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Ivan Almeida registou 13,7 pontos, 5,1 ressaltos e 3,1 assistências de média nos jogos da Liga Portuguesa de basquetebol

DeFodi Images via Getty Images

Ivan Almeida registou 13,7 pontos, 5,1 ressaltos e 3,1 assistências de média nos jogos da Liga Portuguesa de basquetebol

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"Após falar em racismo, começaram a denegrir-me e a fazerem com que pareça um descontrolado": entrevista com Ivan Almeida

Ivan Almeida, basquetebolista do Benfica, falou com o Observador sobre os acontecimentos que marcaram época: suspensão de um mês, a polémica final com o Sporting, a luta contra o racismo e o Mundial.

Além de ser bicampeão nacional de basquetebol pelo Benfica, Ivan Almeida é também músico e ativista contra o racismo. Falou sobre tudo isso com o Observador, dois meses antes de rumar ao Japão para disputar o Mundial com a seleção de Cabo Verde. E não fugiu às polémicas. Diz que, se fosse hoje, os encarnados não tinham deixado o Pavilhão João Rocha quando o Sporting estava a receber as medalhas de segundo classificado da Liga Portuguesa de Basquetebol. Esclareceu o que se passou quando foi acusado de tentar agredir um árbitro e acabou suspenso por 30 dias. Acusa as altas instâncias de o perseguirem por falar sobre racismo. Aos 34 anos, o extremo encarnado diz-se confiante para travar Luka Doncic, uma das grandes estrelas da NBA que irá liderar a Eslovénia no Mundial: “Espero que ele não marque 30 pontos”.

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Ivan Almeida chegou ao Benfica a meio da época 2021/22 proveniente dos polacos do Anwil Wloclawek

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És um atleta que está a dar alguns passos no mundo da música. Há um outro nome que também está a crescer nessa área, que é o Rafael Leão. Para quando um feat entre o Ivan F Almeida e o Way 45?
[Risos] Primeiro tinha que conhecer o Rafael Leão. Seria um bom feat. Conhecer artistas é bom. Conheço alguns que estão aqui há muito tempo como o Djodje e muita malta. Seria bom fazer um feat com o Rafael Leão em estilo drill.

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Numa das tuas músicas, na “Korreria”, dizes “Sai dentu di campu pa entra na estudio pa subi na palco rabenta ku musica” (“Saio do campo e entro no estúdio para subir ao palco e arrasar com a música”). A música sempre esteve presente ao lado da tua carreira desportiva?
Comecei a fazer beats com um amigo meu no WeDJ, que era um programa de samples. Juntávamos samples e fazíamos um beat. Não havia produção. Juntavas dez segundos e repetias. Com os drums, a mesma coisa. Começámos assim e ficou o bichinho. Comecei a programar os drums e quis fazer melodias para não usar samples de outras pessoas. Mudei-me para o Reason e só depois para o Fruity Loops [ambos programas de produção musical]. A música sempre esteve presente. Ouvia música tradicional de Cabo Verde: Cesária Évora [que transporta na camisola que traz vestida], Bana, Ildo Lobo, Os Tubarões, Ferro Gaita e músicos estrangeiras tipo Roberto Carlos. Ainda me lembro do meu irmão, quando veio dos EUA, trazer uma cassete de Eminem, do álbum “The Marshall Mathers LP”. Quando estudava e estava a fazer os trabalhos de casa, passava a tarde inteira a ouvir música. Muitas vezes era o CD do Gil Semedo, Ildo Lobo ou Roberto Carlos.

Tiveste uma infância muito animada…
Muito animada. O meu pai toca um bocadinho de guitarra. Sempre tive música em casa e usufruí de conhecer aquela parte da cultura da morna e do funaná.

Mesmo assim, colocas o desporto acima da música?
O basquetebol está sempre por cima. A música ainda está num patamar abaixo. Continuo a aprender, ainda tenho muito caminho para andar na música.

Nos festejos do Campeonato do Benfica, tu e os teus colegas estavam a ouvir a tua música. Foi especial terminar a época assim?
Foi muito especial. Já no ano anterior, o Betinho pediu para colocar o “Korreria” quando a música ainda não tinha saído. Este ano, pediu outra vez. É uma sensação de felicidade ver que os meus colegas acompanham o trabalho que faço além do basquetebol. Se apreciam o som é bom sinal [risos].

