Índice
Índice
Foram mais de quatro horas de um interrogatório tenso que ocorreu a 30 de julho — e foi a primeira vez que Manuel Pinho apresentou explicações sobre uma parte da prova indiciária que sustentam os crimes que lhe são imputados no caso EDP. De um lado estava um arguido concentrado em ler uma declaração na qual refuta qualquer ilícito ou favorecimento à principal elétrica nacional e que veio a publicar minutos depois no seu site. Do outro lado da barricada estava um procurador, Hugo Neto, que tentou fazer as perguntas centrais neste processo:
- “Quer falar dos cerca de 15 mil euros mensais que recebeu da Espírito Santo (ES) Enterprises”, o famoso ‘saco azul’ do Grupo Espírito Santo?
- Quer explicar as três sociedades offshore que possuía juntamente com a sua mulher Alexandra Pinho para receber a “avença” do GES por intermédio de três sociedades offshore — que foram reveladas pelo Observador em 2018 e que agora foram recordadas pelos Pandora Papers publicados pelo Expresso?
Se aceitou responder sobre o apartamento em Nova Iorque que terá comprado com os fundos do saco azul do GES (fazendo uma comparação com a Rinchoa), sobre o seu ex-consultor João Conceição (pago pelo BCP por alegado pedido de Mexia e Manso Neto e que Pinho pensava que trabalhava em pro bono) e sobre os PIN – Projetos de Interesse Nacional apoiados pelo GES (tendo desvalorizado algo sempre valorizado pelo Governo Sócrates, o selo PIN) — já sobre a justificação para receber cerca de 15 mil euro mensais do GES imperou o silêncio.
Se, anteriormente, Pinho tinha levantado diversos incidentes processuais que impediram mesmo a realização dos interrogatórios, desta vez foi o facto de os extratos bancários da ES Enterprises estarem rasurados que impediu as explicações. Acresce que a defesa de Pinho já tinha pedido por duas vezes em 2019 estes extratos bancários mas só a 30 de julho de 2021 receberam uma cópia.
Caso EDP. Mulher de Manuel Pinho vai ser constituída arguida
Desde o dia 19 de abril de 2018 — há mais de três anos, portanto —, altura em que o Observador revelou em exclusivo que Pinho tinha recebido uma mensalidade de 14.963,94 euros da ES Enterprises enquanto foi ministro da Economia, que a explicação do ex-administrador do BES é um silêncio ensurdecedor. Será que a 4 de novembro, data do novo interrogatório de Manuel Pinho e da sua mulher Alexandra, vamos ter uma explicação?
Pinho diz que não há provas, queixa-se de difamação e recusa falar sobre a offshore Tartaruga Foundation
Antes de o interrogatório se iniciar, Manuel Pinho foi confrontado com uma nova indiciação do Ministério Público — que continha ligeiras alterações face à primeira, com que já tinha sido confrontado em setembro de 2019. Para começar, o Ministério Público imputou-lhe especificamente a prática do seguintes crimes:
- Dois crimes de corrupção passiva por, enquanto ministro da Economia, ter alegadamente sido corrompido por Ricardo Salgado (ex-presidente da Comissão Executiva do BES) e pela dupla António Mexia/João Manso Neto (ex-líderes da EDP e da EDP Renováveis);
- Um crime de branqueamento de capitais (por ter recebido a avença do Grupo Espírito Santo através de diversas sociedades offshore);
- E um crime de participação económica em negócio (em alegada co-autoria com Mexia e Manso Neto, pela adjudicação da construção da barragem do Baixo-Sabor à Odebrecht).
As ligeiras alterações entre as duas indiciações têm a ver precisamente com a imputação deste último ilícito criminal ao ex-ministro da Economia e com o alegado conhecimento e envolvimento de Alexandra Pinho (mulher de Pinho e co-titular das sociedades offshore Tartaruga Foundation, Masete e Blackwade) nos esquemas de branqueamento de capitais — e que estão na origem da sua constituição como arguida, como o Observador noticiou esta segunda-feira.
