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A areia levada pelo mar no inverno não regressa no verão. Aqui, a Costa da Caparica no verão de 2014
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A areia levada pelo mar no inverno não regressa no verão. Aqui, a Costa da Caparica no verão de 2014

© Antnio Cotrim/LUSA

A areia levada pelo mar no inverno não regressa no verão. Aqui, a Costa da Caparica no verão de 2014

© Antnio Cotrim/LUSA

Areia que vai e vem, mas às vezes não volta: os problemas da erosão e extração de areias marinhas

As alterações no reabastecimento de areia, esgotamento dos depósitos naturais e impacto nas populações humanas e ambiente ainda têm pouco destaque, mas foi um tema abordado na Conferência dos Oceanos.

Habituámo-nos ao ritual do inverno: o mesmo mar que enchia a praia dos Pescadores de areia, destapava cada vez mais as rochas na praia do Sul. Depois, era preciso retirar a areia de um lado, para os barcos poderem sair para o mar, e colocar areia no outro, para os banhistas poderem aproveitar o verão. Areia que vai e vem consoante a estação, as correntes e a intervenção humana, é um fenómeno nas praias da Ericeira, mas não é exclusivo, acontece em muitas outras praias do país.

“O transporte de sedimentos ocorre de forma perpendicular em relação à linha de costa”, diz Ruwan Sampath, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. No inverno, o mar agitado e as ondas maiores aumentam a erosão nas praias e levam a areia para depósitos na orla marítima. Depois, as ondas mais calmas de verão trazem a areia de volta à praia, explica o investigador no projeto Dunes – o Mar, a Areia e as Gentes. Ou assim deveria ser.

O transporte de areia é sazonal, exceto se houver intervenção humana e a areia acumulada na praia for retirada. “Aí, haverá um aumento da erosão durante o inverno e a praia não vai recuperar”, acrescenta Ruwan Sampath. Além disso, as correntes de sedimentos que desciam os rios e alimentavam a costa foram cortadas e as praias vão ficando cada vez mais pequenas. Proteger as regiões costeiras é essencial para o bem estar humano e salvaguarda do ambiente e a resposta pode estar na reciclagem e em “motores de areia”.

Fixar as areias para não estragar as culturas

“As praias são sistemas dinâmicos, sempre o foram”, reforça Arnaud Vander Velpen, especialista na indústria da areia, envolvido no Programa das Nações Unidas para o Ambiente – UNEP/GRID-Geneva. O problema é que a economia é estática: “Se construímos um hotel, queremos que a praia continue igual durante décadas”, ilustra.

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A Mata Nacional de Leiria foi plantada para conter o avanço das areias. Depois dos incêndios de 2017, há o risco de a areia das dunas ser mobilizada muito rapidamente

PAULO CUNHA/LUSA

Este conflito entre a economia e a natureza não é de agora. Portugal tinha pouco mais de 100 anos, quando os reis que governaram no século XIII e XIV forçaram a criação da Mata Nacional de Leira. A plantação de pinheiro-bravo (sobretudo) tinha como objetivo travar a degradação das dunas e o seu avanço para o interior, acima de tudo era importante impedir que as areias levadas pelo vento destruíssem as culturas agrícolas da região.

“A arborização, utilizando diferentes espécies de pinheiros e gramíneas, foi uma das principais abordagens tradicionais utilizadas na estabilização das dunas desde a última metade do século XVIII em todo o mundo para evitar que as dunas invadissem zonas agrícolas, infraestruturas, estabelecimentos comerciais, assentamentos humanos, rios e riachos”, atesta Ruwan Sampath, cujo projeto de história ambiental pretende, precisamente, estudar a relação entre as pessoas e as dunas costeiras. No entanto, uma duna demasiado estabilizada é uma duna morta e com menos diversidade de seres vivos, porque algumas espécies precisam da movimentação das areias nos seus ciclos de vida.

Reposição de areia na Costa da Caparica inicia-se com pouco impacto nos utentes

A Costa da Caparica é outro exemplo de estabilização de dunas em larga escala. Por um lado, eram considerados solos estéreis. Por outro, a areia soprada pelo vento invadia os campos férteis mais próximos, como lembra o projeto português Dunes. A arborização das dunas da Caparica teve início no final do século XIX. “O vasto campo de dunas que existiu na Costa da Caparica está bastante reduzido: a parte frontal foi erodida e uma porção significativa arborizada e ocupada por equipamentos urbanos.”

