Nos últimos seis meses, desde que o Governo de António Costa foi viabilizado, o céu da política portuguesa tem sido atravessado por insólitos objetos voadores não identificados. Não são pássaros. Não são aviões. Nem sequer é o super-homem. São manadas de vacas voadoras, cenários políticos que eram impossíveis em Portugal, mas que se tornaram realidade.

Foi o próprio primeiro-ministro quem usou a imagem do bovino alado como metáfora perfeita para as conquistas do atual Governo: não há impossíveis. No dia em que apresentou o Simplex 2016, o primeiro-ministro decidiu oferecer à ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, uma pequena réplica de uma vaca com asas, uma piada do inner circle de Costa desde que este era ministro da Administração Interna. “[E que] demonstra que mesmo aquilo que é mais improvável, como seja as vacas voarem, também isso pode não ser verdade. Até as vacas podem voar“, explicou o líder socialista durante a cerimónia.

Verdade seja dita, António Costa parece ter conseguido transformar muitos cenários aparentemente impossíveis em realidade palpável. Deu asas ao simpático mamífero e fê-lo voar. E tudo começou na noite eleitoral que confirmou a magra vitória dos socialistas nas europeias de 2014, a 25 de maio desse ano. Muito antes de chegar a primeiro-ministro.

Depois de vencer as autárquicas, em 2013, António José Seguro acabaria por derrotar novamente a coligação PSD/CDS. Por “poucochinho”, mas venceu. António Costa, o desejado pelos opositores internos de Seguro, diria a frase da noite: “Quem ganha por poucochinho é capaz de poucochinho. E o que nós temos de fazer não é poucochinho”. A partir desse momento, estavam desenterrados os machados de guerra.

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Seguiram-se meses de disputa interna, com António Costa a perfilar-se como o único capaz de devolver a maioria absoluta ao PS. Confirmar-se-ia a preferência dos militantes e simpatizantes socialistas: o costismo derrotou o segurismo e Costa tornou-se finalmente o líder do PS. Os socialistas esperavam dele uma vitória triunfante nas legislativas, acreditando que bastaria um sopro para derrotar uma coligação agastada pelos anos de austeridade.

Mas Costa perdeu. E perdeu por mais de 200 mil votos. Na noite eleitoral, a 4 de outubro de 2015, em pleno Hotel Altis, no momento em que reconhecia a derrota, muitos militantes pensavam que ia demitir-se. Ouviram-se gritos a dizer “não!”. António Costa tinha outros planos. “Já vão dizer que sim.”

Com um drible político, abriu portas à esquerda e à direita. Avisou a “coligação de direita [de que] não poderia contar com ele para viabilizar a prossecução das suas políticas”, e colocou condições. Disse que PS não faria parte de “uma maioria do contra, sem condições para formar um Governo credível e alternativo ao da direita.”

Os tempos seguintes confirmaram o destino traçado naquela mesma noite: há seis meses, depois do chumbo do Governo da direita, António Costa tornava-se primeiro-ministro mesmo depois de ter perdido as eleições legislativas. Era a primeira vaca a levantar voo. Tinha transformado uma vitória de Seguro numa derrota e agora transformava a sua derrota numa vitória. Daí para cá, outras vacas ganharam asas, provando que António Costa é o político “hábil” que Seguro depreciativamente lhe chamava.

A reconhecida habilidade política de Costa, no entanto, não lhe chega para tudo. Até prova em contrário, há vacas que simplesmente não parecem dispostas a tirar os cascos do chão. E outras que se passeiam ansiosamente pelos campos de pasto, indecisas: ou levantam voo ou desistem de vez.

As vacas voadoras de António Costa

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Continuando com a metáfora do bovino alado, nunca é demais recordar que, apesar de não ser impossível, é muito, muito difícil convencer uma vaca a descer escadas. E o que é que isto tem a ver com António Costa? Bem, a explicação é simples: a verdade é que o líder socialista conseguiu fazer coisas que ninguém antes dele tinha conseguido. O que subiu já não deve descer.

