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Blu Samu é a rapper Salomé Magalhães: “Mãe, posso ser doutora, mas não gostavas que fosse feliz?"

Nasceu em Antuérpia, cresceu em Santa Maria de Lamas e anda a maravilhar a Europa com soul e hip-hop. Decorem o nome: Blu Samu. "Sinto que nasci aí", diz-nos, depois do primeiro concerto em Portugal.

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Salomé estava feliz, na passada noite de 28 de março. De microfone na mão, macacão amarelo vestido, um shot bebido discretamente com o seu DJ e produtor musical minutos antes de subir ao palco do Lisboa Rio  — um bar-clube ocasionalmente alugado para concertos, situado no Cais do Sodré e com um piso superior com uma janela com vista para o Tejo –, perguntava: “Boa noite Lisboa, toda a gente está bem? Vocês estão bem?”. O público, de pé, enchia a sala desse piso superior, embora tenha começado tímido, deixando um pequeno fosso à frente do palco. Um fosso que Salomé prontamente eliminou, pedindo a todos que se aproximassem.

Esta não era uma noite qualquer para esta cantora e rapper nascida na Bélgica mas com ascendência portuguesa. Não era, sequer, apenas mais um concerto dos muitos que tem feito de há dois anos para cá. Salomé Magalhães, conhecida no meio musical como Blu Samu, viveu a sua infância em Santa Maria de Lamas, “uma pequena aldeia” de Santa Maria da Feira. Na passada noite de 28 de março deu o seu primeiro concerto em Portugal. “O meu nome é Blu Samu. Não estou habituada a estar em palco a falar português. Sou portuguesa mas é a primeira vez que posso cantar aqui. É um grande prazer, espero que gostem”, dizia, ainda durante o prelúdio do concerto, que serviu para se apresentar ao público.

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Com um percurso musical emergente e cada vez mais afirmativo, Blu Samu tem vindo a ser descoberta nos últimos meses por ouvintes de toda a Europa. Os singles lançados no Youtube e o EP Moka já a levaram a atuar em festivais como os holandeses Eurosonic e So What’s Next ou os franceses MaMa e Red Bull Music Festival e já lhe permitiram fazer digressões em França e na Bélgica.

Antes de vir estrear-se a Lisboa, a cantora e rapper ganhou o prémio Best Upcoming Belgian Urban Artist de 2018 dos Red Bull Elektropedia Awards — galardão que distingue anualmente o talento mais promissor do atual R&B e hip-hop da Bélgica — e mostrou-se ao mundo inteiro na plataforma Colors, espaço de apresentação de artistas no Youtube que no último ano e meio recebeu Mahalia, Kali Uchis, Little Simz, Billie Eilish, Masego, a já citada Jorja Smith ou 6Lack. No passado mês de março, Blu Samu esgotou, com mais de um mês de antecedência, uma das principais salas de concertos da Bélgica, a Ancienne Belgique, com lotação para cerca de duas mil pessoas. Agora, Portugal entrou na sua rota de espetáculos.

“Ó Filomena! Estou a ver se a minha mãe já chegou…”

Em Lisboa, o concerto de Blu Samu começou com a entrada da batida de “Sade Blu” e a voz quente de Blu Samu. Salomé canta “cause it will never be enough / if you ain’t doing it with love” e lembramo-nos das melhores cantoras de soul e R&B, notamos ali um piscar de olho a Jorja Smith, maravilhamo-nos com a sua capacidade de disparar rimas com a mesma destreza com que canta, voltamos por uns segundos ao tempo em que ouvíamos The Miseducation of Lauryn Hill infinitamente. A dança é sensual, ao som de samples de jazz, com aquela pose descontraída de quem se está a divertir, com a pinta indiscutível (os britânicos chamar-lhe-iam coolness) de quem parece tratar tudo isto como uma brincadeira gostosa.

Antes da atuação, o programador do festival MIL, que a trouxe pela primeira vez a atuar em Lisboa, escolheu-a como um dos grandes destaques do cartaz, revelando ter “ficado completamente apaixonado pela miúda” quando a ouviu e avançando que “se tivesse de nomear uma artista [do festival] que no próximo ano vai estar gigante na Europa, punha muitas fichas nela”. As canções de estúdio eram, por si, um sinal suficientemente promissor, mas bastou ouvir “Sade Blu” em Lisboa para perceber que Salomé tem uma capacidade invulgar de aliar a melhor cantoria a rimas poéticas sobre amores, desamores, falhas, dores e superação de dificuldades.