A erosão aumentou devido à intervenção humana e foram também as atividades humanas que impediram que as praias nesta região (e em outras regiões do país) deixassem de ser reabastecidas com areia. O rio Tejo que trazia enormes quantidades de sedimentos deixou de o fazer devido à construção de barragens ao longo do seu percurso. Mais, os bancos de areia junto à foz do rio foram dragados para permitirem uma mais fácil circulação das embarcações.

“É importante olhar na perspetiva do ecossistema e construir com a natureza, porque se construirmos contra a natureza, temos de trazer areia para a praia com mais frequência.”
Arnaud Vander Velpen, do Programa das Nações Unidas para o Ambiente

Molhes e paredões não conseguem proteger a costa

“Quando a areia fica retida nas barragens dos rios precisamos de trazer a areia de volta ao sistema”, diz Arnaud Vander Velpen. Se precisamos de fazê-lo todos os anos, isso, diz, “é uma pergunta que merece um estudo de impacto ambiental caso a caso”. Incapaz de falar concretamente das praias portuguesas, mas usando o conhecimento geral que tem das praias europeias, o especialista alerta: “É importante olhar na perspetiva do ecossistema e construir com a natureza, porque se construirmos contra a natureza, temos de trazer areia para a praia com mais frequência”.

Para tentar travar a perda de areal na Costa da Caparica, como em outros locais no país, construíram-se molhes e paredes de rocha. “A confiança que se tinha nos esporões e paredões [construídos, na Costa da Caparica, nos anos 1960] está a desaparecer, pois a sua eficácia é duvidosa e a sua manutenção tem-se mostrado uma tarefa sem fim”, conclui o projeto Dunes, coordenado por Joana Gaspar de Freitas no Centro de História da Universidade de Lisboa.

A construção de pontões e outras estruturas perpendiculares à costa impede que a areia seja levada naturalmente para a costa e alimente as praias — as correntes marítimas e o vento levam a areia de norte para sul na costa oeste e de oeste para este no Algarve —, diz Ruwan Sampath. O investigador usa um exemplo no sul do país: “Perto da foz do rio Guadiana, há um molhe construído perpendicularmente à costa com dois quilómetros de comprimento. A acumulação de areia do lado português fez a linha costeira avançar 500 metros em relação ao mar desde os anos 1970. Contudo, o molhe levou a uma erosão severa do lado espanhol”.

Foz do Guadiana

A foz do rio Guadiana com o molhe na margem portuguesa (à esquerda)

Google Maps

A escassez de sedimentos vindos dos rios, a erosão costeira e o aumento do nível do mar devido às alterações climáticas vão criar as condições para o mar avançar sobre a terra, colocando em risco as atividades e infraestruturas humanas, assim como os habitats costeiros. “Os sapais [zonas periodicamente alagadas com água salobra] podem não ser capazes de aguentar a subida do nível da água e a vegetação ficará submersa”, alerta Ruwan Sampath. Já as dunas, se estiverem muito reduzidas ou demasiado estabilizadas não serão capazes de se ajustar à subida do nível do mar e perdem o efeito protetor das costas.

Além disso, alimentar artificialmente as praias com areia implica que esta seja extraída de outros locais perturbando os ecossistemas marinhos e ribeirinhos com consequências que nem sempre são devidamente avaliadas. Mais, estas ações têm de ser feitas com regularidade porque as praias continuam a sofrer erosão. Ruwan Sampath e Arnaud Vander Velpen concordam que a regeneração das praias seja feita de uma forma mais natural, com a criação de bancos de areia ao largo da costa que, graças aos ventos e correntes, vão alimentando as praias, os chamados “motores de areia”.

A criação destes bancos também provocará alguma perturbação no ambiente e terão de ser alimentados dentro de um determinado número de anos, mas parece ser uma solução mais viável em termos económicos e ambientais. No entanto, seja qual for a opção para um determinado local, uma análise de custo-benefício terá de ser realizada, acrescenta o investigador do projeto Dunes.

Reciclar a areia e usar novas fontes de materiais

A recomendação parece simples: “Para minimizar a perturbação dos processos naturais, as atividades humanas, tais como a remoção ou extração de areia das praias ou dunas e a construção de estruturas permanentes nas dunas próximas da praia deve ser evitada. A vegetação natural das dunas também não deve ser destruída”, diz Ruwan Sampath.

