que é um estimulador cerebral. Em determinado momento decides que naquele minuto queres mesmo é estudar para um teste, o que fazes é puxar a tua atenção para o máximo, bem como a tua capacidade cognitiva, pões no mínimo todas as tuas emoções e consegues focar-te em aprender uma série de factos. Já agora, isto nunca deve ser o teu objetivo, apesar de as pessoas acharem erradamente que sim. E agora imagina que depois vais ter um encontro com alguém e que queres pôr as tuas emoções todas no máximo, por a parte mais racional toda para baixo, porque não queres obcecar com os defeitos da pessoas, queres focar-te só naquele momento. Podes puxar estas características todas que tens, sem mudares completamente quem és, mas quase. Nós somos genuinamente diferentes em circunstâncias diferentes.

Imagina que podes escolher que “eu” vais ser — agora estou aberta a tudo, agora estou focada, agora estou muito emocional. Imagina que tudo isto depende apenas de ti e não do contexto. Isto pode ser interessante, pode ser problemático, mas na verdade é possível conectar as pessoas desta forma, criar loops de emoções nos quais podes ver o mundo literalmente através dos olhos das tuas emoções. É aquilo a que se chama cognição quântica, a ideia de que ao longo do tempo tomamos algumas decisões e que ao tomarmos essas decisões seguimos determinado caminho nas nossas vidas. Mas agora imagina que consegues manter o teu “eu” das outras escolhas e que esses caminhos diferentes que podias ter tomado consoante as tuas escolhas continuavam a existir na tua cabeça. Por exemplo, durante esta entrevista podias ter vivido diferentes “eu”, agora imagina que conseguias visualizá-los. Isto parece muito esotérico, mas vai permitir interagirmos com o mundo de uma maneira completamente diferente. Há algumas provas de que os nossos cérebros já conseguem funcionar desta forma, mas isto é uma oportunidade de o elevarmos a um nível completamente diferente.

E quais seriam os benefícios?
Isto permitir-te-ia voltares atrás e dizer “de todas as decisões que quero tomar agora, qual é a que efetivamente é melhor para mim?” em vez da “qual é aquela que eu fui levado a tomar”, mesmo que tenha sido levado a tomá-lo por mim próprio. Nem sempre somos os nossos melhores guias. Por isso, tens todo este mundo aberto à tua frente e, em determinado momento, fazes uma escolha mas essa escolha permite-te manter em aberto os diferentes “eu” que podias ter sido com outras decisões, que te mostram como a vida seria diferente. Imagina como a tua perceção sobre o mundo seria diferente se pudesses vê-lo através de todas estas lentes, que vidas terias tido. Sei que isto é muito esotérico, mas é uma das áreas mais excitantes.

Em breve, vai ser mesmo possível vivermos digitalmente para sempre?
Já há grupos a fazer isto e a verdade é que, se fores um utilizador intensivo do Facebook, se tiveres Instagram, um perfil no LinkedIn, por esta altura já conseguiria desenvolver um chatbot teu (sistema de inteligência artificial que conversa com outros utilizadores do mesmo chat). Se morreres, isto pode ser a coisa mais semelhante a ti que existe no mundo. Não é verdadeiramente inteligente, mas poderia ser capaz de ter conversas com pessoas, enunciar factos sobre a tua vida e interagir. No futuro, poderá ser muito difícil distinguir entre ti  e uma versão bot de ti num chat do Facebook, por exemplo. Estas tecnologias estão a ficar muito impressionantes, mas isso não é o mesmo que dizer que estão efetivamente inteligentes.

Quer isto dizer que pudemos descarregar-nos para a Internet, pôr literalmente o nosso cérebro online? Tristemente, a resposta é “não”. Não porque haja qualquer coisa de mágico no cérebro que torna isto impossível, mas porque o cérebro está cheio de dinâmicas muito complexas, que acontecem em múltiplas escalas, que isto se tornaria tão difícil que seria mais fácil construir uma pessoa de início. Ninguém vai pegar em ti e fazer uma cópia. Pura e simplesmente não funcionamos dessa forma. Agora, acho que há genuínas possibilidades de, à medida que desenvolvemos estas neurotecnologias, podermos-nos estender online e deixarmos muitas partes de nós na rede. Não sei se vão ser exatamente o mesmo mas vão conter muito do que nós já somos.

