O mundo ficou um passo mais perto de o conflito entre a Rússia e a Ucrânia escalar para uma invasão militar quando Vladimir Putin reconheceu a independência das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk — cenário que ganhou maior dimensão, esta terça-feira, com o parlamento russo a aprovar o envio de tropas para o estrangeiro. Horas depois do anúncio do presidente russo, feito ao fim da tarde de segunda-feira, o Ocidente tenta agora travar o conflito ao impor sanções a centenas de deputados, a oligarcas e bancos com relações estreitas com Vladimir Putin; e ao suspender o licenciamento de um gasoduto entre a Rússia e a Alemanha.

Nada que pareça assustar o regime russo. O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo disse através da porta-voz que as sanções são “ilegítimas”, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, disse que a Europa iria  pagar 2.000 euros por mil metros cúbicos de gás natural “em breve” — o preço atualmente é de 900 euros — e o embaixador da Rússia no Reino Unido, Andrei Kelin, avisou que Londres vai “pagar o preço pela suas ações”.

Mas o ocidente diz que estas sanções são apenas o início: mais castigos podem ser anunciados em breve.

Congelamento de ativo de bancos e instituições financeiras da Rússia

Há cinco bancos na lista negra do Reino Unido, visados nas sanções que o país impôs esta terça-feira para castigar a Rússia por ter reconhecido a independência das regiões separatistas ucranianas de Donetsk e Lugansk: Banco Rossyia, Banco do Mar Negro para o Desenvolvimento e Reconstrução, General Bank, Promsvyazbank e IS Bank.

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A Lista Consolidada de Alvos de Sanções Financeiros no Reino Unido explica porque é que estas foram as instituições visadas. Mas algumas delas já tinham sido sancionadas no passado, aquando da anexação da Crimeia, pelos Estados Unidos.

O Banco Rossyia é considerado “o banco pessoal para altos funcionários da Federação Russa” pelos Estados Unidos e também foi alvo de sanções pelos norte-americanos em 2014. Agora, o Governo de Boris Johnson também castiga o banco “detido privadamente por multimilionários russos com ligações diretas a Putin”, com ações no grupo de comunicação social que controla estações de televisão “que apoiam ativamente as políticas de desestabilização do governo russo na Ucrânia”.

O Promsvyazbank, o único dos cinco bancos sancionados listado como uma importante instituição de crédito no banco central russo, foi nacionalizado em 2017 e passou de banco comercial a fachada para credores com investimentos no setor da defesa. Quase 70% dos contratos estatais assinados pelo Ministério da Defesa passam por este banco estatal. Os Estados Unidos também penalizam este banco.

O Banco do Mar Negro para o Desenvolvimento e Reconstrução é sancionado por ter sido criado imediatamente após a anexação da Crimeia em 2014. O governo britânico considera que “capitalizou o medo do setor de sanções ocidentais e a falta de bancos na Crimeia” e “consolidou a Crimeia na Federação Russa através do sistema financeiro”.

O IS Bank também é sancionado por operar na Crimeia desde que os bancos ucranianos foram banidos da região, pelo que “o desenvolvimento do seu negócio está diretamente relacionado com a anexação da Crimeia”.

O General Bank entra na lista igualmente por operar “extensivamente” naquele território ocupado. Segundo o governo do Reino Unido, os serviços bancários e financeiros que presta no território anexado da Crimeia contribuem para “minar ou ameaçar a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia”.

Já ao fim da tarde, o presidente norte-americano Joe Biden anunciou as sanções financeiras dos Estados Unidos. Além do “banco militar” da Rússia, o Promsvyazbank, também sanciona outra instituição com o congelamento dos seus ativos:

O VEB é um dos maiores bancos russos e já tinha sido sancionado pelos norte-americanos em julho de 2014 com medidas que restringiam fortemente quaisquer negócios de empresas ou cidadãos dos Estados Unidos com a instituição. O presidente do VEB é diretamente escolhido pelo presidente da Rússia. Conforme explicado, quando as sanções foram aplicadas há oito anos, o VEB “atua como agente do governo russo para fins de contabilidade, serviço e pagamento das dívidas soberanas” da Rússia e da antiga União Soviética.

