A questão do número de alunos por turma tem lugar reservado no debate público. Não há ano lectivo em que o tema não surja, sobretudo pela voz de professores que afirmam ter demasiados alunos a seu cargo. Mas também os pais se preocupam, ao encontrar os seus filhos integrados em turmas grandes, nas quais fica particularmente difícil para os professores dar o devido apoio aos alunos com maiores necessidades.
Ora, esta semana, o tema reentrou na arena política, através da promessa do ministro da Educação de, a partir do próximo ano, reduzir a dimensão das turmas. A forma como isso se fará está dependente de um estudo, que o ministério encomendou, para avaliar o impacto da dimensão das turmas no desempenho dos alunos e, inevitavelmente, no orçamento de Estado – quanto menores forem as turmas, mais turmas haverá e, por isso, mais professores serão necessários. O anúncio foi inesperado, mas a disponibilidade do governo para legislar nesta matéria não pode constituir surpresa. Afinal, desde 2013, quando o ministro Nuno Crato aumentou os limites máximos de alunos por turma, o tema ascendeu a prioridade política dos partidos à esquerda – incluindo do PS, que inscreveu o objectivo de diminuir o número de alunos por turma no actual Programa de Governo.
Apesar de muito debatido, as dúvidas perduram. O actual limite máximo de alunos por turma é demasiado elevado? Está a ser cumprido? Na prática, quantos alunos têm as turmas, em média? Como é que Portugal compara com os restantes países europeus? Em termos de desempenhos escolares, há algum impacto identificado? E, em termos orçamentais, quanto custaria uma alteração legislativa? As perguntas são muitas. Felizmente, todas têm resposta.
O que diz a lei?
Nos últimos 15 anos, a dimensão das turmas tem sido alvo de pequenos ajustes legislativos, alterando os patamares mínimos e máximos para a constituição de turmas (tabela 1). Os patamares actuais foram fixados pelo ministro Nuno Crato que, à excepção do pré-escolar, os aumentou a todos os níveis de estudo. À época, esta alteração legislativa foi muito polémica, tendo sido interpretada como manifestação do objectivo de conter a despesa no sector, diminuindo o número total de turmas e reduzindo assim a necessidade de contratação de professores.
Claro que, de um lado, estão os patamares (mínimos e máximos) estabelecidos por lei para a constituição de turmas e, do outro, está a realidade. Na esmagadora maioria das situações, as turmas não atingem os valores máximos. Mas há também situações em que, excepcionalmente, os serviços do Ministério da Educação autorizam a constituição de turmas para além desses patamares. Abaixo dos mínimos quando a falta de alunos assim o obriga (o que é relativamente frequente). Acima dos máximos quando o número de alunos numa determinada área geográfica não é divisível para encaixar nos patamares – e, por isso, vão surgindo casos de turmas do ensino básico (2.º e 3.º ciclos) com 31 ou 32 alunos. Neste último caso, estão em causa situações minoritárias, embora com um peso não negligenciável no ensino básico, como a análise dos dados demonstra.
A dimensão real das turmas: pré-escolar
A observação da distribuição das turmas de educação pré-escolar por número de alunos, em 2015/2016, permite três constatações (gráficos 1 e 2). Primeiro, a maior parte das turmas (60%) está conforme o enquadramento legal estabelecido. Segundo, cerca de um terço das turmas (35%) está abaixo dos limites legais, tendo menos de 20 alunos. Terceiro, uma pequena minoria de turmas (5%) está acima do limite pré-definido – sendo mais prejudiciais os casos das turmas que, estando acima do limite máximo, têm ainda mais de dois alunos com necessidades educativas especiais (NEE) (2,1%). Ou seja, no geral, a situação no pré-escolar pode considerar-se controlada.
A dimensão real das turmas: ensino básico
No ensino básico, entrando-se na escolaridade obrigatória e contando-se com mais alunos, alguns problemas acentuam-se. No 1.º ciclo, quase metade das turmas (45%) fica abaixo do valor fixado para a constituição de uma turma. No entanto, cerca de um quinto das turmas (19,8%) está acima do valor estabelecido na lei – e 3% das turmas está em dupla ultrapassagem dos limites pois, para além de estar acima dos valores máximos, tem ainda mais de dois alunos com necessidades educativas especiais (quando o máximo fixado é de dois NEE). Nos 2.º e 3. ciclos, a paisagem é semelhante, com perto de um quinto das escolas em situação de sobredimensionamento, com os casos mais prejudiciais a ocorrerem em 2,7% e em 1,9% das escolas, respectivamente. Ou seja, os serviços do ministério da Educação têm autorizado um número importante de excepções no ensino básico ao valor máximo de alunos por turma.
