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Entrevista com Rita Redshoes, a propósito do tema da saúde mental (depressão pós-parto), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 02 de Dezembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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A vida e o super-poder criativo de Rita Redshoes

A liberdade da infância e a descoberta da música; as primeiras bandas e os discos a solo; a música para teatro e, agora, a banda sonora de "Operação Papagaio". Perfil de uma mulher inquieta.

Uma das primeiras memórias de Rita Redshoes resume bem a imaginação fértil e o espírito sonhador que caracterizam a artista. Foi no início dos anos 80, era Rita Pereira uma criança, quando esticou uma toalha na alcatifa do chão da sala, para depois se deitar por cima. Queria imaginar que estava na praia. “Desde muito cedo que a minha imaginação me transportou para outros sítios”, assume.

Esse super-poder criativo tornou-se na força motriz que aplica em tudo quanto faz, desde os álbuns aos espetáculos, passando pelos videoclips e pelos livros, até às bandas sonoras. Rita Redshoes assina a trilha de Operação Papagaio, o mais recente capítulo dos Podcast Plus do Observador, este sobre um grupo de surrealistas e revolucionários que elaboraram um plano louco para derrubar Salazar — até um deles ser assassinado pelos companheiros.

“Fiquei super contente com o convite porque adoro fazer música sem ser no âmbito das canções. É muito libertador, sobretudo para quem está um bocado cingido aos discos.” Construiu o ambiente sonoro muito em torno de dois polos — o lado mais surrealista; e aquele com uma carga dramática mais real, que envolve a peripécia do homicídio.

“O movimento surrealista só por si já é uma fonte inesgotável de inspiração. É talvez o movimento mais livre, porque ultrapassa barreiras, está à procura de outras coisas e isso foi aquilo que pretendi fazer. Não me afastando totalmente da minha linguagem, até porque a minha formação tem um lado clássico, e aqui contribuía para dramatizar um lado da história que não é tão surreal. As cordas cumprem muito bem esse papel, a percussão remete-nos para algo militar. Do outro lado, o surrealismo — estamos a falar da rádio, de uma operação que se chama papagaio, e achei que faria sentido ir buscar um lado mais tropical. De repente parece que estamos na praia, num ambiente descontraído.” Tal como quando a pequena Rita estendeu a toalha no chão da sala.

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Uma infância mágica passada num mundo rural (e musical)

Nasceu em Lisboa a 10 de julho de 1981. O pai, Carlos Pereira, era futebolista. Jogou pelo Sporting, Belenenses ou Estoril, entre outros clubes. Mais tarde seria treinador do Alverca, das camadas jovens do Sporting e adjunto de Paulo Bento no banco leonino. O irmão, de Carlos, Aurélio Pereira, é um histórico ligado à formação do Sporting. O tio de Rita Redshoes foi o olheiro que descobriu Cristiano Ronaldo, Luís Figo ou Ricardo Quaresma. O futebol, portanto, era um assunto habitual em casa. Por outro lado, a mãe trabalhava nos recursos humanos de um banco. “Trazia sempre histórias incríveis para casa”, recorda. “Ainda hoje é uma grande contadora de histórias.”

Entrevista com Rita Redshoes, a propósito do tema da saúde mental (depressão pós-parto), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 02 de Dezembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"É um bocadinho o levantar a bandeira de que as mulheres têm uma voz há muitos anos, e de que a voz por vezes até é mais forte do que a dos homens. Já é tempo de reconhecer isso"

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Com um irmão cinco anos mais velho, Rita e a família viveram na Buraca até a mais pequena do clã completar a mão cheia de aniversários. Mudaram-se para uma zona rural do concelho de Loures, onde Rita viveu até sair de casa dos pais, aos 23 anos. A experiência da sua infância foi tão positiva que, após viver numa área mais urbana do concelho e durante muitos anos no centro de Lisboa, regressou nos últimos tempos ao meio rural de Loures, com o companheiro Bruno Santos, guitarrista, e a filha de cinco anos de ambos.