Como classificarias a época no Benfica que terminou dessa forma tão animada?
Foi uma grande época. Classificámo-nos pela primeira vez para a Liga dos Campeões. Ninguém acreditava que íamos ganhar jogos. Ganhámos a equipas da ACB, a equipas da Letónia e da Pro A. Mostrámos que também podemos estar naquele nível. A Taça de Portugal e o Campeonato que conquistámos foram top.

Na temporada passada, o treinador Norberto Alves disse que as equipas dele rendiam mais na parte final da época. Este ano, tendo em conta o desafio da Liga dos Campeões, tiveram que ficar em forma muito mais cedo na época. Foi difícil terem que arrancar a época dessa maneira?
Quando terminámos a época anterior [2021/22] e soubemos que íamos jogar a qualificação para a Liga dos Campeões, já me estava a preparar no verão. Sempre disse ao João [Betinho Gomes]: “Vamos jogar a Liga dos Campeões este ano, não te preocupes”. O trabalho que fazes no verão é muito importante, porque não é na pré-época que vais começar a trabalhar.

É um trabalho mais individualizado…
É mais individualizado. Acho que o Benfica esteve bem em armar a equipa de forma a estarmos ao mesmo nível das outras equipas na Europa. Se vires, ficámos com o mesmo número de pontos [dez] que o Manresa, eles só ficaram à frente [do grupo F], porque ganharam um jogo por mais pontos. Ficámos ao nível de uma equipa da ACB.

Quem são os teus parceiros de treino preferidos para trabalhares no verão?
É o meu irmão. Desde 2007, todos os verões estamos juntos e trabalhamos. No verão passado, não estive com ele, mas fui para os EUA. Estive a jogar e a treinar lá o verão inteiro com colegas da seleção que vivem lá, como o Michel Mendes. Foi bastante bom. Ter duas janelas da seleção no verão foi bastante importante para manter a forma. A forma como a FIBA organiza as janelas internacionais, acho que é muito boa, porque ficas sempre em competição. Os jogadores têm que estar sempre preparados.

Há o outro lado da moeda. Nos torneios de verão, às vezes, há lesões. Por exemplo, o Chet Holmgren, dos Oklahoma City Thunder da NBA, lesionou-se numa liga de verão e falhou a época inteira. Há algumas cautelas?
Há uma cautela mais ao nível do load management, que é teres em mente o esforço que fazes. Tens que conhecer bem o teu corpo também. É preciso saber gerir isso da melhor forma possível. Mas, às vezes, há lesões que podem acontecer na rua. No basquetebol, quantos mais jogos e treinos fizeres, maior é o risco de lesão. A nível profissional, o risco é ainda maior. Estes jogos no verão podem ter influência.

"Há um ano, tinha falado de um episódio de racismo que tinha acontecido no Porto. As pessoas não estavam contentes por eu ter colocado o dedo na ferida. Sabia que depois daquilo ia ser perseguido e que iam arranjar qualquer coisa para me suspenderem".

A campanha europeia foi importante para dar algum estatuto ao Benfica e ao basquetebol português?
Foi muito importante para a Liga. Não só o Benfica, que esteve na Liga dos Campeões, mas também o FC Porto e o Sporting que estiveram na FIBA Europe Cup. Promover o basquetebol a nível europeu é um grande incentivo. Isso só traz melhorias para o basquetebol em Portugal. Os jovens têm mais sonhos e mais ambição de chegarem longe.

Por falar em ambição, fazes, se calhar, uma exibição de carreira quando marcas 39 pontos ao Brose Bamberg, fora de casa, com nove triplos concretizados.
A única que podia competir com essa foi uma reviravolta que fizemos na Polónia [Ivan representou o Anwil Wloclawek]. Estávamos a perder por quase 20 pontos a cinco minutos de terminar o jogo. Era o jogo 5 para passarmos à final. Nesses últimos minutos, marquei 13 pontos e conseguimos ganhar por cinco pontos. Esses foram os melhores cinco minutos de basquetebol da minha vida, mas, em termos gerais, essa na qualificação para a Liga dos Campeões, foi dos melhores.