Depois de “Sade Blue”, houve mais canções que provocaram aplausos, sorrisos meio estupefactos de quem não sabia ao que vinha e satisfação de um grupo de jovens raparigas na primeira fila que fez o trabalho de casa e conhecia os temas de antemão (provavam-no cantando as letras). “Raisonner”, por exemplo, um belo exemplar do novo R&B eletrónico que por aí se ouve, apresentado como tema que versa sobre “um amor que começa muito rápido mas acaba muito rápido também”, com a candura dos versos “It’s a quick romance, one dance / Didn’t even have time for the tango” a antecipar rimas de rap de uma cadência, dicção e articulação espantosas.

Já depois de deixar o “DJ, produtor e um dos meus [seus] melhores amigos” pegar no microfone e mostrar que também é cantor, Blu Samu atirou-se a “Clumsy Queen”, um dos seus êxitos, precisamente aquele cantou na sua apresentação na plataforma Colors. Apresentou também um tema novo feito há apenas “há uma semana e meia”, prometendo que se o público “gritasse alto” a canção acabará no seu “próximo projeto”, sucessor do EP Moka. “Mas mais importante que isso: por favor, dancem”, acrescentou já em inglês. Correu tudo bem, houve o entusiasmo que se pediu, portanto “ok, esta vai entrar”. E 0 que dizer da maravilha que é “Nathy”, canção com uma mistura enternecedora de versos em português e inglês, em que em estúdio (não no concerto) juntam-se ainda as rimas espanholas e francesas de Peet? E o que dizer da maravilha que é “Goose”, com uma passagem de antologia de rimas em inglês para rimas em português?

And if sex only pleases the body
I will let music shape my mind.
‘Cause even when shit get funky
keep my guard on my feng shui clean
decoration of my home is my brothers and me
(…)
Minha alma me guia
pela escuridão.
Não sabia onde ia,
só o que queria:
fazer a minha vida para o meu coração

Com 45 minutos disponíveis para o concerto, Blu Samu ainda tinha tempo para mais umas quantas. Ouvimos mais uma que nos fez lembrar Lauryn Hill (pareceu-nos que ainda por chegar à internet), com a luso-belga em pose “enfrento quem me aparecer à frente mas sei que no fim de contas knowledge is heavy to carry“. Ouvimos ainda “Love Blu”, tema que a jovem rapper e cantora interpretou sentada. Fá-lo aliás sempre, é o seu “texto preferido” e queria mostrá-lo, inspirar-nos a escutá-la (palavras suas), porque “everybody do this shit for the money / don’t want it”.

À frente do palco, não se via ninguém que não estivesse pelo menos a balançar o corpo, que nisto da ginga cada um tem a sua. Faltava porém uma pessoa, Blu Samu fez questão de o dizer: "Ó Filomena! Estou a ver se a minha mãe já chegou... porra, c#, ainda não chegou". Culpa dos transportes públicos, a mãe fez quatro horas para a ver, o comboio atrasou-se. Mas os versos "mama can't protect you" foram cantados já de sorriso rasgado na cara, a olhar para a mãe na primeira fila.

À frente do palco, não se via ninguém que não estivesse pelo menos a balançar o corpo, que nisto da ginga cada um tem a sua. Faltava porém uma pessoa, Blu Samu fez questão de o dizer: “Ó Filomena! Estou a ver se a minha mãe já chegou… porra, c#, ainda não chegou”. Culpa dos transportes públicos, a mãe fez quatro horas para a ver, o comboio atrasou-se. Não faltou muito até que Filomena se abeirasse do palco. Bastou uma canção, esse poço de groove — ao vivo também de energia — que é o seu tema mais ouvido no Spotify, “I Run”, com os últimos versos “mama can’t protect you” cantados já de sorriso rasgado na cara, a olhar para a mãe na primeira fila, depois de uns quantos saltos no meio do público.

I’m on the run, on the run
from the place I come from
Can’t afford to be dumb, you know?
Used to be numb before
I got into all this music shit
I pull my soul into the flows I spit

“Mãe, chegaste mesmo a tempo mas vou pedir-te para te sentares”, disse Salomé a Filomena, explicando que vinha aí mais saltos e festa rija no meio do público, ao som de uma canção mais trap. Volume das colunas ao máximo, graves potentes — “GanGang” assim se chama. “I’m chasing my dreams / I’m chasing my dreams / E a minha avózinha sempre me disse que o meu coração era muito bom demais / e eu sempre lhe respondi que não voltava mais para trás”. A estreia estava feita e o exame passado com distinção.

