Índice

    Índice

O novo livro dos jornalistas Filipe Santos Costa e Liliana Valente — autores de O Independente — é uma viagem aos “momentos mais loucos, divertidos, embaraçosos e inesperados dos 50 anos da democracia portuguesa”. Recupera personagens e momentos que trouxeram algum colorido (e uma dose generosa de bizarria e drama) a um país ainda muito cinzentão.

Mas esta obra pretende ser mais do que uma viagem no tempo. Recorda, aliás, muitos momentos que os protagonistas atuais da política portuguesa talvez não gostassem de ver recuperados. Desde o “lelé da cuca” de Marcelo ao episódio sobre Costa e os “cobardes” profissionais de saúde, passando pelo suposto choque fiscal de Montenegro, pelo polémico despacho de Pedro Nuno e pelas muitas (e contraditórias) declarações de Ventura sobre pertencer ou não a um governo do PSD, tudo conta para ajudar construir um retrato da política contemporânea.  

Só Neste País chega às livrarias a 16 de outubro. O lançamento do livro está marcado para esse dia, às 18h30, na FNAC Chiado, em Lisboa. Contará com a presença dos autores e apresentação de António Pires de Lima e Pedro Siza Vieira. 

O Observador pré-publica aqui alguns dos excertos do livro de Filipe Santos Costa e Liliana Valente. 

O PM que também era candidato a PR

José Pinheiro de Azevedo, almirante e primeiro-ministro (PM), nunca tinha feito uma campanha eleitoral. Chegou a chefe do  Governo nas contracurvas do PREC, quando Carlos Fabião, indicado para a tarefa, recuou e recusou. Sobre Pinheiro de Azevedo, a sua excentricidade, idiossincrasia e boçalidade precediam-no. Tinha experiência de navegação, mas não em águas políticas. Rapidamente superou essas limitações: em 1975 viu-se sequestrado em São Bento por uma manifestação de operários da construção civil (motivo para o imortal desabafo «fui sequestrado duas vezes, já chega, não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia, pá!»), protagonizou uma semana de greve do próprio Governo e discursou num comício com bombas (feliz mente era «só fumaça», e o «povo é sereno»). Entrou em 1976 com estofo de político experimentado e pronto para protagonizar uma das mais insólitas campanhas a que o Portugal democrático assistiu.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda como primeiro-ministro, anunciou a candidatura às primeiras eleições presidenciais, marcadas para junho. O anúncio foi feito, em primeira mão, à Newsweek. Mais surpreendente ainda foi a decisão de se manter à frente do Governo enquanto fazia campanha para Presidente da República (PR). Pinheiro de Azevedo explicou que não se demitiria porque «seria muito difícil fazer as eleições [presidenciais] sem uma condução política firme imposta pela necessidade de estar atento às possíveis desestabilizações que se estão a criar».

O facto de ser PM não lhe trouxe benefícios do ponto de vista burocrático (quando se levantaram dúvidas sobre a validade de muitas certidões de cidadãos que apoiavam a sua candidatura disparou em todas as direções, como era seu estilo: «O que é que eu tenho com os erros? É uma infantilidade que, por causa de uma certidão, ou seja lá o que é, um candidato não possa ser candidato! Se quiserem eliminem-me!») A evidente incompatibilidade entre a função e a eleição só lhe trouxe dores de cabeça.

À sua maneira, o «almirante sem medo» pegou o touro pelos cornos: «Tenho recebido inúmeros ataques, através dos quais me dizem que, sendo eu o campeão da democracia, estou afinal de contas fazendo jogo antidemocrático por fazer a minha candidatura enquanto sou, ao mesmo tempo, primeiro-ministro. E eu acho que eles até têm razão porque senão respondia-lhes à minha maneira.» O problema nem era que as críticas fossem injustas «Fico um bocado sem saber o que hei de fazer, por isso não lhes respondo nada.»

E assim continuou, em campanha à boleia do cargo de PM. Sem apoios partidários, não fazia comícios nem tinha agenda de campanha – em vez disso, desdobrava-se em deslocações oficiais e declarações à imprensa. A cereja no topo do bolo foi a escolha do mandatário: apesar de a lei ditar a «estrita neutralidade e imparcialidade dos agentes do Estado» nas campanhas eleitorais, o mandatário da candidatura presidencial do primeiro-ministro era nada mais, nada menos do que Pinheiro Farinha. O ministro da Justiça.