“Crescemos sem Internet, sem metade das tecnologias que temos hoje à disposição, por isso eu vivia muito a rua e o campo. Brincava fora de casa”, lembra-se. “Isso marcou imenso o meu crescimento. O espaço que tive, o contacto com a natureza, o silêncio… Marcou-me e definiu muito dos meus gostos. Até a própria música. Às tantas interessei-me muito por música country e folk, que tem essa componente mais rural.”

Com os outros miúdos da vizinhança, saía de casa de manhã e só voltava para comer. Passavam horas no meio do mato a brincar, a observar os bicharocos residentes, a construir cabanas e a trepar às árvores. “Era uma espécie de Tom Sawyer”, diz-nos. “Como tinha bastante tempo para pensar e imaginar, porque não havia nada e as férias eram muito grandes, isso também desenvolveu o meu lado mais surreal de criação. Tinha que inventar coisas para fazer.”

Em casa, tinham alguns hábitos culturais, mesmo que não fossem regularmente a concertos, peças de teatro ou exposições. “A minha mãe sempre gostou muito de cinema, por isso íamos muitas vezes. Também tínhamos uma biblioteca generosa em casa, havia esse lado da leitura e o meu pai trazia muitos discos do estrangeiro, sempre que ia jogar fora. Embora não fossem pessoas muito assíduas do mundo cultural, gostavam muito de música, pintura, cinema, e isso esteve sempre muito presente.”

A primeira grande paixão musical, recorda com algum embaraço, foi Samantha Fox. “Felizmente, ela não continuou por aí além a sua carreira.” Também ouviam muita música brasileira, nomes como Roberto Carlos e Caetano Veloso, ou os novos protagonistas da música portuguesa, casos de Rui Veloso e dos GNR. “Era uma grande misturada.”

“Obviamente tinha alguma esperança que as coisas corressem bem, mas não esperava que houvesse tão boa aceitação por parte do público e das rádios. Achava que as músicas eram muito pessoais, tinham um lado muito íntimo e provavelmente isso não seria uma coisa muito apetecível para rádios."

A pequena Rita sempre gostou de cantar em casa, mas era muito tímida. Ainda que os pais a incentivassem, não queria ter aulas de música. A sorte grande entrou-lhe em casa quando o irmão resolveu comprar uma bateria e formar uma banda, já nos anos 90, no auge do grunge de Seattle. “Cada vez que ele não estava, apoderava-me da bateria e acabei por ir conseguindo tocar qualquer coisa.”

Um dia encheu-se de coragem e dirigiu-se ao grupo de teatro da sua Escola Secundária de José Afonso, em Loures. Tinha 14 anos e queria tocar bateria na banda do teatro, que tocava ao vivo as bandas sonoras das peças. “Lá me aceitaram e foi assim que comecei por ter contacto com a música. A minha primeira composição, feita em parceria com outros miúdos, foi uma banda sonora para um teatro da escola.”

Em casa, acompanhava religiosamente os ensaios de garagem da banda do irmão, os Atomic Bees. “Sabia as músicas de cor e houve um dia em que o vocalista da altura não pôde ir. Para que o ensaio fosse feito na mesma, cantei as canções, eles gostaram, ficámos dois vocalistas e depois acabei por ficar só eu, roubei-lhe o lugar! Sentia-me super em casa, por ter ali o meu irmão, e eram os amigos do meu irmão, e isso também me ajudou a lutar contra a timidez. Nunca vou saber se o meu irmão não tivesse tido uma banda se eu viria a ser música ou não, mas o facto de ele ser mais velho, ter comprado uma bateria e ter formado uma banda e eu ter acesso a isso obviamente que me facilitou pelo menos a descobrir o meu gosto por cantar e por fazer música com outras pessoas. Sem isso, provavelmente não viria a ser música.”