O interrogatório começou com Manuel Pinho a fazer questão de ler uma longa declaração que acabou por ser publicada (como o conhecimento do Ministério Público) minutos depois do final da diligência num site criado para o efeito. Nessa declaração, Pinho queixa-se de estar a ser alvo de uma “campanha difamatória” e refuta de forma peremptória a prática de qualquer crime: “Tenho a certeza que não fiz favores nem à EDP nem a ninguém” .
Sobre os cerca de 15 mil euros que recebeu entre 2005 e 2012 da ES Enterprises por alegadas ordens de Ricardo Salgado, o ex-ministro fica-se por uma afirmação lacónica :“Ricardo Salgado e o BES não têm rigorosamente nada a ver com o caso EDP”.
O procurador Hugo Neto ouviu atentamente a declaração de Pinho durante 26 minutos e 32 segundos até ter de interromper o ex-ministro de Economia de José Sócrates.
Manuel Pinho: “(…) Não recebi um euro indevido do BES. Sobre quaisquer pagamentos que em concreto me tenham sido feitos, continuo à espera que me mostrem os documentos que os titulam, o que os meus advogados requereram em 19/09/2019 e em 30/10/2019, sem resposta até hoje…”
Procurador Hugo Neto: Vou ter que interromper. O dr. não quer falar sobre os pagamentos para a Tartaruga Foundation [a sociedade offshore de Pinho e da sua mulher que recebeu a maior parte dos fundos da ES Enterprises]?
Manuel Pinho: Estou aqui a falar.
Procurador Hugo Neto: Está a falar? Diz que precisa dos documentos [extratos bancários da ES Enterprises que demonstram os pagamentos feitos à Tartaruga Foundation]. Para facilitar, tem aí os extratos bancários cortados da ES Enterprises onde constam transferências mensais para a Tartaruga Foundation — na indiciação não estão todas, mas algumas. Uma delas é de 500 mil euros. Quer falar sobre isso ou não?
Manuel Pinho: “Só posso garantir”, e vou continuar [a ler a declaração]… “não recebi…”
Procurador Hugo Neto: Queria que me dissesse se quer falar sobre isso ou não?
Manuel Pinho: Quero falar para garantir-lhe que “nunca recebi nada que não me fosse devido”.
Procurador Hugo Neto: E a Tartaruga Foundation, conhece ou não?
Manuel Pinho: Terceiro, terceiro… [Manuel Pinho quer continuar a ler a sua declaração] podem chamar….
Procurador Hugo Neto: Peço desculpa…. Pode dizer que não quer responder. Conhece a Tartaruga Foundation ou não?
Manuel Pinho: Senhor procurador, vou acabar… [de ler a declaração]
(…)
Procurador Hugo Neto: (…) Então podemos fazer uma coisa: podemos imprimir a documentação que veio do [processo] BES para os senhores consultarem a mesma e interrompemos esta diligência para dar acesso a essa documentação.”
Manuel Pinho: Isso é um absurdo mas enfim…
Procurador Hugo Neto: Com essa documentação quer prestar declarações ou não? Quero deixar isto bem claro: não deixará de ter a oportunidade durante esta diligência de se pronunciar sobre esses extratos bancários da ES Enterprises [para a Tartatuga Foundation]”.
Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho: Pode por favor imprimir esses extratos? E depois já se vê. (…) A questão é que nós pedimos há dois anos para ter acesso a essa documentação.
Ministério Público considera 500 mil euros como uma ‘entrada’ para o pacto corruptivo
Outra das novidades do novo despacho de indiciação com que Manuel Pinho foi confrontado prende-se com o raciocínio dos procuradores para justificar a imputação do crime de corrupção passiva ao ex-ministro por ter sido alegadamente corrompido por Ricardo Salgado.