“Lembro-me que dizia: quando for grande, vou para Portugal”

É já através de uma chamada de WhatsApp, alguns dias depois do concerto no Lisboa Rio, que voltamos a encontrar Blu Samu. Desta vez, Salomé explica-nos mais detalhadamente como chegou aos 24 anos tendo vivido em Antuérpia, em Santa Maria de Lamas e agora em Bruxelas, onde se tem afirmado como um dos grandes jovens talentos da música europeia. Perguntamos-lhe se prefere conversar em português ou em inglês e ela responde: “Pode ser em português, se não compreender alguma coisa aviso”.

A mãe, portuguesa, emigrou para a Bélgica e foi lá que conheceu o pai da cantora e rapper. Como "ainda não tinha todos os seus papéis em ordem aqui na Bélgica e não podia cuidar" de Salomé quando esta nasceu, a criança foi para Santa Maria de Lamas, aldeia de Santa Maria da Feira, com a avó. Acabou por ficar lá até aos seis anos.

Nascida em Borgerhout, em Antuérpia, Salomé Magalhães tem “metade da família portuguesa e outra metade cabo-verdiana”. A mãe, portuguesa, emigrou para a Bélgica e foi lá que conheceu o pai da cantora e rapper. Como “ainda não tinha todos os seus papéis em ordem aqui na Bélgica e não podia cuidar” de Salomé quando esta nasceu, a criança foi para Santa Maria de Lamas, aldeia de Santa Maria da Feira, com a avó. Acabou por ficar lá até aos seis anos de idade, até à mãe “ter tudo pronto para cuidar” de si. “Sinto que na verdade nasci aí, porque passei esse primeiro período de infância em Portugal”, recorda.

Ao Observador, Blu Samu conta como viveu a primeira mudança de morada de que se recorda, da aldeia portuguesa para Antuérpia: “Fiquei super triste por ter de ir embora de Portugal, ainda por cima para a Bélgica, para uma cidade grande. As pessoas não são como em Portugal, não dá para sorrires aos outros e eles sorrirem-te de volta. Para mim foi uma mudança muito grande. Lembro-me de estar triste por ter de ir embora e depois deestar muito triste por ter de estar na Bélgica. Quando era pequenina dizia sempre: quando for grande, vou para Portugal! Depois, com o tempo e os anos, tudo foi melhorando”.

Até aos 16 anos, a jovem costumava ir regularmente a Portugal. De repente isso mudou, por motivos financeiros: “Deixámos de ter dinheiro para ir a toda a hora, portanto deixei de ir tanto quanto costumava. Depois, quando voltava mais amiúde à vila, eles também já não me viam como portuguesa”, refere, já em inglês.

Blu Samu em Paris (@ Yaqine Hamzaoui)

Yaqine Hamzaoui

A música e as artes atraíram-na desde cedo, embora confesse não conhecer bem — por não viver em Portugal desde os seis anos — o panorama musical português, nomeadamente o que se anda a fazer na chamada “música urbana”, hip-hop e R&B, em que se está a notabilizar. Isto apesar de já ter feito um tema em colaboração com um produtor musical nacional, Osémio Boémio, que integra o catálogo da editora Think Music. Mas Salomé começou cedo a cantar — “desde pequenina” que gosta de o fazer. “Também gostava de teatro. Sempre me interessei muito por coisas artísticas, gostava de encontrar maneiras de me exprimir. Antigamente dançava, também já toquei saxofone [risos], fiz um bocado de tudo”, acrescenta ainda.

Aquilo que mostra hoje com a sua música, capaz de soar ora jazzística ora explosiva e festiva (chegando até ao trap), ora adoçicada com uma voz a pender para a soul ora funky, é também um reflexo daquilo que Salomé foi ouvindo enquanto crescia, explica-nos: “Nunca fui muito de escutar álbuns de um artista. Para já, não tínhamos verdadeiramente dinheiro para andar a comprar CDs. Tinha alguma sorte porque a minha mãe todos os anos comprava-me um CD com todos os hits [êxitos] do ano, que tinha jazz, tinha hip-hop, tinha rock, tinha um pouco de punk, tinha um bocado de tudo”.