Chegou a fazer o décimo ano de escola no ensino normal, mas eventualmente descobriu que existia um curso profissional de música clássica. Sedenta de aprendizagem, e encorajada pelos pais que sempre compreenderam a paixão da filha, fez um ensino secundário virado para a música. Estava determinada a profissionalizar-se. Quando chegou a altura da faculdade, ingressou na Escola Superior de Música de Lisboa. Mas não correu tão bem.

[“Mulher” — Rita Redshoes ao vivo no programa “Eléctrico”, da Antena 3:]

“Tive de desistir porque não me ambientei. Para todos os efeitos, eu vinha do rock e da pop. Tinha muita vontade de fazer as minhas próprias canções, sabia que não iria ser cantora lírica o resto da minha vida.” Porém, as aulas que teve durante estes anos foram fundamentais para se apaixonar pelo piano, que se tornou o seu instrumento de eleição. “Foi o que permitiu, depois, começar a escrever as minhas próprias canções.”

Os Atomic Bees ainda levaram uma vida séria. Lançaram um disco em 2001, Love.noises.and.kisses, e tocaram por bares, festivais e queimas das fitas, um pouco por todo o lado onde existisse uma oportunidade para uma banda emergente. “Foi uma escola super importante, foi aí que aprendi o que era subir a um palco, dar a cara, comunicar com um público que tinha à frente. Isto para uma miúda de 17, 18 ou 19 anos foi super importante, porque era como se fosse profissional. Sentia-me protegida pelo meu irmão e os amigos e isso ajudou-me muito. Também havia, claro, aquela inconsciência natural da juventude, e uma certa rebeldia, que me faziam subir para cima do palco, ultrapassando o medo e os nervos.”

A banda acabou por se dissolver de forma natural, quando os membros — incluindo o irmão de Rita Redshoes — começaram a transitar para uma vida adulta, iniciando os primeiros empregos e deixando a música para segundo plano. Era o tempo de Rita seguir outros projetos, como Rebel Red Dog, ou a sua primeira experiência a solo, intitulada Photographs. “Foi experimentar outras linguagens e também foi importante para a construção da minha identidade musical. Ainda no fim dos Atomic Bees, comecei a perceber que gostava de compor com aquelas pessoas mas que havia um lado meu que não cabia ali, que era algo mais próprio, mais íntimo, e que eu achava que tinha de ser num percurso a solo.”

De pianista de David Fonseca ao percurso a solo

Um dia, Rita recebeu um telefonema de David Fonseca, membro dos Silence 4 que estava a preparar uma banda para o acompanhar no seu projeto a solo. David ouvira o álbum dos Atomic Bees mas, acima de tudo, tinha visto um concerto de Photographs, projeto recheado de ambiências cinematográficas. Convidou-a para se juntar à sua comitiva como pianista, uma parceria que durou meia dúzia de anos e que funcionou quase como um estágio profissional de longa duração para aquela que em breve se tornaria Rita Redshoes.

“Foram anos muito importantes, onde aprendi imenso. Aí, sim, era mesmo uma coisa profissional e com um peso diferente. Ali já não tinha o meu irmão nem os meus amigos, tinha que me aguentar sozinha e também tinha que provar que era capaz enquanto instrumentista. Além disso, estava no meio profissional da música, com editoras e agências à mistura, todo o funcionamento mais burocrático, e também fui percebendo de que maneira é que eu gostaria de fazer, e com quem, quando fosse o meu projeto a solo.”

“Quando trabalhava em parceria com algum homem, algum colega, havia esta postura de desconfiarem que provavelmente era o homem que tinha feito o trabalho, que eu estava ali um bocadinho a reboque... Às vezes havia comentários neste sentido ou comportamentos que denunciavam esta ideia. E aí chateava-me.”

Enquanto acumulava experiência, traquejo e formava uma identidade com as composições que ia exercitando em casa — onde também gravava as maquetes que concebia, de forma autónoma, numa altura de democratização dos meios em que os artistas poderiam tornar-se mais independentes e menos reféns dos grandes estúdios e editoras — Rita Redshoes tirou uma licenciatura numa área completamente diferente: psicologia clínica.