Pinho, diz o Ministério Público, não poderia ter tomado qualquer decisão sobre qualquer interesse do Banco Espírito Santo (BES) ou sobre o Grupo Espírito Santo (GES) por quatro razões essenciais:
- Por ter trabalhado para o BES até 2004;
- Por “ter continuado a receber uma avença mensal do GES de cerca de 15 mil euros durante todo o tempo em que foi ministro da Economia”;
- Por “a sua mulher Alexandra Pinho continuar a trabalhar no BES durante o período em que foi ministro da Economia”, tendo um salários de cerca de 7 mil euros como curadora da coleção de fotografia BES Art;
- E por “ter recebido 500 mil euros do GES cerca de dois meses após ter iniciado as funções de ministro da Economia”.
E porque razão não podia? Porque o Código de Procedimento Administrativo proíbe qualquer governante ou responsável da administração pública de decidir sobre processos em relação aos quais exista “razoabilidade” para “duvidar seriamente da imparcialidade da sua conduta ou decisão”. Logo, Manuel Pinho deveria ter pedido escusa.
Acresce que os procuradores Carlos Casimiro e Hugo Neto passaram a considerar que os 500 mil euros que Pinho recebeu do ‘saco azul’ do GES no início de 2005 foi uma espécie de ‘entrada’ para o alegado pacto corruptivo que acordou com Ricardo Salgado para favorecer direta ou indiretamente os interesses do GES e do BES nas decisões que tomou enquanto ministro da Economia. Esta alegada ‘entrada’ teria sido complementada com o pagamento mensal de 14.963,94 euros durante todo o mandato do XVII Governo Constitucional liderado por José Sócrates.
Procurador Hugo Neto: (…) Vou disponibilizar-lhe a documentação bancária sobre essa matéria [transferências da ESEnterprises para a offshore Tartaruga Foundation], sendo que na indicação já foram disponibilizados uma parte dos extractos. (…) [Os últimos extractos da ES Enterprises chegaram do processo GES durante o mês de julho]. Há um quadro que está na indiciação que já existia há mais tempo. Por favor.
Manuel Pinho: Muito bem. Eu fico por aqui. Posso garantir-lhe que não recebi um euro indevido do BES. Os senhores ignoram coisas importantes e verdadeiras da minha relação com o dr. Ricardo Salgado. O sr. procurador não conhece e não vai começar mais novo…
Procurador Hugo Neto: Tudo o que o dr. Manuel Pinho juntar aos autos durante o inquérito será devidamente analisado, seja num sentido, seja noutro.
Manuel Pinho: Cada um apresenta os seus argumentos na altura que achar conveniente.
João Conceição. Um consultor do ministro em regime “pro bono” que afinal era pago pelo BCP
Outro dos suspeitos do caso EDP é João Conceição. Sem ter sido nomeado formalmente para o gabinete do então ministro da Economia, Conceição colaborou com Manuel Pinho a partir de 2007, mas foi pago pelo BCP alegadamente a pedido de António Mexia e de João Manso Neto — uma contratação que motivou uma auditoria da atual administração do banco liderado por Miguel Maya, que chegou a ponderar avançar com uma ação contra João Conceição para recuperar os 153 mil euros que foram considerados indevidamente pagos mas que acabou por desistir por riscos de prescrição.
Numa das poucas matérias em que aceitou responder detalhadamente às perguntas do procurador Hugo Neto, Manuel Pinho deu uma explicação diferente da de João Conceição. Se este diz que o seu trabalho era ajudar num projeto relacionado com um protocolo com diversas instituições de crédito para a energia solar, já Pinho fala numa colaboração relacionada com a presidência portuguesa da União Europeia que ocorreu em 2007.
Pior: João Conceição, que é igualmente suspeito de corrupção passiva por alegadamente ter aderido ao pacto corruptivo que o Ministério Público imputa a Manuel Pinho e à dupla Mexia/Manso Neto, teve acesso “a informação reservada” dos gabinetes do secretário de Estado Adjunto da Economia e do próprio ministro Manuel Pinho sobre a legislação dos contratos CMEC e sobre o Domínio Público Hídrico, que permitira a prorrogação das concessões de 32 barragens à EDP — os dois pontos centrais do alegado favorecimento de 1,2 mil milhões de euros à elétrica que o Ministério Público imputa a Pinho —, “a qual reenviou logo à EDP, bem sabendo a natureza reservada da mesma e que estava impedido de o fazer”, lê-se no despacho de indiciação de João Conceição, que é atualmente administrador da REN.