Deputado, Morgado, capado 

Não haverá paralelo na política portuguesa: um deputado ficou  conhecido para a posteridade pelo seu «truca -truca». Não se trata  de uma avaliação do trabalho do parlamentar, que terá dado à  Nação frutos desconhecidos, mas sim da condição de João Mor gado enquanto cobridor e alvo da exuberante poetisa açoriana Natália Correia.

Na Assembleia da República debatia-se, naquele ano de 82, a  despenalização do aborto, pela mão do PCP. A (então) comunista  Zita Seabra era a porta-voz da mudança, o deputado centrista João Morgado era o porta-bandeira da moral e dos bons costumes. «A Igreja Católica proíbe o aborto exatamente porque entende que  quando se pratica o ato sexual é para se ver o nascimento de um filho», doutrinou Morgado, em resposta a Zita.

Ao contrário do que reza o mito, Natália não estava na sessão plenária quando Morgado invocou a Santa Madre Igreja. Contudo, a tirada tremenda do deputado Morgado mereceu que Natália fizesse valer os seus dotes de omnipresença. Num ápice, a indomável açoriana versejou uma resposta satírica que correu pelos corredores do Parlamento e acabou nos jornais do dia seguinte. Apesar de não ter acontecido no Plenário, o poema do «truca-truca» tornou-se um dos momentos parlamentares mais célebres de sempre. Não é para menos. Oásis progressista no centro-direita daquela altura, Natália usou o seu talento para ridicularizar a posição do seu próprio partido e dos aliados da AD.

Eis a obra:
«Já que o coito – diz Morgado –
Tem como fim cristalino,
Preciso e imaculado
Fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca‑truca.
Sendo pai de um só rebento, lógica é a conclusão
De que viril instrumento
só usou – parca ração! –
uma vez. E se a função
faz o órgão – diz o ditado –
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.»

Natália não ficaria sem resposta. No dia seguinte, o deputado do CDS tratou de fazer prova de virilidade. Afinal, não era Morgado de ato isolado. Em entrevista ao Diário de Lisboa, fez saber que não era pai de um rebento, mas de dois. «Dois truca-trucas na contabilidade de Natália», portanto. Dois foi a conta que Morgado fez.

Memórias do artista enquanto jovem

Não é todos os dias que o diretor de um jornal entrevista o seu  diretor-adjunto. A bizarria só se explica por o entrevistado ser  Marcelo Rebelo de Sousa, prodigioso rapaz que aos 27 anos reluzia na política e no jornalismo como político-jornalista-comentador-fazedor-de-factos-políticos. O entrevistador era Francisco Pinto Balsemão. A entrevista entre os dois principais responsáveis do  Expresso foi publicada em março de 1976, no Jornal da Costa do Sol, de que Balsemão era proprietário e diretor.

Balsemão assumia a proximidade com Marcelo, com quem convivia «quase todos os dias». «Para além dos laços de amizade que se foram criando e estreitando, é uma pessoa com quem dá gosto trabalhar, não só porque é inteligente e rápido, mas também  porque é divertido e generoso. Devo dizer, no entanto, que nem  sempre compreendo os esquemas, as contradições, as ambições de Marcelo Rebelo de Sousa. A entrevista que se segue traduz algumas das minhas interrogações. As respostas são interessantes. Não sei, porém, se me considero totalmente elucidado», admitiu Balsemão.

A conversa tinha notícia logo no título: «Marcelo Rebelo de  Sousa (27 anos): sairá dentro de dois meses o 1.º volume das minhas “Memórias Políticas”». «Tenciono publicar, dentro de dois ou três meses, o primeiro volume das minhas “memórias políticas”, referente ao período que vai de 25 de abril de 1974 a 11 de março de  1975 e em que vou divulgar alguns aspetos curiosos, quer da minha atividade no Expresso, quer da minha atividade política no lançamento do PPD.» Segundo Marcelo, a obra já tinha «algumas partes redigidas». Balsemão, que não sabia do projeto, não resistiu a  comentar o óbvio: «É curioso um homem de 27 ano publicar memórias.» Marcelo deu-lhe troco: «Significa que estou numa fase de afastamento da atividade política e de tranquilidade.»

