Costa desaconselha idas às urgências?
A frase
O primeiro-ministro diz aos utentes para não irem às urgências”
André Ventura, líder do Chega
No debate quinzenal desta quarta-feira, que marca o regresso das deslocações regulares do primeiro-ministro ao Parlamento, o estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi um dos temas em destaque. O líder do Chega aproveitou a sua intervenção para confrontar António Costa com a alegada imputação da culpa nos atrasos das urgências aos portugueses.
“É verdade ou não que usou esta expressão? Que a culpa dos atrasos nas urgências é porque há utentes a mais?“, questionou André Ventura, que, em tom de troça, acrescentou algumas palavras às declarações do chefe do Governo: “Vocês são uns piegas todos, vão para o SNS quando não deviam ir”.
O deputado do Chega disse que o “primeiro-ministro está sempre a lembrar que o Passos disse aos professores para emigrarem”, mas que agora é ele quem “diz aos utentes para não irem às urgências, nem do hospital nem do centro de saúde”. Por fim, acusou: “É o destruidor do SNS”.
Na sexta-feira, António Costa, no final de uma reunião com a Direção Executiva do SNS e o ministro da Saúde, falou aos jornalistas e frisou que “Portugal é o país da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) onde as pessoas mais recorrem às urgências hospitalares”. Perante este facto, apontou a necessidade de alterar hábitos e de ter como primeiro passo ligar para a Linha Saúde 24 em vez de se ir “a correr” para o hospital.
“Esse é um hábito que nós temos de adquirir: sempre que sentimos que necessitamos de cuidados de saúde, aquilo que devemos fazer é ligar para a Linha de Saúde 24 e seguir as orientações da Linha Saúde 24”, sublinhou o primeiro-ministro.
Insistindo por diversas vezes nessa questão, António Costa ressalvou que, ao irem às urgências sem necessitarem, as pessoas estão, não só a fazer algo que lhes é inútil, como a prejudicar os outros que, efetivamente, têm de ser atendidos nas urgências.
Portanto, Ventura empola as afirmações e a mensagem do primeiro-ministro. É verdade que o governante aconselhou os utentes do SNS a utilizar a Linha Saúde 24 antes de uma deslocação às urgências, mas isso não é o mesmo que aconselhar os portugueses a “não irem às urgências”, como o líder do Chega garante.
ESTICADO
Primeiro-ministro em contradição sobre a TAP?
António Costa já defendeu seis versões diferentes sobre o destino da TAP”
Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal
A Iniciativa Liberal, que tem como uma das principais bandeiras as críticas à despesa com empresas públicas, não perdeu a oportunidade de confrontar o primeiro-ministro com as supostas “seis versões” que, ao longo dos anos, assumiu em relação ao destino da TAP.
Em fevereiro de 2012, António Costa era presidente da Câmara Municipal de Lisboa e defendia que a TAP não devia ser privatizada, mas sim integrada numa grande companhia latino-americana. O autarca falava numa conferência organizada pela Casa da América Latina, à qual presidia na altura, e sugeriu mesmo a integração concreta da companhia aérea portuguesa na fusão entre a brasileira TAM e a chilena LAN. Costa defendia a posição estratégica de Lisboa na articulação com o espaço global e a consolidação de um “grande hub atlântico”. Esta é a primeira versão de António Costa sobre o destino da TAP, sendo que apresentava uma alternativa à privatização com esta integração na companhia latino-americana.
Dois anos depois, em 2014, António Costa ainda era o líder do Executivo lisboeta, mas já era candidato às primárias do PS e insistiu na posição contrária à privatização da TAP, desta vez já sem mencionar a integração numa companhia específica. Aqui estava o que se pode considerar a segunda versão de Costa: contrário à privatização sem nuances de integração em outras grandes companhias. Mais uma vez defendia que manter a companhia nacionalizada era “condição da inserção de Portugal no mundo”.
Em 2015, quando já era candidato a primeiro-ministro, a posição de António Costa ficou escrita no programa eleitoral socialista. No capítulo dedicado ao “Portugal Global”, defendia-se a TAP como um veículo fulcral de ligação à África lusófona, ao Brasil, aos principais destinos da emigração portuguesa e à promoção da internacionalização da economia portuguesa”. Garantia-se, então, que o PS não permitiria que o Estado perdesse “a titularidade sobre a maioria do capital social da TAP, encontrando formas (…) de capitalizar, modernizar e assegurar o desenvolvimento da empresa, ao serviço dos portugueses e de uma estratégia de afirmação lusófona”. Ou seja, passado pouco mais de um ano, Costa candidato mantinha-se contra a privatização da TAP.
Poucas semanas mais tarde, em dezembro de 2015 — já depois de o Governo de Pedro Passos Coelho ser deposto e de assumir o cargo de primeiro-ministro, aliado ao PCP e Bloco de Esquerda — António Costa não aceitou a concretização do processo de privatização da TAP, que ficou concluído dois dias depois da moção de censura ao Governo PSD/CDS.”O Estado retomará 51% do capital da TAP“, garantiu o primeiro-ministro socialista a 18 de dezembro de 2015. Mais uma vez, e agora já no poder, assumia a posição que tinha defendido até então, a da não privatização da companhia aérea.
Em 2017, o Governo concluiu a operação de recompra pelo Estado das ações necessárias para deter 50% capital social da companhia e recuperar o seu controlo estratégico. Os 50% tornavam o Estado o maior acionista da companhia. O Executivo entendia que ficava “cumprido o compromisso assumido no Programa do Governo de o Estado passar a ser o maior acionista da TAP de forma a, em conjunto com a Atlantic Gateway, capitalizar, modernizar e assegurar o desenvolvimento da companhia ao serviço dos portugueses e de uma estratégia de afirmação lusófona”.