Procurador Hugo Neto: Quem lhe disse que João Conceição era a pessoa certa para o cargo [de consultor do ministro da Economia]?
Manuel Pinho: Sinceramente, não me recordo. É natural que eu tenha feito essa pergunta [ao gabinete]: ‘Preciso de uma pessoa para me ajudar [durante a presidência portuguesa da União Europeia de 2007]’. É que isto eram assuntos realmente complexos. Não era só ‘Faça-me lá aí uns discursos’. (…) Eu conhecia, mas não muito bem, o dr. Luís Gravito [líder da BCG, consultora onde Conceição trabalhou]. Mas não me recordo de lhe ter ido perguntar se ele tinha alguém. (…) Há a hipótese de trabalhar em regime pro bono.
Procurador Hugo Neto: Como assim, regime pro bono?
Manuel Pinho: Não sei, sinceramente. Isso é uma coisa dos serviços. Um ministro não diz: contrate alguém num regime A ou B.
Procurador Hugo Neto: Sabe de alguém que tenha estado no Ministério da Economia nas mesmas condições em que João Conceição esteve no seu gabinete: não recebia salário do Ministério da Economia mas sim do BCP?
Manuel Pinho: Estava convencido que o eng. João Conceição ou foi apresentado na BCG no regime pro bono — o que é muito frequente nas consultoras.
Procurador Hugo Neto: Sabe de mais exemplos?
Manuel Pinho: Não sei…
Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho: Aconselho o meu cliente a não divagar e sugerir coisas. Se não, não sabe. Ponto.
Manuel Pinho: Eu não sabia que o João Conceição tinha sido contratado como diretor do BCP.
Procurador Hugo Neto: Quer comentar os emails que João Conceição enviou para os responsáveis da EDP com os projetos de diplomas legislativos confidenciais que ainda estavam em discussão?
Manuel Pinho: Não, porque desconheço o enquadramento.
Procurador Hugo Neto: Calculo que a resposta seja igual para todos os emails.
Manuel Pinho: Vamos lá ver. Vamos imaginar que o senhores querem provar que houve um atropelamento e fuga ali no Marquês de Pombal. E então vão arranjar 100 emails de uma pessoa que estava lá perto para provar isso mesmo. Se houve atropelamento e fuga, os senhores têm de determinar quem foi atropelado e quem é que fugiu!…. [longa pausa]
Procurador Hugo Neto: ([interrompendo o silêncio] Não estou a conseguir fazer um paralelo com este processo mas vou deixá-lo terminar.
Manuel Pinho: Foi a EDP favorecida em algum processo? Desconheço! Desconheço!
O que é um PIN? “Nada.” E porque era atribuído? “Era para eliminar o menos. Não há nenhum mais”
O Ministério Público imputa a Manuel Pinho o alegado favorecimento do GES na aprovação das herdades da Comporta (controlada pela família Espírito Santo) e do Pinheirinho (um projeto da construtora Pelicano que era financiado pelo BES em cerca de 160 milhões de euros) como “PIN — Projeto de Interesse Nacional” — um ‘selo’ criado pelo Governo Sócrates que declarava determinados projetos de investimento como prioritários, com as respetivas vantagens fiscais e administrativas. Esses são dois dos alegados benefícios concedidos por Pinho a troco das transferências do ‘saco azul’ do GES.
Manuel Pinho foi um dos vários ministros que assinou os despachos governamentais que autorizaram aqueles dois projetos a terem o selo PIN — um selo muito cobiçado por todos os promotores imobiliários e turísticos durante o Governo Sócrates.
Manuel Pinho: Vamos lá ver uma coisa… Está a par do que é um PIN?
Procurador Hugo Neto: Tenho o conhecimento que deriva do processo.