“Na altura tinha feito a minha primeira psicoterapia. Gostei mesmo muito do processo e acabei por ir estudar psicologia. Foi um caminho diferente. Sabia que não queria exercer, mas foi uma fonte de conhecimento importante”, aponta.

Aos poucos, foi mostrando as gravações que ia fazendo em casa aos outros músicos da banda, ao próprio David Fonseca e também aos profissionais da indústria que trabalhavam com ele. “Comecei a perceber que aquilo tinha algum impacto nas pessoas que ouviam.” Em 2007, publicou no saudoso MySpace uma versão de Dream On Girl, que seria o seu primeiro single. Henrique Amaro, o radialista da Antena 3 sempre atento à música emergente em Portugal, ouviu o tema e selecionou-o para uma compilação dos Novos Talentos da FNAC. As coisas foram-se encaminhando.

“Já que tenho aqui uma música numa coletânea e que até está a passar na rádio, acabou por apressar o processo de ir para estúdio, tocar com os músicos e gravar um disco.” Em 2008, chegava às prateleiras das lojas Golden Era, o álbum de estreia de Rita Redshoes, que se inspirara nos sapatos vermelhos presentes em O Feiticeiro de Oz e em Let’s Dance, de David Bowie, para o seu nome artístico. Desejava um nome feminino que arrepiasse caminho e contrariasse a sua natural timidez.

Com singles como Choose Love e Hey Tom, além da já referida Dream On Girl, o impacto foi rápido, com a adesão das rádios nacionais a várias das canções. Rita Redshoes não esperava tamanha aceitação. “Obviamente tinha alguma esperança que as coisas corressem bem, mas não esperava que houvesse tão boa aceitação por parte do público e das rádios. Achava que as músicas eram muito pessoais, tinham um lado muito íntimo e provavelmente isso não seria uma coisa muito apetecível para rádios. E também gozei um bocadinho de não haver muitas mulheres a fazer música em nome próprio na altura, com carreiras a solo, a escrever as suas próprias canções, a serem autónomas. Acabou por também ser um pouco uma novidade no panorama musical português. Não olvidando o trabalho e o empenho, acho que isso também acabou por ajudar um bocadinho o projeto.”

Entrevista com Rita Redshoes, a propósito do tema da saúde mental (depressão pós-parto), no hotel Pestana Palace. Lisboa, 02 de Dezembro de 2021. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"Senti a necessidade de as escrever de uma forma mais direta e clara. Acho que a idade nos dá um bocadinho isso, começa-se a retirar alguns filtros e acho que as canções são um espelho disso"

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Apesar disso, também sentiu na pele — pela primeira vez — as desvantagens de ser uma mulher em nome próprio na música portuguesa. “Enquanto eu tinha a banda com o meu irmão, nunca me apercebi de nada porque tratavam-me como igual a eles, então nunca me tinha deparado com isso, nunca tinha pensado nisso sequer. Depois, já com o disco lançado, deparei-me com alguns episódios de alguma dúvida sobre se era mesmo eu que escrevia as canções, ou se eu era só uma miúda novinha com bom ar a aparecer e a dar a cara, havia dúvidas se eu tocava mesmo os instrumentos… Hoje em dia não penso muito nisso porque acho que já não tenho nada a provar, sobretudo a mim própria, mas durante os primeiros anos havia um bocadinho essa névoa a pairar por cima de mim”, conta.

“Quando trabalhava em parceria com algum homem, algum colega, havia esta postura de desconfiarem que provavelmente era o homem que tinha feito o trabalho, que eu estava ali um bocadinho a reboque… Às vezes havia comentários neste sentido ou comportamentos que denunciavam esta ideia. E aí chateava-me. Às vezes respondia, outras vezes não e ficava só irritada, até que, com o tempo, passei a saber como lidar, a defender-me e a ser mais assertiva.”