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O Benfica caiu perante o Darussafaka na Liga dos Campeões de basquetebol após não ter conseguido o primeiro lugar do grupo F que dava acesso direto aos oitavos de final

Anadolu Agency via Getty Images

Entretanto, ganham o Campeonato. Esperavam fechar a final contra o Sporting de uma forma tão confortável?
Entre nós jogadores, tínhamos essa confiança. Depois do jogo 1, falámos e falámos ainda mais depois do jogo 2, porque perdemos em casa. Dissemos o que tínhamos a dizer. A nossa equipa era bastante superior. Se parássemos de olhar para o que se estava a passar no exterior e só nos focássemos no que sabemos fazer dentro de campo, íamos dar uma sova ao Sporting.

Nessa transição entre o jogo 2 e o jogo 3, Norberto Alves fez alguns ajustes. O Diogo Gameiro e o Tomás Barroso, que não tinham entrado na rotação nos primeiros dois encontros, começaram a ter minutos. O James Elissor, na Oliveirense e no Sporting, era um marcador de pontos e no Benfica tem um papel diferente. Esta lógica dos jogadores saberem qual a sua missão dentro da equipa mesmo que, por vezes, possam não ter tanto protagonismo foi relevante?
Lá dentro, sabemos que todos conseguem marcar pontos. Isso nunca foi posto em causa entre nós. Sabemos a qualidade de cada um e o que cada um sabe fazer melhor. Estivemos mais focados em jogar em equipa. Ficámos mais tranquilos ao tentarmos encontrar o jogador que estava com a mão quente na altura. Os ajustes que o coach Norberto fez ajudaram bastante a mudar a dinâmica. No jogo 3, contra o Sporting, ele limpou o cinco inicial e colocou o banco todo a jogar. O jogo estava taco a taco. O treinador colocou toda a gente que estava no banco para dar mais energia.

Tu próprio, muitas vezes, vinhas do banco com o Ben Romdhane.
É isso, tiras do campo o Betinho e o Terrell Carter e entro eu e o Ben Romdhane, o que é completamente diferente. O Betinho é mais lançador de três pontos, eu sou mais penetrador, o Carter é mais de jogar de costas e o Ben tem mais capacidade de assistir e ler o jogo. Só com essas mudanças, mudas o ritmo do jogo. O Sporting não estava preparado para isso.

"Por respeito ao adversário, não teríamos feito isso se víssemos que o Sporting estava a receber as medalhas. Tínhamos esperado e depois tínhamos saído".

Entendes melhor o papel de sexto homem agora do que no início da tua carreira?
Acho que não há papel de sexto homem. Para ser honesto, estive mais focado em ajudar a equipa. Na Polónia, jogava nas posições um, dois e três. No Benfica, passei de jogar a três para jogar a quatro. O basquetebol é um jogo de maturidade. Quanto mais velho és, mais maturidade tens. Acho que o meu físico ainda não envelheceu. Meteres a equipa em primeiro lugar é importante para conseguires entender o que podes dar ao grupo.

Não podemos falar de individualidades sem falar no Toney Douglas. É um jogador que tem uma carreira vasta na NBA e, quando chegou ao Benfica, integrou-se bem. Como foi acolherem-no e reterem toda a experiência que ele vos acrescentou?
Foi fenomenal. É uma pessoa bastante humilde. Todos aprendemos com ele e ele também aprendeu bastante connosco. É um jogador com uma carreira de NBA, que sabe ler o jogo. É base, sabe marcar pontos também, sabe quando atacar o cesto, quando passar, quando lançar. É uma mais-valia para a nossa equipa. O resto foi história. No Benfica, todos nos damos bem. Saímos juntos, almoçamos juntos, jantamos, tudo isso. A química do balneário tornou-nos ainda mais fortes.