Manuel Pinho: Muito bem. A empresa tem um projeto e tem um problema de burocracia. Então o que é que faz? Atenção: o despacho [que dá classificação PIN] não é uma cunha junto do Ministério do Ambiente ou da autarquia. Como sabe, muitas vezes as entidades públicas não falam. Então, o que é se que criou? Criou-se essa figura do PIN, que é uma espécie de mesa em que estão sentadas várias entidades e a ideia é dar resposta de uma maneira mais célere. Apoios de Estado? Zero! Isso não tem nada a ver com subsídios. Zero!
Procurador Hugo Neto: Está a desconsiderar a importância do projeto PIN?
Manuel Pinho: Não estou. Não sabe como são estas coisas: mete um requerimento no [Ministério do] Ambiente, passa para a autarquia e depois passa para outro departamento…
Procurador Hugo Neto: Portanto, o projeto PIN não era uma coisa importante.
Manuel Pinho: Isto não implicou qualquer ajuda do Estado. Por outro lado, se qualquer ministro (fosse qual fosse a pasta) queria que determinado projecto fosse PIN, não podia.
Procurador Hugo Neto: Na questão da Herdade da Comporta limitou-se a assinar o despacho, é isso?
Manuel Pinho: Não sei se assinei algum despacho. [Assinou a 7 de dezembro de 2007, ver aqui]
Procurador Hugo Neto: O dr. Sá Fernandes vai-me perdoar mas se calhar a cópia do despacho assinado pelo dr. Pinho não o vai satisfazer. Está lá o nome do dr. Pinho. É um facto. (…) Sendo a Herdade da Comporta do GES — e sabendo que o senhor não quer falar dos pagamentos —, sabendo que o senhor trabalhou para o GES, para o BES, depois regressa para o GES.
Manuel Pinho: Já referi que….
Procurador Hugo Neto: (…) O seu chefe de gabinete [João Correia das Neves, atual secretário de Estado Adjunto e da Economia] disse nos autos que o senhor não devia ter tomado decisões sobre o GES.
Manuel Pinho: Na medida em que o estatuto PIN não dá direito a nada, salvo uma espécie de via verde na burocracia. Não estou a desvalorizar. O que estou a constatar é a capacidade de influência dos ministros do Ambiente e da Economia na questão do PIN. Lá por eu ter trabalhado no GES não significa que tenha de os castigar. Quer dizer, todos têm direitos, menos a minha ex-entidade patronal. Eu fiz o que a minha consciência ditou.
Procurador Hugo Neto: Então porque razão era atribuído?
Manuel Pinho: Era para eliminar o menos. Não há nenhum mais. O estatuto PIN não dá direito a nenhum incentivo fiscal ou acesso a fundos europeus.
Procurador Hugo Neto: E se desse, despachava isso?
Manuel Pinho: Mas não despachei.
Um ministro pode comprar um apartamento? Nem na Rinchoa, “quanto mais em Nova Iorque”
Uma das sociedades offshore de Manuel Pinho que já tinha sido identificada nos autos do caso EDP, e que os Pandora Papers recordaram agora, é a Blackwade Holding Limited. Trata-se de mais uma sociedade de Manuel Pinho e da sua mulher Alexandra com sede nas Ilhas Virgens Britânicas e que terá servido para ser a proprietária formal de um apartamento em Nova Iorque, a poucos metros da praça Times Square e da Broadway.
O apartamento de luxo, situado no Edifício Platinum, terá sido adquirido em junho de 2010 “por cerca de um milhão de euros provenientes da avença mensal de Manuel Pinho com o GES/BES”, afirmam os procuradores titulares do caso EDP. No novo despacho de indiciação, o Ministério Público recorda ainda os negócios imobiliários que Manuel Pinho teve com o Grupo Espírito Santo (GES) em 2004, antes de entrar para o Governo de José Sócrates, nomeadamente a compra de um prédio em Campo de Ourique, em Lisboa. Pinho pagou cerca de 789 mil euros a uma empresa de gestão imobiliária do GES, recuperou o imóvel e revendeu uma parte das frações com uma mais-valia superior a 4 milhões de euros.
