São várias as armadilhas mentais, também conhecidas como vieses comportamentais, que os investidores têm de ultrapassar para, como se lê no subtítulo d’ “O Livro do Investimento Comportamental” recentemente lançado pela Casa de Investimentos, “não serem os seus piores inimigos”. Mas há particularmente duas que Emília Vieira, CEO e fundadora da Casa de Investimentos, destacou no último episódio da Masterclass: o facto de o ser humano estar programado para obter ganhos a curto prazo e de agir em rebanho, seguindo comportamentos de outros investidores. “Quando sabemos que temos um viés, ou que temos um problema, tendo conhecimento dele e sabendo como o ultrapassar, ajuda-nos a proteger-nos de nós próprios”, comentou Emília Vieira. Exemplo disso foi março de 2020, quando o mundo, de repente, teve de lidar com uma inesperada e sem precedentes pandemia. “Quando em crise, os investidores tendem a comportar-se da mesma maneira: entram em pânico e vendem os ativos, porque estão a ver toda a gente a vender”. Ou seja, perante uma situação de crise e de queda, ao invés de aproveitarem os benefícios, comprando, os investidores tendem a vender, “com o pretexto de que desta vez é diferente”. Na verdade, Daniel Kahneman, prémio Nobel da economia e psicólogo, no livro Thinking Fast and Slow, explica precisamente que tendemos a repetir estes erros. “O facto de as crises não se comportarem todas da mesma maneira cria ruído e faz com que os investidores, de uma crise passada, não aprendam para a seguinte”.
O viés do confirmatório
Uma das grandes armadilhas para quem investe é o denominado viés do confirmatório. Ou seja, é verdade que tendemos a procurar informação que concorda com a nossa opinião já formada. Basicamente, temos uma ideia pré-concebida e vamos tentar encontrar teorias que a confirmem, de alguma forma viciando os dados. “Isto é extremamente potenciado pelas redes sociais e pela forma como os algoritmos funcionam, já que nos vão mostrar exatamente o que procuramos. Assim, estamos a autoalimentar um pensamento, ao invés de fazermos o que o método científico faz: arranjar antíteses para testar se a nossa hipótese é correta, ou não”. Defende Emília Vieira que, efetivamente, as crises são motivadas por situações distintas, mas cujas consequências são as mesmas.
Outra questão levantada pela CEO neste quinto episódio é tendermos a achar que o mundo funciona com base nas nossas experiências pessoais. Como exemplo, Emília Vieira dá o facto de a maior parte dos investidores que perdeu dinheiro em ações – maioritariamente por não terem avaliado os ativos e investido sem critério – tender a considerar que esta é uma verdade universal. “Acham que o mundo funciona com o que lhes aconteceu, ao invés de aprenderem com histórias de investidores extraordinários e com toda a História dos retornos dos mercados financeiros”.
O perigo de olhar pelo retrovisor
Mas há mais vieses com os quais os investidores têm de lidar, nomeadamente o viés do retrovisor. Aqui, o investidor, munido de informação sobre algo que já aconteceu, dispara um “estava-se mesmo a ver”. A crise financeira de 2008 é um bom exemplo. “As pessoas dizem muito que a questão do subprime ‘via-se logo’. Financiamentos ninja? Como é que podia funcionar?”. A verdade, esclarece a fundadora da Casa de Investimentos, é que enquanto se estava no processo, ninguém deu conta. À posteriori, e após reconstruir a história, é que parece inevitável. “O viés do retrovisor é terrível e os investidores perdem muito porque não aprendem com os erros que cometem”.
Emília Vieira admite que muitos dos que ficaram fora do mercado na crise financeira de 2008 e que não regressaram, à medida que o mercado foi corrigindo, pensam: agora que está a cair, vai cair mais e vou entrar ao preço a que saí. “A verdade é que, em março de 2020, a queda de 35% ainda nos deixou muito longe daqueles que seriam os níveis de 2008/2009. Estes investidores acabam por continuar fora do mercado. Esta é mais uma forma de não aprender com a História e de não aprender com as experiências pessoais”.
As benditas previsões
Não é fácil lidar com a incerteza, muito mais se estivermos a falar de investimentos. A CEO Emília Vieira esclareceu neste episódio que os investidores preferem as clássicas previsões do que lidar com a insegurança de não saberem o que vai acontecer. “A incerteza pode trazer coisas boas. Pode trazer a possibilidade de comprar barato. Se estivessem preparados para isso, podiam aproveitar. Aceitar que o mundo tem muita coisa aleatória é complicado”. Aliás, na crise financeira de 2008, o governo norte-americano, em período de eleições, demorou cerca de 89 semanas a atuar, a colocar dinheiro no mercado e criar instrumentos de liquidez para que a atividade económica retomasse e que o dinheiro chegasse aos negócios e às famílias. O que aconteceu em março de 2020 já foi completamente diferente porque a experiência que os bancos centrais tinham permitiram que em oito ou nove semanas os instrumentos necessários já estavam disponíveis no mercado para atenuar este pânico e falta de liquidez. “A exuberância, a oscilação entre medo e ganância, é exatamente o excesso de otimismo ou o pânico”. Daí Emília Vieira salientar que, por isso, os preços variam para além do razoável. “É fundamental aprender com a História”, disse a CEO.
Para Emília Vieira, o trabalho dos profissionais da Casa de Investimentos é precisamente reconhecer que estes vieses existem e ir atrás da informação de quem pensa de forma contrária, estudar teses de investimento distintas. “O que estão a fazer os melhores investidores do mundo? O que tem o balanço? O que estão os gestores a fazer para poupar dinheiro à empresa, para reduzir custos de funcionamento?”. A fundadora admite que o dinheiro está protegido quando “compramos a pessimistas para vender a otimistas. Comprar bem e vender quando o ativo passa o seu valor intrínseco”. O que, garante a especialista, significa muitas vezes fazer o contrário do que está a acontecer no mercado.
Não reagir pode ser positivo
Como é que os investidores se protegem destes vieses? Há uma frase que Emília Vieira diz resumir esse trabalho. “Diz-se muito: faz qualquer coisa, não fiques parado. Pois, no investimento, é ao contrário: fica parado, não faças qualquer coisa”. Como seres humanos, estamos muito mais programados para reagir, sendo complicado aos investidores manter o norte e o rumo, até pela quantidade de estímulos a que atualmente estão expostos. “Em 1940, em média, as pessoas tinham ações seis anos. Hoje, são horas porque há muita facilidade na compra e venda. E o facto de os custos de transação serem reduzidos é terrível. As pessoas não fazem tanta asneira a comprar imóveis porque o processo e muito mais demorado e caro”.
Para Emília Vieira, o importante é as decisões serem baseadas em processos lógicos, num modelo devidamente detalhado de criação de riqueza a longo prazo e da sua execução disciplinada. “Da mesma maneira que o empresário não vende a sua empresa simplesmente porque pode haver uma recessão, também o investidor não deve vender porque não sabe o que vai acontecer. Aplica-se a mesma lógica”.