A história do português que nos quer pôr a viver para sempre – como em Black Mirror

“A Uber contactou-me para ser cientista chefe da empresa e respondi: ‘Nem pensar'”

Outro tópico, do qual é ativista: a falta de mulheres em tecnologia. Como podemos mudar isto?
Há um número de grupos que estão a tentar fazer coisas. Infelizmente, acho que a maioria das coisas nas quais as pessoas estão focadas são bem intencionadas, mas não muito eficientes. Estes programas para ensinar as meninas a programar? A maioria das pessoas que se licencia em ciência e tecnologia são mulheres e, mesmo assim, é-lhes muito difícil chegar a posições de liderança. Não é impossível, mas é muito difícil.

Uma das coisas que fiz foi olhar  para a diferença salarial entre homens e mulheres de empresa para empresa. Muitos economistas que respeito concluíram que isto acontece porque as mulheres, a dada altura, passam a querer dedicar-se à família. E eu levanto vários problemas a esses estudos. Nunca li nenhum que relacione isto com o assédio sexual nas empresas, por exemplo. Se achas que consegues explicar as diferenças salariais entre homens e mulheres sem falar de assédio sexual… Mesmo para uma pessoa como eu é muito óbvio que isto aconteça. Não digo que as pessoas sejam escravas da sua biologia, mas a verdade é que há uma série de coisas relacionadas com a testosterona que faz com que, por vezes, seja difícil para as pessoas ver valor noutras. Mas, mais uma vez, é preciso ter isto em atenção. Por isso, sim, muitas mulheres acabam por sair e dedicar-se à família, mas estes estudos incluem a possibilidade de isso acontecer, nem interessa se realmente isso acontece ou não, o que só evidencia a injustiça disto.

Há mulheres que optam por não se dedicar à família e sofrem com a mesma diferença salarial.
Exato, tens toda a razão. Por isso é que fiz uma investigação aos sites de 60 mil empresas no mundo. Tinha uma suspeita, mas olhei para diferentes variáveis. Se a diferença salarial fosse puramente dependente da escolha das mulheres, esta diferença devia ser a mesma em todo o lado, em todos os países, tendo sempre em conta algumas questões culturais, mas deveria ser relativamente semelhante e descobri que não é. Varia muito de empresa para empresa. Então, o que se passa? O que descobri foi que as empresas que têm mais rostos de mulheres nos cargos de topo não têm tanta diferença nos salários. Quantas mais mulheres estiverem, menor é a diferença salarial. Por outras palavras, sim, as mulheres podem estar a escolher dedicarem-se à família, mas porquê? Porque é que esta mulher que trabalhou de forma muito árdua, foi para uma universidade de elite, se saiu tão bem, tinha um ótimo emprego, porque é que de repente prefere ir cuidar exclusivamente da família?

Quando olhamos para estas decisões, percebemos que estas escolhas são feitas muito mais frequentemente em empresas onde não há mulheres na liderança. Elas pensam: estou a trabalhar tanto ou mais do que os meus colegas homens e não tenho hipótese de vir a ter um cargo de liderança. Há tantas coisas que podem fazer, porque não escolher uma na qual até vou ser celebrada? Se quisermos resolver este problema da indústria tecnológica, vai ser preciso começar pelo topo e o problema é que o topo está dominado por homens. Vamos pegar no exemplo de uma das empresas que levantou o véu sobre isto, a Uber. A Uber contactou-me para ser cientista chefe da empresa e respondi: “nem pensar”.

O fundador da Uber, Travis Kalanick, foi obrigado a deixar a liderança da empresa depois de terem vindo a público várias notícias sobre a cultura da empresa e situações de assédio sexual

Isso foi quando?
Foi há cerca de dois anos, antes de Travis ter saído e da polémica do assédio sexual. Mas toda a gente sabia como era a Uber. E a Uber era assim porque Travis Kalanick criou uma cultura na qual ganhar era a única coisa que interessava. Tinha tudo a ver com crescimento — crescer o mais depressa possível, fazer qualquer coisa, mesmo que não fosse ético. O que interessava era fazer o que era preciso para vencer. E este tipo de cultura empresarial atrai um tipo diferente de pessoas. E mais uma vez não estou a fazer disto uma coisa biológica, mas as mulheres tendem a preferir trabalhar em organizações movidas por propósitos, e há muitos homens que também. Mas para as mulheres, esta ânsia pela vitória não é tão satisfatória como para os homens. Vou dar um exemplo: quando Portugal ganhou o Euro, o nível de testosterona dos homens subiu tanto como subiu o dos jogadores em campo. Ou seja, eles tiveram um pico hormonal que fez deles tão vencedores como os jogadores. E isto não acontece nas mulheres.