O livro nunca seria publicado – não por falta de empenho do autor, mas por um acaso. A editora era Snu Abecassis, fundadora da Editorial D. Quixote, que o país ficaria a conhecer como companheira do líder do PSD, Francisco Sá Carneiro. O próprio Marcelo recordaria, anos depois, o que se passou. «No início de 1976,  Snu aceita e depois empenha-se na ideia da publicação de um  primeiro volume de memórias minhas, cobrindo infância, juventude, universidade, aventuras na comunicação social, lançamento do Expresso e nascimento do PPD. (…) Escrevi praticamente todo o texto e submeti-lho. Sucederam-se então as sessões na D. Quixote, para apreciação de conteúdo e forma», e foi então que começaram as dificuldades. Snu mostrava-se estranhamente bem  informada sobre as histórias do PSD e «ia mostrando acrescido  cuidado na supressão de factos e no burilar da sua apresentação».

Marcelo só compreende porquê no dia em que reconheceu, à margem do seu texto, uma anotação com a caligrafia de Sá Carneiro. Tornou-se evidente que o fundador do PPD tinha acesso ao manuscrito e não queria a publicação daquele livro. Marcelo desistiu. Três décadas depois, confessaria: «A esta distância, tenho dificuldade em compreender essa originalidade de memórias aos 27  anos de idade.»

A mulher que tinha um ministro

Cavaco Silva não conhecia Diamantino Durão, mas tinha boas referências sobre o professor universitário. Era presidente do Instituto Superior Técnico e o sobrinho, José Manuel Durão Barroso, não poupava nos elogios ao tio. Quando Cavaco estava a montar o seu novo governo, após a vitória nas legislativas de 1991, Diamantino – ou «o Tino», como era tratado na intimidade – parecia acertado para ministro da Educação. Roberto Carneiro, de saída do cargo, conhecia o seu putativo sucessor e não parecia concordar .

«Fez um ar de espanto quando lhe comuniquei o nome do seu substituto, dizendo apenas que o conhecia bem, o que me deixou um pouco desconfiado» – escreveu Cavaco nas suas memórias. «Rapidamente me apercebi de que tinha errado na escolha.»

Diamantino não era apenas um caso perdido de falta de músculo político e incapacidade de gestão de um ministério. Era também um caso grave de primeira-dama em excesso: a sua mulher, Maria Manuela, ficou conhecida no ministério como «a Senhora Ministra». Segundo os jornais, Maria Manuela entrava e saía do gabinete do marido como se estivesse em casa, era conduzida diariamente pelo motorista do Estado numa viatura oficial, reescrevia discursos do ministro, indicava amigas para lugares de secretariado e até reunia com o cônjuge e os secretários de Estado para discutir políticas.

Podia ser apenas um caso de paixão ardente, tendo em conta que Manuela e Tino eram recém-casados (a cerimónia aconteceu poucos dias depois da tomada de posse), mas era sobretudo um problema de inexistência do ministro, que tinha nos braços problemas como greves de estudantes e professores, a revisão das propinas e a contestação à prova geral de acesso ao ensino superior (PGA). Sucediam-se fugas de informação do ministério, mas decisões, nem vê -las: entre outubro e março, Durão não levou qualquer proposta a Conselho de Ministros, onde consta que nunca falou.

Ao fim de quatro meses, Cavaco reconheceu que não havia condições para manter Diamantino em funções. Chamou-o a São Bento e despediu-o. Combinaram que a saída seria a «pedido» do ministro e este voltou para a Avenida 5 de Outubro para arrumar os seus pertences. Ou assim julgava Cavaco.

No Ministério, Diamantino Durão tinha à sua espera duas jornalistas do Público com quem havia combinado uma conversa. Já não era ministro, mas as jornalistas não sabiam e ele não lhes disse. Deu -lhes uma notícia e insistiu que deviam fazer -lhe uma grande entrevista. Podia fazer-se já, ali, naquele momento. «Se não for hoje, só pode ser na quarta-feira da semana que vem, porque tenho a agenda toda preenchida», insistiu o ministro-que-já -não-era -ministro. Ficou combinado que a entrevista se faria no dia seguinte.