Ao crescer deste modo, Salomé foi exposta a “todos os géneros de música”. Em casa ouvia também “muita Cesária Évora, Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, muito jazz. A minha tia também me deu um CD da Adriana Calcanhoto que mudou o meu mundo, fez-me gostar muito da música dela. Havia muitas coisas, sempre gostei de ouvir estilos de música muito diferentes, se calhar por causa disso é que nunca quis fazer só um. Não quis ser colocada dentro de uma caixa, quis fazer o que me apetecesse”. Outras referências musicais posteriores, que se mantêm válidas, são Lauryn Hill — “tinha muita coragem, impressionou-me muito” — e Erykah Badu, “obviamente”.

"O sentimento de escrever veio de uma dor que já não conseguia traduzir da minha vida sem a escrever. Quando era mais jovem -- também dançava, como já disse -- estava um bocadinho mais distraída, não tinha tanta necessidade de me exprimir como tive depois."

Começar a escrever letras de canções foi, contudo, uma decisão motivada mais pela sua própria vida do que pela música que ouvia: “O sentimento de escrever veio de uma dor que já não conseguia traduzir da minha vida sem a escrever”, aponta em português. “Quando era mais jovem — também dançava, como já disse — estava um bocadinho mais distraída, não tinha tanta necessidade de me exprimir como tive depois”, refere ainda.

Após a adolescência e antes de se mudar de Antuérpia para Bruxelas, Salomé Magalhães esteve algum tempo sem se dedicar à música. Estava mais ocupada a resolver problemas que ela própria criara, influenciada por outros: “Tive um grupo de amigos que foi mesmo mau, uma m… Mas as consequências que vieram depois ainda foram piores. Passei por isso, foi uma porra, mas ensinou-me muito. Acho que viver isso mas sentir que queria ser mais do que aquilo levou-me a começar a fazer a minha música e a contar a minha história”, refere.

O nome Blu Samu marcaria o início de um percurso cada vez mais ascendente: apaixonada desde pequena pela cor azul e pela “saudade” (também de Portugal) a que associa ao tom, Salomé acrescentou-lhe “samu” (de “samurai”, este um termo sugerido por um amigo mas rejeitado na sua versão sem diminutivo por ser “cliché” e não soar tão bem). Como já  havia uma pessoa chamada Blu na música e no hip-hop, o nome-rima Blu Samu foi a solução que Salomé arranjou. Se a tratarem apenas por Blu, no entanto, ela não se importará nada.

“Mãe, posso ser doutora, mas não gostavas que fosse feliz?”

A jovem luso-belga não explica exatamente o tipo de estilo de vida que levava no seu período final em Antuérpia, antes de se mudar para Bruxelas há três anos. Conta apenas que já andava “a trabalhar a tempo inteiro para pagar dívidas que tinha feito na altura em que estava com esse grupo de amigos, que era uma grande m… Estava a tratar de sair de todas as m… Estava só a pagar dívidas, só a trabalhar, não tinha um enquadramento em que pudesse ser criativa, fazer a minha música e libertar-me daquilo por uns bocados”.

A mudança para Bruxelas deveu-se à proximidade de Salomé com um grupo de rap chamado Le 77, com quem já tinha trabalhado antes de ir para a capital belga. “São as pessoas que há três anos me deixaram ir viver com eles para Bruxelas”, começa por dizer, explicando depois como a mudança aconteceu: “Um dia disse-lhes: rapazes, estou mesmo cansada, preciso de sair de Antuérpia e ter a oportunidade de começar a fazer a minha música a sério. Alugaram-me um pequeno quarto da casa em que viviam por um preço muito barato. Somos família, são os meus irmãos. Mudando, já conseguia pagar as minhas dívidas e fazer a minha música com eles, no estúdio que têm, porque eles gostam do que faço e eu gosto do que eles fazem, compreendemo-nos também musicalmente”.

"Imagine-se: a mãe foi para a Bélgica para que a filha pudesse ter um futuro bom, passou anos a trabalhar para que pudessem ter uma vida estável e a filha de repente diz que quer ser artista? [risos] No início acho que ela pensava: 'estás a brincar comigo?! Para seres artista, podias ter ficado em Portugal'. Quando fui para Bruxelas tudo mudou. Também dizia-lhe: mãe, eu posso ser doutora, bem posso ser tudo isso, mas não gostavas que eu fosse feliz?"

