O plano de reorganização das urgências pediátricas na região de Lisboa e Vale do Tejo divulgado esta segunda-feira pela Direção Executiva do SNS é diferente da proposta da Unidade Técnica Operacional, composta pelos coordenadores de todas as urgências de pediatria, a que o Observador teve acesso.

A última reunião entre todos os membros da equipa — que inclui a própria Direção Executiva do SNS, membros do INEM, da Autoridade Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, e representantes dos hospitais em causa — aconteceu na terça-feira passada. Três dias depois, a Comissão Executiva para a Organização das Urgências Metropolitanas de Lisboa e Porto recebeu uma nova proposta de reorganização, mas sem consultar a Unidade Técnica Operacional.

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O resultado final, com a decisão de Fernando Araújo, foi então anunciado esta segunda-feira. A comparação entre o documento a que o Observador teve acesso e a deliberação da Direção Executiva demonstra que o órgão tutelado pelo Ministério da Saúde tomou decisões diferentes daquilo que tinha sido sugerido pela Unidade Técnica Operacional. Estas são os seis pontos de divergência.

Os encerramentos definitivos

Coordenadores sugeriram fechar quatro hospitais, Direção Executiva não quis

A deliberação da Direção Executiva do SNS é perentória: “Não são encerrados serviços de urgência de pediatria”. Mas esse não tinha sido o entendimento dos coordenadores das urgências nessa área: de acordo com o plano original, a proposta era encerrar quatro unidades: duas do Centro Hospitalar do Oeste (Torres Vedras e Peniche) e duas do Centro Hospitalar do Médio Tejo (Abrantes e Tomar).

Se uma criança gravemente doente fosse transportada para uma instituição onde o serviço estivesse encerrado, o menor teria de ser estabilizado pela equipa de urgência interna e só depois transferido para um serviço de pediatria médica em funcionamento.

Os hospitais que funcionam em pleno

Proposta inicial sugeria menos hospitais abertos durante 24 horas

A proposta inicialmente enviada a Fernando Araújo, a 31 de janeiro, sugeria que apenas sete hospitais mantivessem o serviço de urgência de pediatria médica em funcionamento durante 24 horas: Centro Hospitalar do Médio Tejo (Unidade de Torres Novas), Centro Hospitalar do Oeste (Unidade de Caldas da Rainha),  Hospital Distrital de Santarém,  Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (Santa Maria),  Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (D. Estefânia), Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra) e o Hospital Garcia de Orta.

Menos de uma semana depois da última reunião com os representantes dos hospitais, das autoridades de saúde e do INEM, o diretor executivo do SNS anunciou que vai manter abertos durante 24 horas um total de 11 hospitais: aos sete hospitais mencionados na proposta da Unidade Técnica Operacional, juntam-se o Hospital de Vila Franca de Xira, Hospital de Cascais, o Centro Hospitalar Barreiro/Montijo e Centro Hospitalar de Setúbal.

Os encerramentos durante a noite

Direção Executiva escolhe outra rede para fechar às 21h

A Direção Executiva e a Unidade Técnica Operacional concordaram que três hospitais em Lisboa e Vale do Tejo deveriam fechar portas durante a noite, entre as 21h e as nove da manhã do dia seguinte. Mas Fernando Araújo optou por uma rede diferente daquela que os coordenadores hospitais tinham mencionado no plano original, em análise desde 31 de janeiro de 2023.

A Unidade Técnica Operacional tinha decidido que o Hospital de Vila Franca de Xira, o Hospital de Loures e o Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (São Francisco Xavier) deviam funcionar apenas das 9h às 21h. Na proposta final anunciada esta segunda-feira, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) substitui o Hospital de Vila Franca de Xira pelo Centro Hospitalar do Oeste (Unidade de Torres Vedras), porque “em geral já não conseguia cumprir no período noturno com os requisitos dos serviços de urgência de pediatria”.