A propósito desta broculture nas empresas tecnológicas, há estigma se as mulheres se dedicam à família, mas também há estigma quando não o fazem. Parece que há sempre estigma.
A ironia aqui, e e eu sou uma exceção na Singulariy University, a maior parte da inovação falha e uma boa parte dela faz exatamente o oposto daquilo que era suposto fazer. E não estou a falar só de tecnologia, mas da inovação no geral. Acho que as pessoas entendem que as redes sociais são celebradas por todo lado como algo maravilhoso e positivo e, pessoalmente, acho que há muitas evidencias de que elas nos fazem mal. Não por intenção. Mark Zuckerberg não queria que fosse assim, apesar de ele nem as ter inventado, comprou as empresas de toda a gente, mas a verdade é que as pessoas que estão envolvidas nestes projetos pensavam genuinamente que estavam a mudar o mundo numa forma positiva. Se eles sabiam ou se procuraram saber tudo o que iria acontecer? A maioria das inovações falha. E uma das principais razões pelas quais falha é porque se trata de inovação que é feita para seu próprio bem, como se a inovação se guiasse a si própria, que não guia.

Isto não é uma coisa que passa pela divisão homem/mulher, mas no trabalho as mulheres tendem a ser movidas muito mais por objetivos. Conheço muitos homens que também são. Acredito que encontras o bem no mundo fazendo sacrifícios. E os homens simplesmente não estão treinados para fazer sacrifícios. As mulheres estão.

É cultural, então?
Acho que ambos os grupos fariam muito melhor se pudessem perguntar: o que é que seria preciso para atingir os objetivos que queremos? E não estou a falar de quotas de mercado, isso não é um objetivo. O que é que realmente quero mudar no mundo? E o mundo é tão complicado… Como é que fazes uma mudança tão complicada como esta? Nesse sentido, se tivermos uma indústria tecnológica baseada nesse objetivo, os homens e as mulheres encontrariam muito mais valor no seu trabalho.

"Pões esta coisa incrivelmente complexa no mundo, atrais 2 mil milhões de pessoas e depois vendes estas pessoas. Concordo que ele podia não saber exatamente o que ia acontecer, mas devia ter percebido que o sistema podia ser manipulado"

“Há esta adoração na tecnologia por este herói homem heterossexual profundamente injustificada.”

Qual é a sua opinião sobre o caso Cambridge Analyitica? O que Mark Zuckerberg disse no congresso norte-americano foi suficiente?
Não me dou muito por satisfeita com desculpas como “como é que podíamos ter sabido?”. Podíamos ter sabido fazendo um esforço por saber e é muito mais fácil não fazer este esforço. Estive num evento no dia em que Donald Trump ganhou, não foi um dia muito feliz na minha opinião. A seguir a mim, nesse evento, falou Mark Zuckerberg, que jurou que aquela vitória não era culpa sua. Agora claramente mudou o que disse. Mas é nesta lógica: “Não sabíamos, fizemos o nosso melhor, não nos culpem”. Ele não se importou. Não estou a dizer que seja má pessoa, mas ganhou este dinheiro todo e simplesmente assumiu que resolveríamos as coisas por nós próprios, porque o Facebook é uma rede social boa para o mundo. Mas o facto de ter sido boa para ele não quer dizer que seja boa para toda a gente.

As pessoas aparecem felizes e a sorrir, mas há muita investigação feita, em muitas dimensões, sobre o quão prejudiciais as redes sociais são para as experiências que as pessoas têm na sua vida. É ótimo para marketing, mas não para muitos de nós. Por isso, não me senti muito tocada pela sua defesa. Não acho que seja má pessoa, não acho que Jeff Bezos ou Jack Ma sejam más pessoas, são como qualquer outra pessoa. Podem ser um bocadinho mais espertos do que a média, mas provavelmente não tão espertos como se julgam. [Zuckerberg] assumiu que o Facebook era um bem inerente e acho que foi muito perturbador descobrir que não foi, mas isso não é desculpa. Pões esta coisa incrivelmente complexa no mundo, atrais 2 mil milhões de pessoas e depois vendes estas pessoas. Concordo que ele podia não saber exatamente o que ia acontecer, mas devia ter percebido que o sistema podia ser manipulado

Subestimaram o poder que estavam a dar a outras pessoas e empresas?
Sim, imagina que alguém descobre uma nova droga, experimenta-a uma vez e depois dá essa droga a toda a gente. Depois, descobres que uma geração inteira foi afetada por essa droga e respondes: “Como é que podia saber? Pareceu-nos bem quando a usámos pela primeira vez”. As pessoas não percecionam a tecnologia e inovação desta forma, mas estas coisas têm muita influência em nós, nas nossas vidas, na forma como interagimos com o mundo. Tenho simpatia mínima pelas pessoas que só falaram depois disto se saber, incluindo os primeiros investidores do Facebook, os executivos de topo ou os fundadores do Instagram. Se realmente acreditam que se enganaram em relação ao Facebook, então que devolvam o dinheiro que ganharam ou que o doem a organizações que estejam a tentar resolver estes problemas. Quantos deles é que vão fazer isto?