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Iva Almeida com Toney Douglas durante o jogo de qualificação para Liga dos Campeões diante do Brose Bamberg

DeFodi Images via Getty Images

A época acaba no João Rocha. O Benfica é campeão e deixa o pavilhão sem receber o troféu, dizendo que a Federação Portuguesa de Basquetebol estava a ter “dois pesos, duas medidas” para uma situação em que tu, alegadamente, tentaste agredir um árbitro e o Travante, alegadamente, agrediu um polícia. Vamos por partes, o que é que aconteceu no dérbi contra o Sporting, da segunda fase da Liga, em que foste acusado de tentar agredir um árbitro?
Foi no intervalo do jogo no dia 1 de abril contra o Sporting. Perguntei aos árbitros porque é que eles me tinham dado uma falta técnica por ter colocado a língua de fora, sabendo que o João Fernandes, todos os jogos, mete a língua de fora para mim e nunca lhe acontece nada. O árbitro [Sérgio Silva] respondeu-me assim: ‘E daí? O que é que queres que eu faça?’. Respondi-lhe ‘Não é o que quero que tu faças. Coloquei a língua de fora e deste-me uma falta técnica, estás a prejudicar-me’. Ele disse: ‘Vai-te embora daqui antes que te dê uma falta técnica’. Ali, como eu já tinha uma falta técnica devido à língua de fora, virei-me e disse ‘Façam o que quiserem’. Quando estou ao fundo do túnel, um dos nossos treinadores assistentes pergunta-me: ‘Então, Ivan? Deram-te mais uma falta técnica, o que é que fizeste?’. Disse: ‘Não fiz nada’. Foi aí que voltei para perguntar porque é que tinha recebido uma segunda falta técnica quando não lhe tinha dito nada nem faltado ao respeito.

E depois?
Depois, vim a saber que ele escreveu no relatório que eu disse ‘És sempre a mesma m****’. Foi uma coisa que nunca disse. A seguir, houve bastante confusão. O Tomás [Barroso, capitão do Benfica] agarrou-me para me levar para o balneário. Disse ao Tomás para me tirar a mão, porque queria saber o porquê de o árbitro me estar a fazer aquilo. Nunca me aproximei do árbitro Sérgio Silva. Nunca estive perto dele, nunca o ameacei de que o ia matar ou que lhe ia fazer alguma coisa. No final do processo, quando saiu o veredicto, está lá escrito que não conseguiram provar nenhuma das coisas. Em nenhum momento estive perto do árbitro, ou seja, não lhe podia fazer mal. Os polícias estiveram sempre ao meu lado quando estava no túnel. Se os polícias ouvissem que eu tinha dito que ia matar alguém, eles interviriam. Mesmo no relatório da polícia, eles desmentiram o que o árbitro disse que eu disse. No final, o que é que sai no Conselho de Disciplina? Primeiro dão-me uma suspensão provisória [30 dias] por antecedentes disciplinares que eu não tenho. Jogámos no sábado e o Benfica não tinha recebido o relatório do árbitro até quinta-feira. Jogaram com aquilo para justificarem a suspensão provisória. Disseram que era para minha segurança. Depois, no relatório que levou à suspensão, disseram que o uso das minhas redes sociais causava distúrbios para o decorrer normal da Liga de basquetebol e nem disseram o que é que faço que impede o normal desenrolar do Campeonato.

Basquetebolista do Benfica Ivan Almeida suspenso preventivamente por 30 dias

O que é que foste sentindo durante os 30 dias de suspensão?
Nesse mês, estive a treinar normalmente. Não me deixaria ir abaixo. Continuei a treinar, a fazer outro tipo de trabalho, com o preparador físico, o Luís Catarino, e a tentar manter o foco.

Foi um motor para ti?
De certa forma. Foram injustiças que aconteceram que tu vês que são pessoas que estão com vontade de te parar e de te tirar o desporto que mais amas. Soube que o presidente do Conselho de Disciplina [Carlos Filipe] enviou uma mensagem ao pessoal do Benfica, em dezembro, a dizer que ‘o senhor Almeida anda há demasiado tempo a esticar a corda’. Isto tem a ver com um jogo contra o FC Porto que aconteceu no dia 23 de dezembro. No fim, estávamos no meio do campo, íamos fazer uma roda e gritar ‘Benfica’ antes de irmos para o balneário. O diretor desportivo do FC Porto passa por mim e diz-me: ‘És uma besta’. Foi mesmo à frente dos árbitros, mas os árbitros não fizeram nada. Voltei e disse: ‘Não falas comigo assim’. Deu uma pequena confusão. Depois disso, enviaram essa mensagem. Vês uma clara perseguição de um presidente de uma entidade que não devia estar a mandar mensagem para um clube a dizer que um jogador se anda a esticar demais. Em que país estamos que podemos fazer coisas deste tipo?