Em 2020, o primeiro-ministro assumia a terceira versão, com a nacionalização da TAP. A decisão governamental surgia por rutura nas negociações do Governo com David Neeleman, o empresário brasileiro-americano que, a meias com o português Humberto Pedrosa, é dono da Atlantic Gateway, empresa detentora de 45% da companhia. 50% por cento da TAP pertencia ao Estado e os restantes 5% aos trabalhadores.
Em janeiro de 2022, em entrevista ao Observador durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas, António Costa admitiu a hipótese de reprivatizar a TAP: “Pode ser que consigamos alienar um pouco mais do que os 50% do capital da TAP.” Temos a quarta versão do primeiro-ministro em relação à companhia aérea.
A hipótese mais recente admitida por Costa é a da privatização total da TAP. A primeira vez que assumiu esta possibilidade foi em janeiro de 2023, na Assembleia da República. O primeiro-ministro admitiu a alienação total da participação do Estado na TAP, no quadro do processo de privatização, questionado sobre as consequências para a administração da empresa do caso Alexandra Reis. “Estamos numa fase do processo de alienação total ou parcial da participação do Estado na TAP”. Neste contexto, acrescentou, é “útil e necessário que a empresa tenha a estabilidade possível”.
No dia 28 de setembro, o Conselho de Ministros aprovou o diploma que permite avançar com a privatização da TAP. Medina anunciou que o objetivo era o de vender pelo menos 51% a um investidor, mas admitiu que a venda pode chegar até aos 100%.
Assim, contamos cinco versões diferentes de António Costa em relação à posição da TAP com o Estado Português e não as seis mencionadas pelo líder da Iniciativa Liberal.
PRATICAMENTE CERTO
Costa prometeu 170 mil casas até ao próximo ano?
[António Costa] prometeu 170 mil casas a custos acessíveis até abril de 2024″
Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda
A atual líder do BE focou a sua intervenção no debate quinzenal na habitação e saúde. “Na habitação [a promessa] era 26 mil casas para suprir todas as carências habitacionais, mais 170 mil casas a custos acessíveis até abril de 2024. Passaram seis anos desde que essa promessa foi feita”, afirmou Mariana Mortágua enquanto se dirigia ao primeiro-ministro. E questionou: “Quantas das 196 mil casas há gente a morar neste momento?”
Na resposta, António Costa até admitiu que a promessa relativa aos 26 mil fogos, ampliada mais tarde para 60 mil, não seria cumprida, devido aos “dois anos de paralisação do país com a pandemia”. Numa segunda intervenção a bloquista insistiu nas “mais 170 mil a custos acessíveis” prometidas. O primeiro-ministro alertou então: “Creio que a senhora deputada confunde números – o que foi apresentado na estratégia local eram 26 mil fogos para as situações de maior carência e 170 mil fogos que correspondiam a famílias apoiadas ou de oferta pública”. E garantiu: Neste momento, só com o apoio à renda já temos 185 mil famílias apoiadas.”
Qual dos dois tem razão? Importa perceber quando é que António Costa mencionou os 170 mil fogos. Foi em 4 de outubro de 2017 que o primeiro-ministro a intervir no no debate quinzenal (pode consultar as declarações aqui) assumiu “duas metas a atingir num prazo de oito anos“, ou seja, até outubro de 2025.
A primeira era a redução da taxa de esforço das famílias com as despesas de habitação de 35% para 27%. E a segunda era o “aumento do peso da habitação com apoio público na globalidade do parque habitacional de 2% para 5%, o que representa um acréscimo de cerca de 170 mil fogos”. Foi nesta ocasião que o chefe do Executivo realizou tal promessa, diferente daquela que fez em abril de 2018, quando se comprometeu a criar condições de habitação condigna para 26 mil famílias com rendimento inferiores a cerca de 1700 euros mensais. E ficava claro que esse programa — o 1.º Direito – Programa de Apoio ao Acesso à Habitação — devia ficar concluído no prazo de seis anos, ou seja, até 2024.
Portanto, não é verdade que às duas promessas tenham sido aplicadas o mesmo prazo e que promessa dos 170 mil fogos com apoio público tenha sido uma promessa com prazo de abril de 2024.
ENGANADOR
Só 25% dos pensionistas recebem acima do salário mínimo?
Cerca de 75% dos reformados com pensões inferiores ao salário mínimo nacional”
Paula Santos, líder parlamentar do PCP
Na intervenção da deputada do PCP no debate quinzenal, Paula Santos lembrou que “cerca de 75% dos reformados” auferem pensões abaixo do salário mínimo nacional. É possível calcular esta proporção através dos dados divulgados pela Pordata, referentes a 2022, tendo em conta o número total de beneficiários da Segurança Social das funções de sobrevivência e de velhice por tipo de pensão ou subsídio e o número de pensionistas do regime geral da Segurança Social com pensões inferiores ao salário mínimo nacional.
O ano passado existiam 2.081.795 beneficiários da pensão de velhice com registo na Segurança Social. Já olhando para aqueles que recebiam abaixo do ordenado mínimo mensal, contam-se 1.532.080. Ou seja, apenas 25% dos pensionistas auferiam, em 2022, mais de 705 euros, valor do ordenado mínimo estabelecido para esse ano.
Assim, confirma-se que a deputada comunista acerta quando refere que, tendo em conta os dados mais recentes disponíveis, 75% dos reformados recebem todos os meses menos do que o salário mínimo.