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Beethoven por Harnoncourt: testamento vital

Um grande maestro despede-se com as Sinfonias n.º4 e 5 de Beethoven e dá ensejo para reflectir nas mudanças ocorridas na interpretação musical no último meio século.

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A 5 de Dezembro passado, na véspera do seu 86.º aniversário, o maestro Nikolaus Harnoncourt, por “sentir a energia física a abandoná-lo”, anunciou o abandono, dos palcos e da direcção do Concentus Musicus Wien, o agrupamento que fundou e dirigiu durante 62 anos.

Nikolaus Harnoncourt

Nikolaus Harnoncourt

Johann Nikolaus de la Fontaine und d’Harnoncourt nasceu em Berlim em 1929 em família nobre (o pai era conde de Harnoncourt-Unverzagt, a mãe, condessa de Méran e baronesa de Brandhoven), mas o clima insalubre que se instalou na Alemanha em 1933 com a ascensão de Hitler a chanceler levou os pais a decidir a mudança para a mansão familiar em Graz, na Áustria. Harnoncourt estudou música em Viena e em 1952 foi escolhido por Herbert von Karajan, entre 40 candidatos, para violoncelista na Orquestra Sinfónica de Viena, onde se manteria até 1969.

Não foi pelo seu papel na Sinfónica de Viena que Harnoncourt granjearia um lugar na história da música: foi por, em 1953, com a esposa, a violinista Alice Harnoncourt, e alguns colegas da orquestra, ter fundado o Concentus Musicus Wien, um agrupamento pioneiro na interpretação “em instrumentos de época”. A designação pode induzir em erro, por sugerir que o recurso a instrumentos contemporâneos da composição das obras basta para lhes conferir um cunho de “autenticidade”. Por esta razão, há quem prefira a expressão “interpretação historicamente informada”, que comporta outros factores decisivos para uma interpretação tão próxima quanto possível das intenções do compositor: estudo do manuscrito originais, cotejo de várias edições da partitura, recuperação de formas de tocar e práticas de ornamentação entretanto perdidas ou alteradas, afinação pelo diapasão em vigor no tempo e local da composição da obra, uso de efectivos análogos aos empregues na época de composição, etc. Como Harnoncourt frisaria em entrevistas, para ele o facto de os instrumentos serem “de época” (ou suas réplicas modernas) era menos importante do que as cabeças dos seus executantes serem “de época”, isto é, devidamente industriadas nas práticas musicais de antanho.

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O primeiro concerto

A interpretação historicamente informada dava então os primeiros passos – em 1953, Gustav Leonhardt fazia as suas primeiras gravações, com as Variações Goldberg e A Arte da Fuga – pelo que não havia ainda “instruções” ou “fórmulas” para o delicado processo de remoção de séculos de patine às obras do barroco. Harnoncourt e o Concentus Musicus tiveram, pois, que estudar afincadamente durante quatro anos (e vasculhar lojas de antiguidades em busca de instrumentos de outras eras) antes de darem o primeiro concerto e precisaram de mais cinco para gravarem o primeiro disco, com as Fantasias de Henry Purcell, em 1962, para a Telefunken (com Harnoncourt na viola da gamba, instrumento olvidado, cuja reemergência só começaria na década de 1970).

Uma imagem rara: Harnoncourt como jovem gambista

Uma imagem rara: Harnoncourt como jovem gambista

Harnoncourt manter-se-ia fiel durante muitos anos à Telefunken (que passaria a ser designada por Teldec, por associação ao ramo alemão da Decca), ou melhor, para a sua divisão Das Alte Werk, uma das primeiras chancelas especializada em música antiga, que iniciou actividade em 1958.

Foi na Das Alte Werk que Harnoncourt e Gustav Leonhardt deram início em 1971 a um ambicioso projecto: gravar, entre os dois maestros, as duas centenas de cantatas sacras de Johann Sebastian Bach que chegaram aos nossos dias. Não seria a dupla Harnoncourt/Leonhardt a primeira a concretizar este formidável empresa – só a concluíram em 1990 e entretanto Helmuth Rilling, em “instrumentos modernos”, terminara a sua gravação integral, na Hänssler, em 1985 – mas seria a primeira gravação integral recorrendo a instrumentos de época e apenas a vozes masculinas, ou seja, usando rapazes como sopranos não só no coro como nas partes solistas, tal como no tempo de Bach Foi uma opção arriscadíssima e que dificilmente será repetida – as crescentes exigências de perfeição fazem com que cada vez menos os maestros recorram a rapazes sopranos – e dá ideia do destemor que tem animado a carreira de Harnoncourt.