Mas como lembra Jean-Batiste Jouffray, investigador no Centro de Resiliência da Universidade de Estocolmo (Suécia), “a areia é o mineral mais extraído”. A areia está presente nas habitações, infraestruturas rodoviárias, na tecnologia e em muitos outros produtos da atividade humana. “Um terço de todos os materiais usados na construção é de origem marinha”, explica Mark Russel, diretor da Associação da Indústria Britânica de Inertes Marinhos, durante a discussão sobre riscos e oportunidades da extração e uso de areia marinha, que decorreu no âmbito da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas.

Arnaud Vander Velpen usa uma imagem ainda mais forte: “Extraímos 50 mil milhões de toneladas de areia todos os anos, seja em terra ou na água, o que equivale a um muro de 27 metros de altura e 27 metros de largura à volta do equador”. E acrescenta: “Só metade desse volume é devolvido ao mar pela erosão”.

“A areia tem estado fora dos holofotes há demasiado tempo.”
Jean-Batiste Jouffray, do Centro de Resiliência da Universidade de Estocolmo

Durante a discussão na Conferência dos Oceanos, os membros do painel apontaram os principais problemas, incluindo não existir monitorização das atividades de extração, nem avaliação do estado dos bancos de areia ao largo da costa. “Achamos que os recursos de areia são infinitos”, critica Arnaud Vander Velpen. “Se vamos tirar areia da natureza devíamos verificar se há equilíbrio [entre o ritmo de extração e o ritmo de deposição dos sedimentos], avaliar como estão as reservas.”

O especialista na indústria da areia só conhece um país que tenha verificado o estado dos depósitos de areia ao largo da costa, a Bélgica. “Verificaram que, se continuassem a extrair areia a este ritmo, ficariam sem areia nos depósitos em 80 anos, num quadro otimista.” No entanto, lembra, a extração terá de aumentar para melhor protegerem a costa e, “se construírem uma ilha com centrais de produção de energia ao largo da costa, os depósitos vão ser reduzidos para metade”.

A indústria terá de mudar a forma como explora o recurso, defenderam os presentes na discussão. Mas também é preciso sensibilizar os financiadores dos projetos, como bancos, seguradoras e outros investidores, acrescentou Dennis Fritsch, coordenador da Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP-FI). “As instituições financiadoras podem atuar como agentes de mudança, de forma positiva, se souberem o que fazer e como fazer”, defendeu, acrescentando que existem opções para práticas mais sustentáveis.

Piles of aggregate recycled for the construction industry, Greenwich, South-East London, UK

Os materiais de construção podem ser reciclados e usados novamente

BuildPix/Construction Photography/Avalon/Getty Images

A areia é muito difícil de substituir e é um recurso muito importante para os países em rápido desenvolvimento. “A China usou nos últimos quatro anos mais areia, cascalho e inertes do que os Estados Unidos nos últimos 100 anos”, diz Arnaud Vander Velpen. O betão, o material mais utilizado nestes casos por ser resistente e fácil de usar, é composto por três quartos de areia.

Reciclar os materiais de construção é a melhor forma de poupar os recursos naturais e “a areia pode ser reciclada vezes sem conta sem perder as suas qualidades”, diz Velpen. Mas esta opção só está disponível nos países desenvolvidos, que têm o que reciclar, não nos países que estão agora a apostar no seu desenvolvimento.

Outra solução será usar desperdícios de outras indústrias e “há uma indústria que produz quase tanto desperdício como aquele que a indústria da areia precisa”, a indústria mineira, acrescenta o especialista. Nem todos os materiais poderão ser usados, sobretudo se houver contaminação, mas se for bem planeado à partida, os materiais adequados para a construção civil podem ser logo separados dos restantes.

“A areia tem estado fora dos holofotes há demasiado tempo”, reforçou Jean-Batiste Jouffray na discussão que pretendia expor o problema. Para resolver os problemas identificados, o investigador defendeu que todos os intervenientes têm de ser parte da solução e que “não podem ser só iniciativas voluntárias das empresas”. Dennis Fritsch acrescentou: “É assumido que a areia virá sempre de algum lado e o desafio é mudar essa perceção”.

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