De resto, vale ainda a pena assinalar que a maior parte das turmas tem à volta de 20 a 26 alunos (1.º ciclo) ou a 28 alunos (2.º e 3.º ciclos). Ou seja, em regra, não há pressão à volta dos limites de sobrelotação: a esmagadora maioria das turmas nem sequer está perto dos valores máximos.
A dimensão real das turmas: ensino secundário
É no ensino secundário que os desvios para além do limite máximo são menos importantes – somente 2,5% das turmas têm mais de 30 alunos. De resto, metade das turmas está subdimensionada (50%). A explicação para uma situação menos problemática no secundário estará na sua natureza, com diferentes áreas de estudo e menos alunos matriculados do que no ensino básico, o que facilita a sua eficaz distribuição.
Quantos alunos têm as turmas nos outros países?
Os dados acima exibem o quanto as médias podem ser enganadoras – não é por a média ser baixa que não existem casos acima dos limites predefinidos na lei. Contudo, a média de alunos por turma resiste enquanto indicador útil para comparação internacional, dando-nos algumas pistas sobre como Portugal se enquadra entre os restantes países europeus (gráfico 7). A comparação realça três aspectos.
Primeiro, que a dimensão média das turmas nos vários países europeus não varia acentuadamente. Segundo, que o caso português está alinhado com o perfil geral dos restantes países – ou seja, a dimensão média das turmas em Portugal não destoa do padrão europeu. Terceiro, entre 2005 e 2014, Portugal foi o país que mais aumentou a sua média de alunos por turma nos 1.º e 2.º ciclos (gráfico 8). E, também nesse mesmo período, melhorou transversalmente os desempenhos dos seus alunos. Ou seja, os dados não sugerem existência de relação entre a dimensão das turmas e os resultados escolares. Contudo, vale a pena olhar para esta relação com maior detalhe.
A dimensão das turmas tem impacto no desempenho dos alunos?
No debate público, quem defende uma diminuição do número mínimo/máximo de alunos por turma geralmente justifica a sua pretensão com os desempenhos dos alunos. A lógica do argumento é simples: quanto maior for a turma, mais difícil fica o trabalho do professor e menor aproveitamento têm os alunos, o que se reflecte numa pioria dos seus desempenhos escolares. Ou seja: de acordo com este argumento, diminuir o número de alunos por turma permitiria melhorar as aprendizagens. Mas é mesmo assim? Sim e não.
Primeiro, vamos ao sim. Efectivamente, se a diminuição for muito acentuada, o argumento confirma-se. Isto é, há estudos que verificam existir uma relação entre a diminuição de 10 ou mais alunos numa turma e uma melhor aprendizagem destes alunos. O que, de facto, não surpreende: é mais fácil para professores e alunos trabalhar num ambiente controlado com 10 ou 15 alunos numa sala, em vez de 25 ou 30. E, refira-se, há aqui ganhos mensuráveis e consistentes para os alunos das turmas pequenas face aos restantes. Mas há também um senão: a concretização prática de ter turmas com, no máximo, 15 alunos resume-se hoje a projectos educativos circunscritos – por exemplo, projectos que visam combater o insucesso escolar em ambientes socialmente desfavorecidos. No quadro da generalidade do sistema educativo, a sua transposição para a realidade é, por razões logísticas e financeiras, considerada inviável – e, como tal, nenhum país adoptou essa redução acentuada de turmas em grande escala.
Isto leva-nos, portanto, ao não – os desempenhos escolares não são influenciados pela dimensão das turmas. Se tivermos em conta o que realmente estará em discussão na mesa do ministério da Educação (oscilações dos limites mínimos/máximos de mais ou de menos dois alunos por turma), uma alteração legislativa não produzirá efeitos nas aprendizagens e nos desempenhos escolares. É, aliás, essa a constatação que as avaliações do PISA têm consolidado: a redução de alunos por turma é uma medida que custa muito dinheiro e que não produz resultados (cf. EENEE Policy Brief 2/2011).
A dimensão das turmas tem impacto orçamental?
Tem. E é fácil perceber o porquê: aumentar ou diminuir o número de alunos por turma interfere no número de turmas que serão constituídas e, consequentemente, no número de professores que se tem de contratar. Traduzindo: diminuir o número de alunos por turma, como o ministro anunciou ter disponibilidade para fazer, implica contratar mais professores e, por isso, aumentar a despesa com pessoal – que é o que mais pesa no orçamento da Educação.