As cantatas por Harnoncourt/Leonhardt enfrentaram muita incompreensão e foram censuradas, por vezes asperamente, pela afinação vacilante, pela sonoridade abrasiva das cordas, pelos ritmos deselegantes, pelos coros confusos, pela qualidade desigual dos rapazes sopranos. Algumas críticas são justas, mas omitem que a integral Harnoncourt/Leonhardt também tem momentos de fervor e intensidade difíceis de encontrar em interpretações mais “polidas”.

Transformações radicais

Mas entre o início das gravações, em 1971, e o seu término, uma mudança decisiva ocorreu no mundo da música: os agrupamentos de interpretação historicamente informada foram multiplicando-se, primeiro na Europa do setentrional, depois também na Europa meridional, as dificuldades postas pelas novas (velhas) práticas instrumentais foram sendo superadas e o nível técnico dos executantes em instrumentos “de época” foi subindo até ser comparável aos dos que usavam instrumentos “modernos”.

Um fóssil vivo: um oboe da caccia. Foram as gravações das cantatas de Bach por Harnoncourt e Leonhardt que levaram à redescoberta deste instrumento há muito extinto

Um fóssil vivo: um oboe da caccia. Foram as gravações das cantatas de Bach por Harnoncourt e Leonhardt que levaram à redescoberta deste instrumento há muito extinto

Por outro lado, as fronteiras entre os dois mundos foram esbatendo-se: Harnoncourt, que nunca foi fundamentalista, começou a ser regularmente convidado para dirigir orquestras “modernas”, como a Filarmónica de Viena ou a Chamber Orchestra of Europe, a que foi transmitindo o conhecimento entretanto acumulado da interpretação historicamente informada. Ao mesmo tempo que as orquestras “modernas” eram “contaminadas” , também o repertório dos grupos de interpretação historicamente informada foi avançando paulatinamente no tempo: depois de consolidarem o domínio de Bach e Handel, começou o assalto a Mozart e Haydn. E quando esta “ofensiva” triunfou e o coro de indignação perante esta audácia inaudita (“Monteverdi e Vivaldi, ainda vá, mas Mozart em instrumentos de época!?”) começou a serenar, era inevitável que, mais tarde ou mais cedo, alguém ousaria o “sacrilégio” de tocar as sinfonias de Beethoven com cordas de tripa.

Não foi Harnoncourt o primeiro a profanar o templo sagrado: foram Roy Goodman com The Hanover Band (1982-88), Christopher Hogwood com The Academy of Ancient Music (1983-89) e Roger Norrington com os London Classical Players (1986-88), que foram recebidos com reparos à sonoridade orquestral raquítica e aos tempos furiosamente rápidos, muito longe do modelo de monumentalidade e solenidade que até então prevalecera na interpretação destas obras. Harnoncourt só gravaria as sinfonias de Beethoven em 1990-91, mas recorrendo não ao Concentus Musicus mas à Chamber Orchestra of Europe, em instrumentos “modernos” (exceptuando as trompetes, que são naturais, ou seja, sem pistões e com uma sonoridade mais brilhante e menos “domesticada”) e com efectivos instrumentais reduzidos. Esta versão “híbrida” (hardware moderno + software de época) foi bem recebida pela crítica e nomeada para os Gramophone Awards, revelando-se um inesperado sucesso de vendas num mercado saturado de sinfonias de Beethoven.

[Harnoncourt ensaia a Sinfonia n.º5 com a Chamber Orchestra of Europe, em 2007, no Festival Styriarte]

Ao contrário de outros maestros marcantes da interpretação historicamente informada, como Gardiner, Harnoncourt parece ter tido relutância em entrar com os “instrumentos de época” pelo século XIX dentro: gravou com o Concentus Musicus dezenas de discos com sinfonias, concertos, óperas e música sacra de Mozart e Haydn, mas raramente levou o seu agrupamento para lá de 1800 – uma inesperada excepção foi o CD Walzer Revolution, com valsas de Mozart, de Johann Strauss pai (1804-1849) e de Joseph Lanner (1801-1843). Para o repertório do Romantismo e do século XX recorreu a orquestras “modernas”: gravou, por exemplo, Das Paradies und die Peri de Schumann com a Sinfónica da Rádio da Baviera (Bayerischen Rundfunks), o Requiem Alemão de Brahms com a Filarmónica de Viena, as sinfonias de Bruckner com a Royal Concertgebouw, a Filarmónica de Berlim e a Filarmónica de Viena, o Requiem de Verdi com a Filarmónica de Viena e (surpresa!) Porgy & Bess de Gershwin com a Chamber Orchestra of Europe.