Soubeste dessa mensagem através de algum responsável do Benfica?
Sim, e vi a mensagem.

Circulou uma mensagem nas redes sociais…
Essa mensagem é verdadeira. Só soube em abril, depois do que aconteceu no jogo contra o Sporting.

Entretanto, houve a situação do Travante Williams que gerou polémica ao longo da final e que fez com que o Benfica não recebesse o troféu dentro do campo.
Todos se sentiram injustiçados. Mesmo os jogadores da minha equipa, quando souberam que eu ia ficar um mês de fora, perguntavam-me coisas. Quando fui suspenso, sabia porque é que ia ficar de fora e não tinha nada a ver com a situação do jogo de abril. Era porque, há um ano, tinha falado também de um episódio de racismo que tinha acontecido no Porto. As pessoas não estavam contentes por eu ter colocado o dedo na ferida. Sabia que depois daquilo ia ser perseguido e que iam arranjar qualquer coisa para me suspenderem. Encontraram aquilo e suspenderam-me indevidamente.

E quanto à situação do Travante?
Quanto à situação do Travante, não posso comentar muito. É um jogador de outra equipa, tenho respeito por ele. Sabemos que o relatório do árbitro disse que ele teve um confronto com uma autoridade de segurança pública. Um agente que está no jogo é considerado como um árbitro. Eu levei um mês por coisas que nunca disse e que nunca aconteceram. Foram inventar no relatório. Nunca me deram o benefício da dúvida, suspenderam-me logo. O Travante passou do castigo de um jogo para uma repreensão quando sabemos que houve agressão.

Abandonarem o campo sem receberem o troféu, foi uma decisão de quem?
A direção do clube disse que recebíamos a taça no nosso pavilhão. Há outra situação. Disseram que não esperámos que o Sporting recebesse as medalhas para sairmos.

Olhando para trás, o timing que escolheram para abandonarem o campo devia ter sido outro?
Nós nem escolhemos. Saímos, mas nem sabíamos o que estava a acontecer naquele momento. Muitas pessoas pensam que fizemos aquilo de propósito, mas isso não aconteceu.

Ou seja, não teriam deixado o campo no momento em que o Sporting estava a receber as medalhas?
Não teríamos feito isso. Por respeito ao adversário, não teríamos feito isso se víssemos que eles estavam a receber as medalhas. Tínhamos esperado e depois tínhamos saído.

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Benfica decidiu a final da Liga de basquetebol contra o Sporting em quatro jogos

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Cabo Verde qualificou-se pela primeira vez para o Mundial. Vão estar no grupo F com a Eslovénia, a Geórgia e a Venezuela. Já há algum sistema defensivo para tentarem travar o Luka Doncic?
O sistema defensivo chama-se Ivan Almeida [risos]. Espero que ele não marque 30 pontos. Esse é o meu desafio pessoal. Já disse ao treinador, ‘O Luka é meu’.

É um momento para o qual estão ansiosos enquanto equipa?
Estamos todos ansiosos. É a primeira vez. É ver um sonho a tornar-se realidade. Estaria a mentir se dissesse que não estou um bocadinho ansioso. Claro que estou. Estou ansioso, estou eufórico, estou muito feliz. Sei controlar isso. O Campeonato do Mundo é outro palco, é outro tipo de organização.

Estás parado, em termos de competição oficial, desde o início de junho e o Campeonato do Mundo só começa no final de agosto. Este tempo de paragem dificulta?
A mim não. Foco-me mais no ginásio e a jogar nos pavilhões. Organizamos sempre jogos de 5×5 e vou mantendo o meu cardio assim. Sei o que tenho que trabalhar. Para mim, as ‘férias’ são a fase mais tranquila da época, porque posso trabalhar o que quero.