Congelamento das fortunas de oligarcas

A mesma lista que justifica a entrada dos cinco bancos no rol das sanções do Reino Unido esclarece também quem são os três indivíduos “com património líquido muito alto” que também verão os bens congelados no Reino Unido: Boris Rotenberg, Igor Rotenberg e Gennadiy Timchenko — três oligarcas russos com ligações próximas a Vladimir Putin.

Boris Rotenberg, 65 anos e nascido em São Petersburgo, foi treinador de judo profissional em Helsínquia, presidente do Dínamo de Moscovo e agora é um dos proprietários da maior empresa de construção de gasodutos e linhas de energia elétrica da Rússia. Número 69 na lista dos mais ricos da Rússia da Forbes há seis anos, com uma fortuna avaliada em perto de 1,5 mil milhões de euros, Boris Rotenberg é acionista e presidente do Conselho de Administração do SMP Bank. Para o governo do Reino Unido, isso significa que o oligarca “está ou esteve envolvido na obtenção de um benefício ou apoio ao governo da Rússia em virtude de possuir ou controlar direta ou indiretamente” uma entidade que beneficia financeiramente no regime de Vladimir Putin.

Igor Rothenberg, 48 anos e também de São Petersburgo, é sobrinho de Boris Rotenberg, o maior acionista da Gazprom Drilling e co-proprietário do grupo SGM, a empresa de infraestruturas que construiu 320 dos 1.200 quilómetros do gasoduto Nord Stream 2. Também é presidente do Conselho de Administração da Sistemas de Telemática NVS, com negócios na área dos transportes, que são de “importância estratégica para o governo da Rússia”.

Gennadiy Timchenko, 69 anos, natural da Arménia e presidente do Conselho de Administração da Liga Continental de Hóquei russa, é também o maior acionista de um dos bancos sancionados pelo Reino Unido: o Rossiya — o mesmo que fornece serviços financeiros na região da Crimeia e apoia financeiramente a atividade militar do regime de Putin. Dos três oligarcas castigados pelos britânicos é o que tem uma fortuna mais avultada: 17,2 mil milhões de euros.

Os Estados Unidos também anunciaram que vão sancionar oligarcas, mas ainda não especificaram quem: “A partir de amanhã e durante os próximos dias, também imporemos sanções às elites russas e aos seus familiares. Eles partilham os ganhos corruptos das políticas do Kremlin e devem partilhar a dor também”, avisou Joe Biden.

Sanções a membros da Duma e do Conselho da Federação

Todos os 351 membros da Duma, a câmara baixa do Parlamento russo, que votaram a favor do reconhecimento da independência das regiões separatistas de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, vão ser sancionados tanto pelo Reino Unido como pela União Europeia.  Os britânicos expandiram ainda as sanções aos membros do Conselho da Federação, a câmara legislativa russa, que votaram para reconhecer a independência de Donetsk e Lugansk, “numa flagrante violação da soberania territorial da Ucrânia”.

Além dos membros da Duma, a União Europeia concordou em sancionar um total de 27 indivíduos e entidades das áreas política, militar, dos negócios e da comunicação social. Ainda não especificou quem são mas, já na última segunda-feira, a Comissão Europeia avançou com sanções a cinco indivíduos, tal como anunciado nesta publicação:

Aleksei Cherniak, 48 anos e nascido no Cazaquistão, é membro da Duma da Federação da Rússia desde 19 de setembro de 2021, representando a chamada “República Autónoma da Crimeia” no “círculo eleitoral de Simferopol”. A Comissão Europeia considera que tem trabalhado ativamente na integração da Crimeia na Rússia ao executar políticas que “comprometem ou ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia”.