Mark Zuckerberg foi ouvido durante 10 horas em duas audições no Congresso norte-americano

AFP/Getty Images

É uma ativista pela igualdade na comunidade tecnológica, porque há desigualdade a vários níveis, não só de género. Mas não devia a tecnologia ser sinónimo de liberdade?
Sobre liberdade? Bem… É preciso entender de onde vem a indústria tecnológica. Começou no final da década de 1970, início de 1980, em São Francisco, com este grupo de rapazes que eram o nerd e o geek clássico. Não faziam propriamente parte de um clube social, não representam a broculture a que assistimos hoje. E depois juntou-se um certo movimento hippie, de partilha, e universidades como a de Stanford, que fez com que tivéssemos oportunidade de construir todas estas coisas e de as partilhar. Isto foi ótimo e acho que este espírito ainda se vive dentro da indústria tecnológica, faz parte do seu sucesso — está a tornar-se numa das indústrias com mais sucesso do mundo. Ao mesmo tempo, temos esta cultura que foi construída sob uma base masculina e que se tornou muito rica. Temos esta imagem de Silicon Valley, baseada nestes tipos da tecnologia, mas não é, é mais baseada em tipos que tiraram MBA. A Apple não inventou o computador pessoal, a Microsoft não inventou o sistema operativo, a Google não inventou o motor de pesquisa, o Facebook não inventou as redes sociais, apenas foram melhores negociantes.

Acho que quando juntas esta cultura masculina com dinheiro e negócios emergentes competitivos, isso resulta na broculture de hoje, que é maioritariamente branca, e depois juntas-lhe uma última coisa, que é um certo elitismo da inteligência. E já disse que estes fundadores, muito provavelmente, não são tão espertos como acham que são. Acham que são génios e muitos deles, pelo que já pude ver, são tão inteligentes como o resto das pessoas. Não são burros, mas já conheci pessoas extremamente inteligentes, que pareciam estar noutro mundo e não eram estas pessoas. Há uma pequena arrogância que é construída à volta disso: sou mais esperto e vou resolver todos os teus problemas. O que a tecnologia trouxe não foi liberdade, foi uma cultura libertária: “Deixa-me resolver todos os teus problemas, deixa-me assumir o controlo e o mundo vai tornar-se num sítio melhor”. Não dizem “Vamos-nos juntar e resolver todos estes problemas”. Isto também nos trouxe ao sítio onde estamos hoje, onde há esta adoração por este herói homem heterossexual profundamente injustificada. Qualquer pessoa que se apaixone por estes tipos está condenada a ficar desiludida, não porque eles são pessoas terríveis, mas porque são humanos.

Se há um motivo pelo qual às vezes sou injusta com Jeff Bezos ou com Elon Musk é porque às muitas vezes são eles que se colocam à mercê das críticas. O Musk, em particular, é um promotor de si próprio fenomenal… Adorava que estivéssemos todos em Marte e sou indiferente a quem nos leva, se é a NASA ou uma empresa privada, mas a forma como ele ligou a sua identidade pessoal a tudo isto criou esta ideia de super herói que é ridícula. Ele é apenas um tipo, não vai resolver todos os nossos problemas, não nos vai levar a Marte. Ele quer ir e está disposto a vender-nos bilhetes. E não sei se a Tesla vai sobreviver, mas alguém há-de comprar as peças e teremos carros elétricos a dada altura.

Mas talvez sem Elon Musk.
Mas sem ele. Para mim, é chocante que as pessoas invistam numa empresa que tem os familiares do fundador no conselho de administração. O nível de governança na sua empresa é chocante. Não há nenhuma empresa no mundo que sobreviva a esta manipulação de mercado, a um fundador nepotista como ele. Percebo que tenha visão, também acredito nela, mas isto não se trata dele, trata-se dos objetivos que as pessoas estão a tentar alcançar. E se tornas isto numa coisa sobre ele, então está condenada a falhar.

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