Que papel tiveste tu em convencer o Betinho a jogar pela seleção de Cabo Verde?
Não tive nenhum. O Betinho já tinha decidido há vários anos que queria jogar pela seleção de Cabo Verde. Era o sonho dele jogar pela seleção de Cabo Verde antes de terminar a carreira. Eu fui ajudando a falar com o presidente da Federação para acelerar o processo. Foi bastante demorado. No dia em que ele recebeu a carta da FIBA, estávamos no carro para irmos jogar com a Ovarense. Foi um jogo em que ele marcou 30 pontos. Só de ver a felicidade… Um novo sol começou a brilhar no caminho dele.

Outro jogador incontornável na vossa seleção é o Edy Tavares que foi MVP da Final Four da Euroliga e está a ser associado ao regresso à NBA. É um pilar da vossa equipa?
É o melhor poste da Europa. Não tenho mais nada para dizer [risos]. 2,21 m de altura, 2,36 m de envergadura… Conheci-o antes de ele ir para o Gran Canaria. O trabalho que ele fez para evoluir é estrondoso. Acho que ninguém de fora consegue saber o impacto que ele tem realmente dentro do campo ao nível da defesa e do ataque. Nunca vi um jogador assim, um poste a alterar completamente o ataque da outra equipa. A própria defesa do adversário tem que se ajustar. Ele muda completamente o cenário do jogo quando está lá dentro.

"O Betinho não leva a família a ver os jogos no Porto, porque estão sempre a receber insultos racistas e não quer estar preocupado com eles na bancada". [...] "O racismo é um assunto delicado, mas não é um assunto que é difícil de gerir se tiveres leis para contornares a situação. Agora, será que realmente querem mudar?"

Denunciaste alguns episódios de racismo no decorrer de jogos como foi o caso no Porto. Como foi voltares esta temporada a esses sítios? Notaste alguma alteração de comportamento visto que trouxeste o tema para debate?
Voltámos ao Porto no início da época. Nesse jogo, fui expulso com duas faltas técnicas. Quando estava a sair, pessoas da bancada do FC Porto lançaram-me objetos, um que me acertou. O interessante dessa situação é que, uma semana depois, o Conselho de Disciplina manda um email para o meu diretor desportivo a dizer que vão abrir um processo disciplinar contra o Ivan Almeida. Ou seja, leram ‘Ivan Almeida’ no relatório e pensaram logo que tinha feito alguma coisa. O diretor desportivo perguntou porquê e eles responderam a dizer que se tinham enganado. Nessa altura, apercebi-me da perseguição. Os adeptos lançaram objetos contra mim e sou eu o alvo do processo disciplinar? Antes de enviarem o email a dizer que foi engano, nunca abriram um processo contra o FC Porto para averiguar o que se passou. Adeptos não podem atingir atletas com objetos e saírem impunes. Já para não falar no que se passou na final do ano passado. Tive insultos racistas que foram confirmados. O diretor desportivo do FC Porto disse que era o calor do momento, que os adeptos defendem o clube.

Como é que olhas para essas palavras visto que estão a tentar justificar atos que consideras racistas?
Nunca podes justificar atos deste tipo. Nessa situação, tive que ir ao tribunal no Porto, porque a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) me instaurou um processo, porque o árbitro Sérgio Silva escreveu no jogo 4 contra o FC Porto no playoff que tive comportamentos de incentivo à violência. Esse árbitro pediu a um polícia para me identificar. O que é que acontece: o polícia vai fazer o depoimento e perguntaram-lhe se ele tinha visto o camisola 96 do Benfica a incentivar à violência. Ele disse que não viu nada, que só me tinha identificado, porque o árbitro lhe tinha pedido. Só me reconheceu pela camisola. A APCVD instaurou-me um processo porque fiz um ‘xiu’ e disse que o ‘xiu’ era para os racistas que me insultaram e tentaram dizer que mandei calar o pavilhão inteiro. Disseram que esse ‘xiu’ era um incentivo à violência. Disseram que os insultos racistas que tinha ouvido no jogo 3 não tinham nada a ver com o ‘xiu’ que fiz no jogo 4. Mesmo no jogo 4, tive pessoas a dizerem-me ‘Precisas de bananas?’. A Federação Portuguesa de Basquetebol nunca se pronunciou sobre essa situação, nunca se pronunciaram sobre insultos que se passam na Liga inteira. É triste ver que têm medo de tocar no assunto.