[Harnoncourt ensaia a Sinfonia n.º5 com a Orquestra Sinfónica Juvenil Simón Bolívar, nas sessões Escola para o Ouvido do Festival de Salzburgo (legendado em português)]

https://www.youtube.com/watch?v=VVFRjIfnzeY

[Parte 2 da mesma sessão]

https://www.youtube.com/watch?v=YvnizM_Ea2Y

Os eleitos para Beethoven

A Chamber Orchestra of Europe foi a orquestra que Harnoncourt elegeu para tocar Beethoven, registando com ela, em 1994, a ópera Fidelio, e, em 2001-02, os concertos para piano (com Pierre-Laurent Aimard como solista) e só recentemente começou a tocar Beethoven com o Concentus Musicus: em 2013 apresentou Fidelio no Theater an der Wien (onde, há cerca de dois séculos, estrearam muitas das grandes obras de Beethoven) e em maio de 2015 gravou ao vivo, no Musikverein de Viena, as Sinfonias n.º4 e n.º5, agora editadas pela Sony.

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Em relação à versão com a Chamber Orchestra of Europe, mantêm-se os tempos despachados – Harnoncourt faz parte dos maestros que crê que as indicações de metrónomo que Beethoven acrescentou às suas obras a partir de 1817 (foi o primeiro compositor de relevo a fazê-lo), são para serem levadas a sério, algo que a tradição interpretativa ortodoxa preferiu ignorar (muitas edições as omitiram), alegando que seriam impraticavelmente rápidos (e talvez o sejam, se se usar toda a massa orquestral de uma orquestra sinfónica moderna).

A abordagem é impetuosa e brusca e a vivacidade imprimida à Sinfonia n.º5 bastaria para esgotar alguém com metade da sua idade – na entrevista reproduzida no livrete, Harnoncourt deixa claro qual é a sua visão de Beethoven quando afirma que os compassos finais da n.º5 “devem abalar o ouvinte, agarrá-lo pelo pescoço”. Compreende-se que aos 86 anos, Harnoncourt sinta que a sua “energia física” já não lhe permite entregar-se continuadamente a esta luta titânica.

Como Harnoncourt frisaria em entrevistas, para ele o facto de os instrumentos serem “de época” (ou suas réplicas modernas) era menos importante do que as cabeças dos seus executantes serem “de época”, isto é, devidamente industriadas nas práticas musicais de antanho.

Por comparação com a Chamber Orchestra of Europe, os efectivos reduzidos (pouco mais numerosos do que numa orquestra típica do barroco) e os instrumentos de época do Concentus Musicus resultam numa articulação mais marcada e precisa, com arestas vivas, e numa transparência acrescida. O número reduzido de cordas (16 violinos, cinco violas, três violoncelos, dois contrabaixos) faz emergir as madeiras e os metais – e estes últimos reinam, coruscantes, no IV andamento da n.º5. Harnoncourt declara que o motivo primordial para ter regressado às sinfonias de Beethoven foram os instrumentos: as cordas com tripa em vez de aço, os metais sem pistões – eram estes os instrumentos em uso no tempo de Beethoven, foi tendo em conta as suas características que compôs.

Mais discutíveis são as leituras políticas que Harnoncourt faz da música de Beethoven, sem apresentar factos ou argumentos em seu favor: Harnoncourt afirma que a Sinfonia n.º5 tem sido mal compreendida: o seu assunto central não é “o destino a bater à porta” mas a “a revolta das massas”: “esta é a única sinfonia política de Beethoven”, composta num mundo que a Revolução Francesa lançara na turbulência e em que os povos anelavam pela liberdade. São, todavia, afirmações que Harnoncourt não substancia e que encontram pouco apoio nas palavras e actos de Beethoven: afinal de contas, a n.º5, como as restantes sinfonias, não foi dedicada ao proletariado de Viena mas a dois dos mecenas nobres que lhe pagavam um estipêndio: “Sua Alteza Sereníssima o Príncipe de Lobkowitz” e “Sua Excelência o Conde de Razumovsky”.