Pelo mesmo motivo foi sancionado Leonid Babashov, 56 anos, eleito em representação da região onde nasceu, Crimeia, e eleito no chamado “círculo eleitoral de Yevpatoria”.

À lista junta-se Tatiana Lobach, 48 anos e natural da Ucrânia, também eleita em representação da Crimeia e também eleita pelo suposto “círculo eleitoral de Yevpatoria”.

Nina Faustova, russa de 38 anos, é presidente da Comissão Eleitoral de Sebastopol, entidade que participou na organização dos atos eleitorais realizadas naquilo a que os russos chamam “República Autónoma da Crimeia” e na cidade de Sebastopol. Estas foram as eleições em que os três membros da Duma foram eleitos.

Aleksandr Chmyhalov, 29 anos, é o número dois de Nina Faustova na Comissão Eleitoral de Sebastopol. Juntos apoiaram e executaram “ativamente medidas e políticas que comprometem a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia e desestabilizaram ainda mais o país”, considerou a Comissão Europeia.

Sanções na dívida soberana da Rússia

Esta foi uma das medidas anunciadas esta tarde pelo presidente Joe Biden e significa que atira o governo da Rússia para fora do financiamento ocidental: a Rússia “não pode mais levantar dinheiro do Ocidente e também não pode negociar a sua nova dívida nos nossos mercados ou mercados europeus”.

Envio de tropas para a região do Báltico

O presidente dos Estados Unidos anunciou que iria enviar mais tropas e equipamentos para a Estónia, Letónia e Lituânia. A ideia não é lutar, garantiu Joe Biden, mas sim “enviar uma mensagem inequívoca” de que os norte-americanos e aliados “defenderão cada centímetro do território da NATO e cumprirão os compromissos” assumidos com a NATO.

Suspensão do gasoduto Nord Stream 2

A 210 metros de profundidade no mar Báltico, um oleoduto com 1.200 quilómetros de comprimento esperava a certificação da Alemanha para transportar gás natural desde a costa russa junto a São Petersburgo até Lubmin. Foi um investimento na ordem dos 10 mil milhões de euros, metade saído dos bolsos da russa Gazprom e outra metade financiada por quatro empresas ocidentais: Shell (Reino Unido e Países Baixos), Engie (França), OMV (Áustria), Uniper e Wintershall (Alemanha).

Nord Stream 2, batizado assim por ser paralelo a outro gasoduto homónimo, está pronto desde setembro de 2021, ao fim de 10 anos de construção. Juntos deviam encaminhar para a Alemanha 110 mil milhões metros cúbicos de gás natural anualmente — mais de um quarto do utilizado nesse mesmo espaço de tempo só nos países da União Europeia.

Mas sem a autorização alemã para entrar em funcionamento, nada feito. E foi por isso que a Alemanha anunciou a suspensão do processo de certificação — uma decisão em que os Estados Unidos também participaram, segundo Joe Biden: “Enquanto a Rússia contempla o seu próximo passo, também temos o nosso próximo passo preparado. A Rússia pagará um preço ainda mais alto se continuar a sua agressão, incluindo sanções adicionais”, avisou.

O processo de licenciamento já estava embrulhado em polémicas, com o próprio regulador alemão a torcer o nariz ao gasoduto Nord Stream 2. Os Estados Unidos, Reino Unido, Polónia e Ucrânia também se opuseram à construção do Nord Stream 2, argumentando que a Europa ficaria nas mãos da Rússia no que diz respeito à energia.

Alemanha suspende gasoduto Nord Stream 2. Porque é que isso é importante?

É que o gás natural representa 22% do consumo de energia na União Europeia, dos quais 35% vem da Rússia. E a Alemanha, que está em transição energética, precisa dele para substituir o consumo que era garantido pelas centrais nucleares, agora em processo de encerramento: um terço do gás natural que utiliza é russo. Moscovo sabe como a Alemanha e toda a União Europeia depende da Rússia para obter o combustível. Mas o certo é que a Rússia também precisa muito das exportações de gás natural para a Alemanha.