As jornalistas saíram do gabinete e cruzaram-se com um assessor com cara de caso. «O ministro tinha sido demitido. O quê? Sim, a notícia tinha acabado de ser dada na televisão.» Ana Sousa Dias e Ana Henriques ficaram perplexas – «Nada, na conversa de Durão com o Público, poderia fazer crer que o ministro já não era ministro». Durão Barroso ficou furioso – não só o tio tinha sido despedido, como o substituto era Couto dos Santos, um «nogueirista» (o que representava um revés para a ala Barroso/Dias Loureiro). Maria Manuela ficou inconsolável – «Foi uma trama para destruir o Tino», denunciou, com todas as letras, em entrevista ao Expresso.

Diamantino Durão remeteu-se ao silêncio, mas a mulher, não. Embora abalada pelos acontecimentos («não dorme mais de “duas horas por dia”, perdeu “três quilos e a tensão arterial disparou para 22”»), negou «categoricamente» as «falsidades» que corriam sobre ela. «Nunca me envolvi em matérias da Educação, nem estou interessada na política.» Sim, assistira a reuniões em que se discutia alta política, mas «como dona de casa» – «servi os uísques e os aperitivos. Depois, retirei-me.» Tudo o que fosse dito em contrário era «uma trama, preparada há muito tempo», em que Maria Manuela era instrumental. Podia não parecer, mas não era ela o centro da história. «O alvo não podia ser eu, que nem pertenço ao Governo. Visavam certamente o meu marido.»

Candidato escondido com amigo de fora

Depois do furacão Cavaco, o espaço à direita do PSD teve de lamber as feridas, primeiro, e reinventar-se, depois. O CDS experimentou a liderança de um velho senador, Adriano Moreira, e regresso de um fundador, Freitas do Amaral, sem resultados que se vissem. Em risco de extinção, optou por saltar várias gerações e deixar-se dirigir por Manuel Monteiro, com ar de bom rapaz, a quem o venenoso Miguel Esteves Cardoso chamava «o mocinho».

«O mocinho» recebia muita atenção do jornal de MEC, O Independente. Até que, por muito que ambos disfarçassem, já não havia como esconder a proximidade entre Paulo Portas, o outro génio por detrás de O Independente, e Manuel Monteiro, o debutante líder do CDS. Monteiro fazia o que Portas teorizava, o Indy destacava os temas de que Monteiro falava, e Monteiro puxava para o debate político as notícias que o Indy publicava. Era demasiada coincidência e estava à vista de quem quisesse ver.

Até que, em finais de 1992, Monteiro tirou do armário a sua proximidade com Portas. Numa entrevista a Miguel Sousa Tavares, pôs as coisas nestes termos: «Eu penso pela minha cabeça e ele pensa pela cabeça dele, mas encontramo-nos quase todos os dias, se quer saber, e falamo-nos quase todos os dias (…) eu não tenho que negar nem tenho que esconder que me dou com o Paulo Portas, nem que eventualmente em certas coisas possa ser, não digo influenciado, mas ajudado pelo Paulo Portas.» A coisa foi mais longe quando o jornal O Diabo publicou uma notícia de estalo sobre a dupla maravilha da direita: Portas iria ser n.o 1 da lista do CDS às eleições europeias de 1994. O Público juntou gasolina à fogueira, escrevendo sobre a amizade do político com o jornalista e amplificando a hipótese de uma candidatura de Portas pelo CDS.

«Uma safadeza», reagiu o diretor de O Independente, num texto em que tentou desmentir o jornal de Vicente Jorge Silva. Desse texto retiravam-se três certezas: 1) sim, Portas era amigo de Monteiro; 2) não, nunca iria tornar -se político; 3) jamais seria candidato a eurodeputado. «A mim, basta-me ser jornalista. Gosto da vida de O Independente e não tenciono trocá-la por nada. (…) Se há uma certeza pessoal que eu posso divulgar é a de que não tenho a menor intenção de me submeter a votos»20, escreveu Portas. Muito menos para se candidatar a eurodeputado, jurou.

«Não tenho a mais pequena estima pelo Parlamento Europeu», para além de que «aprecio muito o trabalho e não me convém uma preguiça como a de Estrasburgo», acrescentou. E deixou garantia solene: «Eu estaria certamente doido se fosse pedir votos para lugares que contrariam as minhas convicções mais fundas.» Dois anos depois, Portas submeteu-se a votos como candidato do CDS à Assembleia da República. Passados três anos, Paulo e Manuel já não eram amigos. Seis anos passados, Portas foi cabeça de lista do CDS ao Parlamento Europeu.