Mais tarde, já em 2012, criaria o espetáculo The Other Woman, de homenagem às mulheres do mundo da música. “Acaba por ser uma chapada de luva branca em relação ao machismo existente no mundo da música. Era um mundo muito masculino, coisa que mudou bastante nos últimos anos. Portanto, foi mostrar que esta e aquela canção que são tão conhecidas não foram escritas por homens. É um bocadinho o levantar a bandeira de que as mulheres têm uma voz há muitos anos, e de que a voz por vezes até é mais forte do que a dos homens. Já é tempo de reconhecer isso, de igualar os espaços e dar o crédito devido ao trabalho das mulheres.”

2008 e 2009 foram anos intensos para Rita Redshoes, que de repente começava a apresentar o seu próprio disco pelo país enquanto finalizava uma última tour como pianista de David Fonseca e terminava a licenciatura em psicologia clínica. “Dar concertos e tornar-me de repente numa frontwoman, decidir as coisas, tudo isso foi uma alteração grande e boa para mim. Eu era a miúda que tinha saltado de trás do piano do David Fonseca para um disco a solo. Muita coisa mudou nessa altura.”

Fã de viagens e com uma curiosidade infantil, no melhor dos sentidos, sempre apreciou a vida de estrada, por muito cansaço que pudesse implicar. “Sempre gostei desse lado aventureiro da música. Viajar a fazer aquilo de que gostava parecia-me mesmo o plano perfeito.”

Olhando para essa Golden Era da sua vida, encara o disco como já tendo muitas das “sementes” que formam a sua identidade artística. “A minha essência já estava ali bastante espelhada em muitas das canções. Claro que havia uma experimentação, uma procura — como ainda existe, é constante — mas a minha identidade e forma de cantar já estavam muito presentes.”

“Muitas das minhas canções não contam necessariamente uma história, mas têm muito de ambientes visuais como base para a composição. [...] Tive a sorte de receber alguns convites e conseguir exportar a minha imaginação e criatividade para esse universo."

Ao longo dos anos (e dos discos), só foi consolidando essa maturação artística e identitária. Lights & Darks, o “difícil segundo álbum” editado em 2010, provou-se um registo mais experimental, onde abriu portas para outras sonoridades. Rita Redshoes desejava música “mais orgânica”, que não dependesse tanto das cordas.

“É um disco de transição, é sempre difícil quando o primeiro corre muito bem. Caiu uma angústia grande e eu passei por ela. Mas orgulho-me de ter feito o chamado caminho das pedras, porque depois chego ao terceiro disco [Life Is A Second of Love, de 2014] bastante mais esclarecida daquilo que quero fazer. Embora seja um disco mais difícil, em que as canções não são tão diretas nem redondas, há muitos sítios onde fui parar dos quais me orgulho bastante. Acho que não tive nenhum single desse disco a passar na rádio, era uma coisa muito mais fechada e afunilada.”

O gosto pelas artes visuais, pela literatura e pela performance

A pintura, o cinema e a literatura são expressões artísticas que sempre a inspiraram para a sua música. As palavras e as fábulas dos livros; os fragmentos visuais retratados em tela que convidam a que alguém continue uma história imaginada; as bandas sonoras que imprimem camadas adicionais de narrativa aos filmes.

“Muitas das minhas canções não contam necessariamente uma história, mas têm muito de ambientes visuais como base para a composição. Isso sempre esteve presente e claro que, quando comecei a trabalhar mais profissionalmente na música, interessei-me pelo campo das bandas sonoras e depois tive a sorte de receber alguns convites e conseguir exportar a minha imaginação e criatividade para esse universo, que é algo que me dá mesmo muito gozo.”