Depois de se ter tornado o primeiro líder derrotado em legislativas a assumir o cargo de primeiro-ministro, a segunda grande (e muito improvável) conquista de António Costa foi ter puxado Bloco de Esquerda e PCP para o centro das decisões políticas. Historicamente adversários, nunca antes bloquistas e comunistas aceitaram fazer parte de uma solução de poder. Em 2015 foi diferente e os primeiros sinais chegaram logo durante a campanha eleitoral pela voz de Catarina Martins.

No debate com António Costa, a coordenadora do Bloco de Esquerda impôs ao líder socialista três condições para “conversar” sobre um futuro acordo de Governo: desistir do congelamento das pensões, dos cortes na TSU e do regime conciliatório nos despedimentos. Nas semanas que se seguiram ao debate entre os dois, Catarina Martins foi repetindo o repto vezes e vezes sem conta. Do outro lado, Costa não respondia, para não se comprometer. Mas a semente tinha sido lançada.

Em véspera de eleições, com as últimas sondagens a apontarem para a derrota do PS (e para a perda da maioria absoluta da PàF), as conversações entre PS e Bloco precipitam-se. Na noite eleitoral, Bloco e PCP surpreenderam com uma abertura inesperada: estavam dispostos a viabilizar um Governo socialista.

Francisco Lopes, membro do comité central do PCP e cabeça de lista por Setúbal, era o primeiro a falar para dizer que PSD e CDS tinham perdido a “capacidade de formar Governo” e que a esquerda conseguiria, se assim o entendesse, “isolar politicamente” Passos e Portas. Catarina Martins confirmava: “A direita perdeu votos e perdeu mandatos. Se não tiver maioria, não será pelo BE que [a direita] conseguirá formar Governo“. Jerónimo de Sousa teve a frase da noite: “O PS só não forma Governo se não quiser“. Estavam lançados os primeiros parafusos daquilo que viria a ser a “geringonça”.

A 10 de novembro de 2015, PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV assinaram as “posições conjuntas” que formalizaram a primeira grande maioria parlamentar de esquerda. António Costa derrubava o “último muro do PREC” e fazia a segunda vaca voar.

Seguiram-se outras. Desde logo, convencer o partido a aceitar uma solução desta natureza. Alguns dos últimos soldados do segurismo (mas não só) opuseram-se à ideia e tentaram forçar uma rebelião. Sérgio Sousa Pinto, deputado socialista, demitiu-se do secretariado nacional do PS, sob protesto. Francisco Assis ensaiou um projeto de oposição. Acabariam neutralizados pela linha forte de Costa.

Em Belém, no entanto, havia um jogador político mais resiliente. Cavaco Silva entregou a Passos Coelho a iniciativa de formar Governo, mesmo sabendo que o plano estava condenado ao fracasso. O PàF caiu no Parlamento e Cavaco ficou sem alternativas. O único líder social-democrata a governar sozinho com maioria absoluta, o símbolo do partido que conseguiu derrotar Mário Soares (e depois Alegre) nas presidenciais, o homem que liderou os destinos do país durante mais tempo, terminava o percurso político de 30 anos obrigado a dar posse a um Governo socialista apoiado por trotskistas e comunistas. Mais: deixou Belém depois de ratificar a adoção por casais do mesmo género e o fim das taxas moderadoras, matérias com que nunca concordou. Mais uma conquista impossível de António Costa. Mais uma vaca nos céus.

Mas nestas coisas de vacas voadoras é mesmo preciso ver para crer. A prova de fogo da “geringonça” foi a aprovação do Orçamento do Estado para 2016 — até aqui, nunca Bloco de Esquerda e PCP tinham aprovado um Orçamento. Pressionado pelas metas de Bruxelas e pelas exigências dos parceiros parlamentares, António Costa tinha aqui um desafio aparentemente inultrapassável: respeitar os primeiros, sem antagonizar os segundos.

E conseguiu-o. Depois de semanas de negociações, ora em Lisboa ora em Bruxelas (sobretudo em Bruxelas), o Governo socialista conseguiu aprovar o Orçamento do Estado para 2016 com apoio de Bloco de Esquerda, PCP e Verdes. Os desafios de António Costa, no entanto, não se esgotam por aqui. O líder socialista terá de provar, entre outras coisas, que é possível governar contrariando a receita do anterior Governo e, mesmo assim, respeitar as regras europeias.