Reorganização das urgências pediátricas: a falta de consenso sobre que hospitais fecharão à noite e o anúncio surpresa no fim da reunião

O fecho de serviços ao fim de semana

Coordenadores queriam funcionamento alternado, Direção Executiva escolheu outro regime

De acordo com o plano de reorganização das urgências pediátricas pela Unidade Técnica Operacional que o Observador consultou, os coordenadores hospitalares tinham concordado em adotar o regime de funcionamento alternado ao fim de semana — o mesmo que está, neste momento, em vigor em alguns serviços de urgência em obstetrícia e ginecologia em Lisboa e Vale do Tejo.

A Unidade Técnica Operacional pretendia que o Centro Hospitalar Barreiro-Montijo e o Centro Hospitalar de Setúbal funcionassem durante 24 horas, mas com rotação ao fim de semana. A ideia era que a suspensão do hospital acontecesse entre as 21h de sexta-feira e as 9h de segunda-feira e que se sobrepusesse à alternância dos serviços de urgência em obstetrícia e ginecologia e bloco de partos das mesmas instituições.

A Direção Executiva do SNS, porém, escolheu um regime diferente do sugerido pelos coordenadores: dois serviços fecham ao fim de semana, mas sem alternância com o serviço de outros hospitais — o Hospital de Loures e o Centro Hospitalar de Setúbal. No primeiro, a atividade fica sempre suspensa todos os fim de semana a partir de 1 de março até pelo menos 30 de junho. Em Setúbal, a atividade é suspensa entre as 21h de sexta-feira e as 9h de segunda-feira, mas apenas de duas em duas semanas.

A duração do plano

Unidade Técnica queria plano revisto em seis meses, Direção Executiva vai estudar já em junho

Os coordenadores dos serviços de urgência hospitalares sugeriram a Fernando Aráujo a realização de uma auditoria ao fim de seis meses “a todos e a cada um dos pressupostos essenciais” e “ao funcionamento dos serviços de urgência de pediatria médica”. A auditoria serviria para “corrigir eventuais disfuncionalidades ou assimetrias que possam ocorrer após a implementação das medidas”.

Agora, a Direção Executiva do SNS anunciou que vai reavaliar as medidas daqui a pouco mais de três meses para decidir o que fazer a seguir. Dessa auditoria tirar-se-ão conclusões sobre “a necessidade de alterações e definir a atuação nos restantes trimestres de 2023, em função da experiência do modelo, com perspetiva de potencial redução dos pontos de rede no verão e o aumento da disponibilidade no inverno, adaptando a oferta à procura de cuidados”.

A porta de entrada para o SNS

Coordenadores hospitalares queriam mais peso nos centros de saúde

No plano original a que o Observador teve acesso, as coordenações do serviço de urgência pediátrica sublinhavam que “a prestação de cuidados pediátricos urgentes à população deve ser realizada através dos cuidados de saúde primários”. As urgências deveriam ser complementares e reservadas a ” situações que não podem aguardar por agendamento programado incluindo as situações emergentes que ameaçam no imediato ou a curto prazo a vida da criança ou do adolescente”.

Ou seja, o funcionamento dos serviços deveria ser implementado “após determinadas condições prévias serem asseguradas”: a admissão deveria ser realizada após referenciação através dos centros de saúde, da linha de apoio Saúde 24, do 112 ou do médico assistente da criança.

As situações não agudas seriam tratadas nos cuidados de saúde primários — cujas equipas necessitam de ser “reforçadas e reorganizadas”. Esta possibilidade deliberava ainda que os protocolos da Linha de Saúde 24 deviam ser igualmente reorganizados. Aliás, os coordenadores sugeriram mesmo que o grupo de trabalho a ser criado para a reestruturação da linha deve incluir representantes dos serviços de urgência de pediatria médica e da Sociedade de Urgência e Emergência da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

O plano que a Direção Executiva do SNS anunciou esta segunda-feira admite a “importância da disponibilidade das equipas de saúde familiar possuírem capacidade para atendimentos não programados, no âmbito da doença aguda de crianças e adolescentes, através do reforço de recursos e de organização de cuidados para responderem às necessidades”. Mas não inclui, para já, medidas concretas e definitivas para os serviços de urgência funcionarem apenas por referenciação da Linha de Saúde 24, do 112 e dos cuidados de saúde primários.