Explora a sua vertente de cineasta quando faz os seus videoclips — quase todos nascem com base numa ideia sua. Já no campo da pintura, prefere mesmo não arriscar. “Não tenho jeito absolutamente nenhum, nem sequer me atrevo.” Na área dos livros, já conta com alguma experiência. Publicou uma história infantil, O Gato Surucucu e o Corvo Negro (2016); e o peculiar Sonhos de Uma Rapariga Quase Normal (2015), com o qual aproveitou a habilidade invulgar para se recordar vividamente dos sonhos para contar algumas histórias ilustradas.

[as canções do espectáculo infantil Chinfrim, para ouvir no Spotify:]

“Felizmente, continuo a sonhar bastante, sempre que a minha filha me deixa dormir. E lembrar-me dos sonhos é uma coisa da qual me orgulho, porque é como se vivesse uma vida paralela durante a noite. Os sonhos são uma porta aberta para o surrealismo e para aquilo com que não queremos lidar conscientemente, têm sempre ali um aviso e é bom ter acesso a isso. E já aconteceu muitas vezes ter ideias em sonhos que depois passam para canções. Não sei de onde vêm, se do inconsciente ou de outras vidas, mas como me lembro acabo por conseguir anotar e ficar com essa informação para depois a usar naquilo que artisticamente vou fazendo. É um presente que vem do infinito.”

Outra paixão que tem é o lado mais performativo. “Pela minha experiência inicial no teatro, de acompanhar todo o processo de construção de personagens, de cenários e adereços, tudo isso me fascinou sempre. E quando estudei música clássica, estudei ópera. Portanto, tenho um gosto grande pelo espetáculo em si, pelo palco, por tentar criar ao máximo imagens que fiquem visualmente nas pessoas.”

Recentemente, tem apresentado pelo país uma criação sua, o espetáculo infantil Chinfrim. O seu lado imaginativo e curioso tem tudo a ver com a criança que tem dentro de si e que deseja aproximar deste público mais “honesto” e “direto”.

“A comunicação com as crianças é muito mais clara, precisamente por não haver tantos filtros. Esse lado ingénuo de ver as coisas pela primeira vez ou de uma outra forma fascina-me. Tenho uma filha de cinco anos e é maravilhoso poder assistir a esses processos de perto. Ainda ontem me perguntava: ‘mãe, a Lua é doce ou salgada?’ É uma coisa de que nenhum adulto se irá lembrar. Quero estar perto deste lado sempre que possível, quero estar em contacto porque é uma fonte inesgotável de imaginação, de ver o mundo de outra maneira, como se pudéssemos começar tudo de novo.”

Um romance, um EP e um “concerto dançável” no horizonte

Nos dias que correm, quando não tem concertos ou alguma marcação específica, passa muito tempo em casa, na zona rural que a viu crescer. Leva a filha à escola, cuida da horta e do pequeno jardim, depois senta-se a escrever. “Agora estou a acabar um romance, vai ser o meu primeiro, sai para o ano; e estou também a escrever canções novas, para um possível EP que sairá também no próximo ano.”

O romance, um desejo muito antigo, irá passar-se nos anos 80, a acompanhar uma personagem que terá “pontes biográficas” com a autora, mas que também “junta uma data de outras vivências e histórias”. “No fundo, tem a ver com as dores de crescimento de alguém naquela altura.”

Já o EP encontra-se “muito menos definido”, mas Rita Redshoes deixa algumas pistas no ar: “As canções que escrevi até agora são altamente pessoais. Têm a ver com alguns episódios por que passei, algumas conclusões a que cheguei nos meus últimos anos de vida, e de repente senti a necessidade de as escrever de uma forma mais direta e clara. Acho que a idade nos dá um bocadinho isso, começa-se a retirar alguns filtros e acho que as canções são um espelho desse processo.”

No horizonte tem ainda outro plano, um “concerto dançável”, para o qual gostava de orquestrar novas versões das suas canções de sempre. “Não é transformar o palco em discoteca, mas quase”, aponta. Deixem Rita Redshoes sonhar.

Ouça aqui os episódios do podcast “Operação Papagaio” que já estão disponíveis:

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