Vacas a pastar: Bruxelas, execução orçamental e Novo Banco, como é que Costa põe estas a voar?

Vaca-ruminar

No dia em que entregou finalmente a réplica da vaca voadora a Maria Manuel Leitão Marques, depois de a guardar “cuidadosamente ao longo destes dez anos”, houve um momento de hesitação: já com a ministra no palco, as asas do bicho pareciam não estar dispostas a bater. O primeiro-ministro não queria acreditar e soltava um comentário desiludido: “Não me vão dizer que isto agora não funciona…”

O que é certo é que funcionou: a pequena vaca voadora lá começou a bater asas alegremente. A atrapalhação do primeiro-ministro até ajudou a reforçar a passagem de testemunho: “Continuem a demonstrar que nem as vacas voarem é impossível“, desejou António Costa.

O que o primeiro-ministro parece querer provar é que mesmo as missões mais improváveis são concretizáveis. À cabeça, o Governo socialista terá de encontrar uma forma de responder às pressões de Bruxelas, sem rasgar os acordos parlamentares. A Comissão Europeia continua a exigir a Portugal 730 milhões de euros em medidas adicionais, de forma a atingir, já este ano, o défice de 2,3% do PIB. Como o fará, ninguém sabe. E não será António Costa a abrir o jogo. Mas colocar Bloco e PCP a discutir medidas adicionais será sempre um desafio digno de um rodeo.

Aqui há outro fantasma a assombrar o Executivo: e se a execução orçamental falhar? E se as metas traçadas não forem cumpridas? O primeiro-ministro recusa-se a ponderar este cenário e garante que tudo está a correr dentro do previsto. Mas a verdade é que os primeiros sinais parecem traçar um retrato menos simpático: a taxa de desemprego cresceu, as exportações caíram e o consumo privado diminuiu. E se a economia desiludir, nem as receitas do Estado correspondem às expectativas dos socialistas, nem a despesa com prestações sociais encolhe como o previsto. Os planos do primeiro-ministro podem ficar comprometidos — e a ideia de que é possível governar neste contexto sem medidas de austeridade também.

A banca, por sua vez, continua a ser uma espinha atravessada na garganta da “geringonça”. Depois de o processo de resolução do Banif ter provocado a primeira brecha na aliança parlamentar de esquerda, o Novo Banco pode vir a ser mais um obstáculo: Bloco de Esquerda e PCP querem a nacionalização do banco; António Costa até admite fazê-lo, mas só se essa for a melhor solução para os contribuintes.

[O Governo] deve ter uma atitude aberta em relação a todas as soluções. Se houver uma boa oferta que seja compatível com a defesa do interesse dos contribuintes o banco deve ser vendido. Caso contrário, o banco não deve ser vendido”, afirmou o primeiro-ministro em entrevista a José Gomes Ferreira, na SIC. Se nesse leque de opções estava também a nacionalização do Novo Banco, António Costa foi perentório: “Se for essa a melhor solução para o contribuinte, sim“.

O Novo Banco tem de ser vendido até agosto de 2017. Até lá, o Executivo socialista espera encontrar uma solução financeiramente satisfatória. Esse é o plano A. Se o plano A falhar, António Costa deverá tentar prolongar mais uma vez a data-limite para a venda do banco. Esse é o plano B. Em teoria, e no limite, a nacionalização do Novo Banco apenas se pode colocar se os planos A e B falharem. Entretanto, a vaca vai pastando e consumindo relva.

Estamos a falar de cenários incertos e nunca antes testados. Mas uma possível nacionalização do Novo Banco chocaria, eventualmente, com as regras europeias. E geraria mais um momento de tensão entre Bruxelas e São Bento, com os parceiros de esquerda dispostos a esticar a corda com a Europa até ao limite. Seria um braço de ferro com contornos imponderáveis.