A questão não é, por isso, se mexer nas turmas tem impacto no orçamento. É, sobretudo, perceber-se quanto custará cada cenário de alteração legislativa em concreto. O exercício implica uma ponderação complexa entre número de alunos, turmas constituídas, professores contratados. Felizmente, esse trabalho foi atempadamente executado num estudo do Conselho Nacional de Educação e permite-nos tirar algumas conclusões.
Imagine-se, por exemplo, um cenário em que se fixavam os seguintes limites máximos: 18 alunos no pré-escolar (menos 7 do que actualmente), 19 alunos no 1.º ciclo (menos 7 do que actualmente), 20 alunos nos 2.º e 3.º ciclos (menos 10 do que actualmente) e 21 alunos no secundário geral (menos 9 do que actualmente) (tabela 2). Bom, não precisa de imaginar: foi mesmo essa proposta que, na Assembleia da República, o Partido Ecologista “Os Verdes” apresentou (projecto de lei 16/XIII/1) e que foi aprovada no mês passado com votos favoráveis do PS, PCP, BE e PAN. Que impacto teria no Orçamento da Educação? Um aumento de custos fixos de cerca de 750 milhões de euros, por via da necessidade de contratar mais 28 mil professores e assistentes operacionais. Na prática, parece de concretização muito improvável, podendo contudo servir de ponto de partida para uma alteração legislativa intermédia – uma diminuição menos acentuada, que represente um custo menor para o Orçamento da Educação.
So what? Quatro ideias para reter.
Primeira. A esmagadora maioria das turmas nas escolas portuguesas está conforme a legislação ou abaixo dos patamares mínimos para a constituição de turmas. Apesar de casos de sobredimensionamento das turmas serem pouco frequentes, no ensino básico aproximam-se perigosamente dos 20% – ou seja, uma em cada cinco turmas estará com mais alunos do que deveria. Acresce que, numa minoria dessas turmas sobredimensionadas, há ainda alunos com necessidades educativas especiais em número superior ao estipulado na lei – deteriorando duplamente as condições de aprendizagem. Ora, tendo em conta que a constituição de turmas cuja dimensão supera os limites legais carece de autorização por parte dos serviços do Ministério da Educação, a resolução destes problemas parece estar sobretudo aí – e não na lei e nos limites estabelecidos, que estão alinhados com as práticas europeias.
Segundo. Não existe uma relação entre os desempenhos dos alunos e o número de alunos por turma, excepto se a diminuição aplicada for muito significativa (isto é, uma redução de 10 alunos por turma). Se a discussão ficar, como se espera, à volta de cenários alinhados com o passado recente, não se pode esperar que daí se promova melhoria dos desempenhos escolares. Os resultados não pioraram quando Nuno Crato aumentou os patamares mínimos e máximos para a constituição de turmas, tal como os resultados não melhorarão por via de uma diminuição que este governo introduziria. De facto, a experiência internacional demonstra que diminuir o número de alunos por turma é uma opção política tão cara quanto ineficaz.
Terceiro. A defesa da diminuição do número de alunos por turma é frequentemente promovida pelos sindicatos de professores e pelos partidos que mais estão alinhados com as suas reivindicações. Por um lado, porque turmas mais pequenas causam menos desgaste profissional aos professores. Por outro lado, porque essa medida forçaria inevitavelmente a contratação de novos professores (pelo menos alguns milhares). Ou seja, existe neste debate um interesse concreto por parte dos sindicatos de professores.
Quarto. O projecto de lei do PEV parece, à primeira vista, completamente irrealista e a sua concretização inviável, face às dificuldades logísticas e orçamentais que coloca (despesa suplementar anual de 750 milhões de euros). Mas tem uma virtude: a redução do número de alunos por turma é tão acentuada que, efectivamente, poderia resultar em melhorias nas aprendizagens. O problema é que, muitas vezes, a política é a arte do possível. E, neste caso, isso significará por certo a opção do ministério por uma alteração legislativa moderada – que agradará aos professores, mas que pouco ou nenhum impacto terá nos desempenhos dos alunos. Há, pois, que aguardar pelo estudo que o ministro da Educação anunciou e pela respectiva decisão do governo, para então tirar as dúvidas.
Alexandre Homem Cristo foi Conselheiro Nacional de Educação e, entre 2012 e 2015, foi assessor parlamentar do CDS na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. É autor do estudo “Escolas para o Século XXI”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2013.