Tribunal Arbitral do Desporto anula castigo a basquetebolista Ivan Almeida

Recebes relatos de colegas de equipa que denunciam esses atos?
Recebi mensagens de colegas que já passaram por isso e nunca fizeram nada. Há o caso do Betinho que não leva a família a ver os jogos no Porto, porque estão sempre a receber insultos racistas e ele não quer estar preocupado com a família na bancada.

O Vinícius Jr. tornou-se numa grande bandeira da luta antirracista no desporto. Há pessoas que defendem que quando um atleta ouve insultos racistas deve abandonar o terreno de jogo. Qual é a tua posição em relação a isto?
No futebol, a FIFA tem regras específicas de que, se isso acontecer, o árbitro tem que parar o jogo e a equipa da casa fica prejudicada. Nós na FIBA não temos essas regras. Mesmo no país, não temos essas regras. Abandonar o campo, ia prejudicar-me a mim. Não há formas de proteger um indivíduo que sofre esse tipo de insultos racistas. Não há formas de proteger a vítima disso.

É uma questão estrutural?
Engloba mais a sociedade. Tem a ver com o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) que tem que passar leis acerca disso. A Federação também tem que incluir regras acerca disso. Acho que é um assunto delicado, mas não é um assunto que é difícil de gerir se tiveres leis para contornares a situação. Agora, será que realmente querem tocar no assunto e mudar a forma como são geridos os insultos racistas no desporto?

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Ivan Almeida vai representar Cabo Verde no Mundial que começa a 25 de agosto no Japão, nas Filipinas e na Indonésia

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Vi muitos comentários nas redes sociais que diziam que, apesar do perfil irreverente do Ivan Almeida dentro do campo, não merecia os insultos constantes de que era alvo. Em que é que se baseia essa perseguição que dizes que sentes?
Antes, nunca tinha comentários a dizer que sou provocador. Logo que falo de racismo, dizem que sou provocador. Começa logo a atribuição de nomes negativos para denegrir a minha imagem. Nunca falei com o público do FC Porto, nem de nenhum outro pavilhão, nem de nenhum outro clube. Quando estou dentro do campo, faço o meu trabalho. Tenho um nível de intensidade a jogar basquetebol que pode ser bastante elevado. Ter um nível de intensidade bastante elevado é provocador. Mas, depois, se apanhamos um outro jogador caucasiano ou branco que tenha o mesmo nível de intensidade que eu, vão dizer que é muito bom. Depois de eu falar em racismo, começaram a denegrir-me e a fazerem com que pareça um descontrolado que se está a fazer de vítima. Todos os jogadores no basquetebol fazem faltas agressivas, todos fazem faltas anti-desportivas. Não conheço um jogador de basquetebol que, depois das regras da FIBA mudarem, não tenha feito uma falta anti-desportiva. Até já me chamaram de criminoso por causa de coisas que acontecem no campo de basquetebol. Isso tudo é um processo para me tentarem desacreditar só porque falei de um tema que não querem que seja falado.

Falar de racismo incomoda as pessoas?
Tu viste, tive o presidente do Conselho de Disciplina a mandar uma mensagem a dizer que me ando a esticar demais. Isso não é profissional, isso é anti-ético, não pode acontecer em nenhum lugar. Se estivesse numa empresa, ia direto aos recursos humanos, mas, no desporto, onde é que vamos? Não temos essa proteção nem temos associação de jogadores.

Um dia, quando tiveres menos mediatismo, como é que gostavas de ser lembrado?
Sinceramente, nem penso nisso. Não faço isto pela fama ou pelos holofotes, jogo basquetebol por amor. Gosto do jogo e quando sair quero sair tranquilo. Não penso que vou sair com alguma glória, nem tenciono isso. Quero sair de alma leve e de consciência tranquila de que dei tudo pelo basquetebol.

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