E depois há Marcelo Rebelo de Sousa. Após umas eleições presidenciais fratricidas, que colocaram frente a frente (ainda que de forma informal) as duas fações do PS, nem todos os socialistas ficaram desagrados com a vitória do ex-líder social-democrata. A boa relação institucional que se construiu entre Marcelo e António Costa provou que o primeiro palpite de alguns setores socialistas não estava completamente errado: o novo Presidente da República não seria um adversário político — bem pelo contrário. De alguma forma, até ajudaria a desgastar a liderança de Pedro Passos Coelho no PSD.

Mas Marcelo também é um player político hábil. E imprevisível. Se Costa gosta de provar que até as vacas podem voar, o Presidente da República já fez questão de alertar para o “otimismo crónico e às vezes ligeiramente irritante” do primeiro-ministro. “Pode [ser otimista, mas] com os pés assentes no chão. Apesar de tudo há otimismos minimamente racionais“, aconselhou o novo inquilino de Belém.

A resposta de António Costa não se fez esperar. “Creio que essa figura tem a ver com uma história já muito antiga, em que apostei que a melhor nota que teria no curso seria ele [Marcelo Rebelo de Sousa] a dar-ma — e eu ganhei a aposta. Foi a melhor nota que tive e, pronto, isso diz tudo não só sobre a confiança, mas também em relação à forma como nos temos relacionado ao longo dos anos”, respondeu o primeiro-ministro.

Apostas à parte, António Costa conhece bem Marcelo Rebelo de Sousa. Não só por ter sido seu aluno na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas também porque era secretário de Estado (e depois ministro) dos Assuntos Parlamentares durante os primeiros dois anos do Governo minoritário de António Guterres (1995-97) — quando Marcelo Rebelo de Sousa era presidente do PSD (1996-1999). Os dois foram obrigados a negociar e o líder socialista sabe o que vale e como joga politicamente Marcelo.

Na pele de Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa tem dado mostras de querer levar até ao fim a sua magistratura de influência e de ter um entendimento alargado dos poderes do Presidente dentro de um regime semipresidencialista como o português. Não tem sido e não será um mero espectador.

Os sinais vão aparecendo. Depois das declarações sobre o “otimismo irritante” de Costa e as notícias que dão conta de que poderá não estar disposto a aceitar de caras a reposição das 35 horas e a lei sobre gestação de substituição (vulgo barrigas de aluguer), esta terça-feira Marcelo teve uma tirada enigmática:

“Desiludam-se aqueles que pensam que o Presidente da Repúblicas vai dar um passo sequer para provocar instabilidade neste ciclo que vai até às autárquicas. Depois das autárquicas, veremos o que é que se passa. Mas o ideal para Portugal, neste momento, é que o governo dure e tenha sucesso.”

O destinatário do recado do Presidente da República não é claro, mas há uma coisa que António Costa não deve ignorar: Marcelo Rebelo de Sousa jogará sempre com as suas próprias regras. E, ao contrário do que aconteceu com Cavaco Silva em fim de mandato, os seus poderes estão intactos. O apoio do Presidente da República à fórmula governativa encontrada por António Costa nunca será incondicional. Aliás, Marcelo nunca foi incondicional de ninguém. A relação institucional Belém/São Bento é como uma vaca que se tem mantido tranquilamente no prado (e tem batido as asas, é certo), mas nem António Costa sabe até quando vai durar essa pacífica ruminação.

As vacas que dormem: estas, até Costa tem dificuldade em pôr de pé

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Se os astros se alinharem como pretende o primeiro-ministro, António Costa pode ainda conseguir que Bruxelas não imponha mais medidas de austeridade, que a execução orçamental corra como o previsto, que as soluções encontradas para os problemas da banca não aumentem o fosso entre PS e parceiros de esquerda e que até Marcelo Rebelo de Sousa seja um parceiro ativo e cooperante para a estabilidade da “geringonça” no período pós-autárquicas. Mas existem ainda muitas pedras no sapato socialista. Ou vacas que nem com asas levantam voo, se insistirmos na metáfora utilizada pelo primeiro-ministro.

Desde logo, tudo se complica se as contas derraparem e Bruxelas exigir um maior e mais decidido esforço de consolidação orçamental. Pior ainda se a Comissão decidir aplicar sanções a Portugal. Conscientes de que essa é uma espada sobre a cabeça do Governo socialista, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa já foram avisando que não vão aceitar um passo que seja em direção ao passado. Ou seja, Bloco e PCP nunca aceitarão cortes nos rendimentos e pensões ou despedimentos na função pública. Se tal acontecesse, representaria o fim da aliança parlamentar de esquerda e muito provavelmente a queda do Governo socialista.