Por outro lado, em julho de 2009, uma semana depois de Pinho ter saído do Governo Sócrates, um fundo imobiliário do GES pagou 1,5 milhões de euros por duas das quatro frações recuperadas por Manuel Pinho e a mulher.
Procurador Hugo Neto: Os indícios nos autos dizem que a Tartaruga Foudation é controlada por si e pela sua mulher. O senhor tomou decisões sobre o BES e o GES diretamente ou indiretamente com esse ónus de 15 mil euros que recebia mensalmente, que estão espelhados nos extratos [da ES Enterprises], e que serviram para pagar um apartamento [em Nova Iorque]. Não queria estar a repetir o óbvio do que está em cima da mesa desde há muito… (…) Há igualmente emails da esfera do GES que associam a Tartaruga Foundation à Blackwade [a sociedade offshore que comprou o apartamento da Nova Iorque].
Manuel Pinho: Posso garantir… Sobre o apartamento? Qual apartamento?
Procurador Hugo Neto: Em Nova Iorque. Se quiser contestar isso: qual é a origem dos montantes que usou para comprar o apartamento em Nova Iorque?
Manuel Pinho: Eu não o roubei.
Procurador Hugo Neto: É só isso que quer dizer?
Manuel Pinho: [Fica em silêncio durante um pouco.] Não pense que eu tenho um grande património imobiliário.
Procurador Hugo Neto: Não tem?
Manuel Pinho: Não tenho!
Procurador Hugo Neto: Quer esclarecer como comprou o apartamento em Nova Iorque?
Manuel Pinho: Mas não tem o valor que diz que tem. [O Ministério Público avalia o imóvel em cerca de um milhão de euros.]
Procurador Hugo Neto: O senhor diz que muitas coisas [no despacho de indiciação] são falsas. O seu salário como ministro…
Manuel Pinho: Ó, ó, ó, ó, ó… Você é uma pessoa inteligente. Não me vai dizer que alguém como ministro pode ganhar o suficiente para comprar um apartamento na Rinchoa. Na Rinchoa! Quanto mais em Nova Iorque!!!
Procurador Hugo Neto: (…)
Manuel Pinho: Vamos lá ver uma coisa. Eu trabalhei para o BES. Pode parecer pouco importante mas, se calhar, é a origem do problema. Eu entrei para o BES como diretor. Era um diretor! Eu era diretor-geral do Tesouro e contrataram-me como diretor. Como diretor, salvo despedimento coletivo ou qualquer coisa, tenho lugar reservado para a vida. Ninguém me pode despedir. Depois estive 10 anos na Comissão Executiva. E depois sou nomeado para o Governo. Não pedi uma licença sem vencimento. Posso dar-lhe dez casos de quem foi requisitado e regressou para o lugar de origem. Vocês inventam que eu fiz um acordo secreto com o dr. Ricardo Salgado para poder regressar. (…)
Procurador Hugo Neto: Só uma conclusão sobre o pagamento do apartamento de Nova Iorque. Fiquei com a ideia de que estava a responder que pagou o apartamento de Nova Iorque com as suas poupanças que tinha do tempo em que foi administrador do GES. É isso? Não foi nada que tenha recebido do tempo em que foi ministro? Nunca usou o dinheiro que recebeu do tempo em que foi ministro para a compra do apartamento?
Manuel Pinho: Eu tinha dinheiro para isso.
Procurador Hugo Neto: Do dinheiro que recebeu enquanto administrador do BES até 2004?
Manuel Pinho: E atenção: também recebi o salário de ministro.
Procurador Hugo Neto: Responde se quiser: recebeu dinheiro do GES enquanto foi ministro da Economia?
Manuel Pinho: Isso é uma outra questão.
HN: Não quer responder. Recebeu ou não?
Ricardo Sá Fernandes, advogado de Manuel Pinho: Não vale a pena, sr. dr. Depois de ver os extratos, o dr. Manuel Pinho irá responder.
Manuel Pinho será novamente interrogado no próximo dia 4 de novembro, às 10h30, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal. A sua mulher Alexandra será igualmente interrogada e constituída arguida. O casal reside atualmente na cidade de Alicante, em Espanha.