Especulações político-filosóficas à parte, a música contida no CD faz lamentar que não possamos saber o que teria Harnoncourt a dizer sobre as restantes sete sinfonias.

O príncipe Franz Joseph Maximilian von Lobkowitz (1772-1816), um dos principais mecenas de Beethoven, retratado por August Friedrich Ölenhainz

O príncipe Franz Joseph Maximilian von Lobkowitz (1772-1816), um dos principais mecenas de Beethoven, retratado por August Friedrich Ölenhainz

Antes de Harnoncourt, Walter

Pela altura em que Harnoncourt iniciava actividade com o Concentus Musicus Wien, chegava ao fim a carreira de Bruno Walter, maestro nascido em Berlim, numa família judia, em 1876. Começara por revelar-se um pianista-prodígio: estreou-se como concertista aos nove anos e aos 13 tocou com a Filarmónica de Berlim – mas, pouco depois, ao assistir a um concerto da Filarmónica de Berlim, dirigido por Hans von Bülow, decidiu que o seu futuro seria, sem sombra de dúvida, a direcção orquestral. O progresso neste domínio foi tão fulgurante como no piano: em 1893, com 17 anos, estreou-se como maestro na Ópera de Colónia. Travou amizade com Gustav Mahler, de quem foi assistente na Ópera de Hamburgo e que o recomendou para o cargo de director musical da Ópera Municipal de Breslau (hoje Wrocław, na Polónia). Em 1900 era um dos maestros da Ópera Estatal de Berlim e fez as suas primeiras gravações; no ano seguinte Mahler convidou-o para ser seu maestro-assistente, na Ópera da Corte, de Viena – foi Walter quem dirigiu a estreia póstuma de A canção da Terra, em 1911, em Munique.

Bruno_Walter_Wien_1912

Bruno Walter em 1912

Foi director musical nesta cidade entre 1913 e 1922, estreou obras de Hans Pfitzner e Erich Wolfgang Korngold e foi convidado para dirigir várias grandes orquestras europeias e americanas. Em 1929 assumiu a direcção da prestigiada Gewandhaus de Leipzig mas não concluiria o “mandato”– em 1933, mal os nazis tomaram o poder, as pressões sobre a Gewandhaus e o seu maestro judeu foram subindo de intensidade, até que, perante a proibição dos concertos pela polícia de Leipzig, Walter renunciou ao cargo. Os concertos em que dirigiria a Filarmónica de Berlim foram cancelados pouco depois – e Richard Strauss, dando mais uma prova do seu dúbio comportamento face ao nazismo, aceitou substituí-lo.

Como os Harnoncourt, também Walter se viu forçado a procurar ambiente mais desanuviado na Áustria. Mas também o seu “mandato”como director da Ópera Estatal de Viena não chegaria ao fim: em 1938 a Alemanha anexou a Áustria e o que valeu a Walter foi estar na altura em Amesterdão, dirigindo a Royal Concertgebouw. Em 1939 juntou-se aos muitos compositores, escritores, artistas e intelectuais germânicos expatriados nos EUA por causa do nazismo e dirigiu as orquestras americanas de primeiro plano – Filarmónicas de Nova Iorque e Los Angeles, sinfónicas de Chicago e NBC, Orquestra de Filadélfia. Regressou a Berlim em 1950 e apresentou-se com a Filarmónica que fora impedido de dirigir em 1933, num programa com Beethoven, Mozart e… Richard Strauss – o que mostra que não era homem para guardar rancores.