Os dados de execução orçamental divulgados na quarta-feira ainda não permitem fazer uma avaliação fidedigna do caminho escolhido pelo Governo — o Orçamento do Estado só entrou em vigor no final de março. Os primeiros números, no entanto, mostram que o défice orçamental quase duplicou no mês de abril, passando de 823,9 para 1634 milhões de euros. Ainda assim, olhando para igual período do ano anterior, o défice só está 56 milhões de euros acima do que se verificava nesses primeiros quatro meses, uma diferença mais baixa que a verificada no mês passado. Conclusão: as contas estão piores que há um ano, mas estão a melhorar. E o Governo garante que as contas cumprem as metas traçadas. Os próximos tempos dirão se o otimismo é para manter.

Depois, há a banca. António Costa já admitiu a possibilidade de vir a criar uma espécie de “super banco mau” que absorvesse os ativos tóxicos da banca portuguesa. A solução não está fechada, mas os parceiros parlamentares, sobretudo o Bloco de Esquerda, já avisaram que nunca aceitariam uma solução que representasse mais encargos para os contribuintes portugueses sem que outras garantias estivessem salvaguardadas.

Na Europa, parece muito pouco provável que Bruxelas venha a aceitar um haircut da dívida pública portuguesa, como defendem Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Para bloquistas e comunistas essa parece ser uma condição para que Portugal se possa relançar economicamente e libertar das restrições orçamentais. Isso, e rasgar de vez com o Tratado Orçamental. Mas nem António Costa o admite fazer, nem a Europa aceitaria um acordo nesses termos. Uma solução dessa natureza será impossível no atual contexto.

A nível interno, o partido parece apaziguado. Mesmo depois de ter perdido as eleições legislativas e presidenciais, a oposição interna a António Costa parece estar reduzida a não mais do que uma mão cheia de vozes dissonantes. Um milagre em termos políticos. Mas isso não significa que o líder socialista seja capaz de transformar todos os impossíveis em realidade. Ou até que o queira sequer fazer.

Primeiro, há António José Seguro, o homem que acabou afastado pelos militantes socialistas depois de ter vencido duas eleições pela margem mínima. O ex-secretário-geral do PS tem-se mantido afastado da vida política e parece muito improvável que algum dia aceite voltar ao partido durante o consulado costista. Nem tão pouco que António Costa o queira promover internamente.

Mas também há José Sócrates. O ex-primeiro-ministro foi um dos responsáveis pela subida de António Costa à liderança do partido. Os dois eram próximos — o atual líder socialista chegou a fazer parte do Governo de José Sócrates. Mas a Operação Marquês e a falta de apoio do partido ao ex-primeiro-ministro criaram um enorme fosso entre os dois.

O episódio do Túnel do Marão é significativo disso mesmo: António Costa convidou o antecessor para a inauguração do Túnel do Marão e Sócrates aceitou. Mas o encontro entre os dois aconteceu no interior de um autocarro de vidros fumados reservado pela equipa do primeiro-ministro e longe das objetivas dos fotógrafos que se encontravam no local. Até hoje, não há qualquer imagem desse encontro, mesmo que fontes do Governo socialista garantam que o protocolo não foi pensado para esse efeito.

Antes, em entrevista à Antena 1, José Sócrates já tinha proferido uma declaração que não deixava margem para dúvidas: “Eu nunca teria sido primeiro-ministro sem ter ganho as eleições, mas esse é um problema meu”. A relação entre os dois, no entanto, será a médio e longo prazo um problema de gestão para António Costa: haverá, algum dia, uma reconciliação?

Nos primeiros seis meses de Governo socialista, António Costa conseguiu, de facto, pôr muitas vacas no céu. Os próximos tempos dirão se consegue repetir o desígnio a que se propôs: transformar alguns dos cenários mais improváveis em realidade. E cumprir a legislatura, contra a força da gravidade.