Ministro das polícias assaltado em frente à esquadra

Há anos que Fernando Gomes ansiava ser ministro. Tal como Vila do Conde se tornara demasiado pequena para as suas ambições de autarca – e trocou a terra natal pelo Porto –, também o Porto se tornara demasiado pequeno para as suas aspirações de político. Gomes precisava de mais e acreditava que o país precisava de si.

No segundo Governo de Guterres, foi finalmente chamado. No outono de 1999 Gomes tomou posse como ministro Adjunto e da Administração Interna. O cargo de ministro Adjunto é o que o homem quiser, mas a Administração Interna é o que a sorte ditar.

O talento também conta, mas a sorte é quem mais ordena. E Fernando Gomes teve pouca sorte e menos talento. Levava poucos meses no cargo quando uma onda de assaltos se tornou a sensação mediática do verão de 2000. Eram assaltos de rua, roubos por esticão, um comboio da CP varrido por jovens delinquentes, notícias diárias de violência e furtos nas áreas metropolitanas. A delinquência grupal e juvenil crescia há anos e o fenómeno explodiu no colo de Gomes.

Tendo contra si a tendência, os dados e uma avalanche de notícias, Gomes jurava que tudo não passava de um problema de perceção pública e de aproveitamento político: o país era seguro, o Governo estava a atuar. Pela sua parte, a 10 de julho o ministro foi atuar no Norte, em terreno que conhecia bem: no Bairro do Regado visitou futuras instalações da PSP e, na esquadra da Bela Vista, perorou sobre as medidas contra a insegurança. E foi assim, com o ministro rodeado de polícias, que o seu carro oficial foi assaltado.

O autor (ou autores) da façanha partiram um pequeno vidro no jipe Mercedes ML do ministro e roubaram um saco com quatro camisas, roupa interior, uma máquina e espuma de barbear. Deixaram os cigarros e o autorrádio. Também deixaram dois quadros que estavam na bagageira do automóvel. No meio do azar, o
ministro teve sorte: os assaltantes não gostavam de pintura, nem de música, nem de fumar. E o saco com roupa roubado era do motorista. A sorte acabou aí. O ridículo de um ministro das polícias a ser assaltado numa visita a uma esquadra esfrangalhou a imagem (e o discurso) de Gomes.

Porcaria na ventoinha pela manhã, pentelhos à noite

Não há maneira de contar esta história com paninhos quentes. Brace for impact. Um senhor, na casa dos 70 anos, cabelo grisalho, ar respeitável e bonacheirão, disse na televisão, em direto, ao vivo e a cores, a palavra «pentelhos». Não era um senhor qualquer. À data, era negociador pelo PSD nos encontros com a troika e conselheiro do homem que viria a ser primeiro-ministro. Senhoras e senhores: Eduardo-o-homem-que-disse-pentelhos-na-televisão-Catroga.

O ex -ministro das Finanças de Cavaco andava desbocado. Nessa manhã saiu uma entrevista no jornal i com a manchete: «A minha geração nos últimos 15 anos só fez porcaria» (sendo «porcaria» um eufemismo do jornal para «merda», a expressão realmente usada por Catroga). O dia que começou com merda na ventoinha pela manhã, acabou com pentelhos à noite. Numa entrevista a Judite de Sousa, na TVI, Catroga criticava o andamento da campanha eleitoral, tanto pelo lado dos políticos como dos jornalistas, e saiu -lhe o desabafo: «Em vez de andarem a discutir as grandes questões que podem mudar Portugal andam adiscutir, passe a expressão, pentelhos».

No day‐after da «palavra p», Catroga, himself, confessou ao i intimidades da vida doméstica: «Tenho recebido muitas mensagens a dizer que gostaram [da entrevista à TVI]. A minha mulher é que não gostou muito, diz que agora quando sair comigo à rua vai ficar envergonhada.» Quem não teve vergonha foi o ex-ministro, que nisto da política fazia questão de ser autêntico. Nada como voltar às suas raízes de São Miguel do Rio Torto: «Sou muito natural. Aquilo [»pentelhos»] é uma das expressões da minha aldeia. É a mesma coisa que dizer que andam aí com assuntos de cá-cará-cá-cá em vez de discutirem o país». Depois deste motejo, passou a discutir -se, passe a expressão, pentelhos. (E, sim, escreve -se com e.)