Em 1957, com 81 anos sofreu um ataque de coração, mas tal não o dissuadiu de empreender uma extensa série de gravações, espoletadas pelo advento da estereofonia, que oferecia ao ouvinte um “palco sonoro” mais realista, permitindo chegar mais próximo da experiência de assistir a um concerto. O projecto cobriu as sinfonias de Beethoven, Brahms, Bruckner, Mahler e Mozart e recorreu à Columbia Symphony Orchestra, que na verdade era um agrupamento ad hoc, contratado pela Columbia Records e reunindo músicos de diversas orquestras. As sinfonias de Beethoven, registadas em 1958-59 em Los Angeles tornaram-se numa referência e moldaram em muitos ouvintes a imagem de um Beethoven cerimonioso e contido, por oposição ao Beethoven fogoso de Karajan. Ressurgem agora, através da Sony, numa caixa económica com sete CDs, cinco com as sinfonias (complementadas por algumas aberturas), um com o Concerto para violino (com Zino Francescatti como solista) e outro com instrutivos excertos dos ensaios das sinfonias

813y4ldJaVL._SL1500_ O contraste com a interpretação de Harnoncourt com o Concentus Musicus dificilmente poderia ser maior: Walter é ponderado, mesurado e polido, com tempos algo lentos e fraseado elegante e de contornos arredondados. Em vão se procurará um tom jocoso do II andamento da n.º8 ou vitalidade rítmica na n.º7. Podem assacar-se algumas culpas ao som, que sendo razoável para a provecta idade das fitas, é distante e opaco. Alguns críticos também apontam à Columbia Symphony Orchestra um fraco entrosamento, decorrente de se tratar não de uma verdadeira orquestra mas de um agrupamento temporário, “montado” para fazer algumas sessões de gravação.

Resta saber se os tempos morosos e a falta de vivacidade decorrerão de limitações da orquestra ou da visão de Walter. As sinfonias de Beethoven que Walter gravara entre 1941 e 1953 com a Filarmónica de Nova Iorque têm outro élan, o que leva a suspeitar que o ataque cardíaco de 1957 terá tornado Walter num maestro menos enérgico.

[II andamento da Sinfonia n.º7, por Bruno Walter e Columbia Symphony Orchestra, 1958]

Beethoven, Bernstein e Nova Iorque

Em simultâneo com esta caixa, a Sony também reeditou as sinfonias de Beethoven por Leonard Bernstein e a Filarmónica de Nova Iorque, em gravações de 1961-66 para a Columbia (complementadas por algumas aberturas e o Concerto para violino, com Isaac Stern como solista).

Bernstein (1918-1990) é conhecido pelo seu carácter fogoso e estes registos confirmam-no amplamente: está aqui presente a tensão dramática, o sentido de urgência e de inexorabilidade típicos de Beethoven e que só esporadicamente e de forma atenuada se manifestam nas gravações de Walter. Por outro lado, a nº9 de Bernstein é insatisfatória do ponto de vista vocal: o barítono Norman Scott tem uma voz pesada e sem agilidade, o tenor Nicholas de Virgilio canta “Froh, wie seine Sonnen fliegen” num tom tão estentórico e forçado que raia o ridículo e, nalguns trechos, o Juilliard Chorus dá a impressão de que se encontra em apuros.

A fogosidade de Bernstein traduz-se, por vezes, em rudeza, embora esta só possa incomodar quem não esteja a familiarizado com maestros da interpretação historicamente informada como Harnoncourt, John Eliot Gardiner e, sobretudo, Jos van Immersel, autor do mais vertiginoso e “selvagem” registo das sinfonias (com a orquestra Anima Eterna, na Channel Classics).

[I andamento da Sinfonia n.º7, por Leonard Bernstein e New York Philharmonic, 1964]

Em Bernstein, como em Harnoncourt, está também presente uma excitação nascida do perigo, a impressão de que se assiste a um desempenho nos limites, em que, nas “curvas apertadas”, emerge o risco de “despiste”, mesmo que o ouvinte saiba que num disco comercial não há lugar para “acidentes”. É essa adrenalina que está ausente em Walter: tudo é comedido e previsível – o seu Beethoven não acelera por uma sinuosa estrada de montanha, atravessa um green num carrinho de golfe.

Nikolaus Harnoncourt

Nikolaus Harnoncourt

No fascinante e instrutivo vídeo dos ensaios da Sinfonia n.º5 com a Chamber Orchestra of Europe, em 2007 (ver acima), Harnoncourt, após incitar os músicos a não se conformarem a rotinas e repetições mecânicas, a insuflar emoção em cada nota, a tocar no limite das suas capacidades e a correr riscos, tem uma frase reveladora da sua visão da música: “A beleza só pode ser encontrada à beira do falhanço, a beleza surge à beira da catástrofe.”

Nikolaus Harnoncourt deixou-nos no passado dia 5, após 86 anos plenos de risco e beleza.

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