A mudança para Bruxelas foi decisiva. As oportunidades aumentaram, as canções começaram a brotar a partir das gravações no quartel-general dos Le 77 e a vida pessoal também se ajeitou. Foi nessa fase que a mãe de Salomé, que até então desencorajava a filha a seguir uma carreira musical, percebeu que não valia pena opor-se: “Imagine-se: a mãe foi para a Bélgica para que a filha pudesse ter um futuro bom, passou anos a trabalhar para que pudessem ter uma vida estável e a filha de repente diz que quer ser artista? [risos] No início acho que ela pensava: ‘estás a brincar comigo?! Para seres artista, podias ter ficado em Portugal”, começa por recordar Blu Samu. “Foi duro ao princípio, a minha mãe não aceitava. Depois quando fui para Bruxelas e comecei a viver sozinha e a lutar pelos meus sonhos, tudo mudou. Também dizia-lhe: mãe, eu posso ser doutora, bem posso ser tudo isso, mas não gostavas que eu fosse feliz?”, conclui, soletrando as sílabas mais lentamente — e com o sotaque aveirense mais carregado.

A relação entre mãe e filha mudou quando Blu Samu se dedicou mais à música e começou a ter frutos. Antes, a ligação nem sempre foi a melhor. “A minha mãe viu, a determinada altura, que não estava a ir pelo caminho certo, não andava a ser ’empurrada’ para a frente por boas pessoas. Preocupava-se. Não cresci sendo uma rapariga bué rica, tendo muito dinheiro. Estivemos sempre um pouco à rasca e por isso acho que a minha mãe tinha a impressão que era mal agradecida ou que não valorizava o que tinha recebido. Era duro estar com ela, ao mesmo tempo que andava a trabalhar e pagar pelos erros que fiz. Era muita coisa”, conta.

Um dos grandes desejos da cantora e rapper é fazer uma digressão por Portugal: "Adorava" (@ Elena Majecki)

Salomé chegou mesmo a pensar que poderia nunca vir a ter uma relação normal com a mãe. Felizmente, enganou-se. “Houve um tempo em que não falávamos”, conta, confirmando que o início do teledisco do tema “I Run”, uma chamada de Salomé para a mãe que acaba no voicemail, alude a isso. “Houve um longo tempo em que achava que não ia falar com a minha mãe ou que não íamos poder estar na vida uma da outra normalmente, como mãe e filha. Graças a Deus, muita coisa mudou entretanto e tudo caiu no sítio”, acrescenta.

Se o seu 2018 foi de afirmação — foi o ano em que lançou o seu primeiro EP (mini-álbum) e em que experiências como atuar no programa Colors e dar concertos em showcase festivals [festivais que têm como fim apresentar músicos emergentes a ouvintes, promotores, editoras e agentes] em vários pontos da Europa “apareceram do nada, nunca achei que pudessem aparecer tão cedo”, Blu Samu tem o futuro na mira. Em 2019, conta lançar algumas canções agrupadas, porventura — ainda não é certo — num mini-álbum. Fins materiais interessam-lhe menos: admite que gostava que o futuro lhe trouxesse dinheiro para “comprar uma casa para a minha mãe, obviamente, seria ótimo se um dia isso acontecesse”, mas “a coisa mais importante é espalhar a minha palavra, a minha história, a minha mensagem de paz e amor e tudo o resto que podem encontrar nos meus textos”.

Tudo aquilo que viveu no último ano ainda lhe parece tão estranho quanto gratificante. “Houve coisas que quase caíram do céu e me deram um imenso prazer. O caso do prémio da Red Bull [Best Upcoming Belgian Urban Artist de 2018], por exemplo — não pedi votos e mesmo assim as pessoas foram votar em mim”, garante, acrescentando: “Tudo o que se tem passado tem sido formidável, emocionante, uma surpresa. Não dou nada por garantido e não espero que as coisas aconteçam por si, sei que é preciso trabalhar loucamente para conquistar alguma coisa — e mesmo assim não é garantido. Por isso, sinto-me sortuda como o raio”.

O primeiro álbum completo virá provavelmente daqui a um ano ou dois, porque Blu Samu tem neste momento na gaveta canções com que está “super feliz” e que gostava de lançar antes de se “fechar num ano em algum sítio a compor, a criar esse pequeno bebé”. Esperar pode ter os seus frutos: a estratégia tem sido seguida por artistas como Jorja Smith, que lançou uma grande quantidade de singles antes de se dedicar a um álbum completo, ou a cantora (também britânica) Mahalia, que passou os últimos três anos exclusivamente a dar concertos e a revelar singles e pequenas coleções de canções. A paciência dos músicos que preferem afirmar-se gradualmente na internet e ao vivo antes de avançarem logo para empreitadas dessa envergadura é também uma realidade em Portugal, onde um coletivo de rap como os Wet Bed Gang, por exemplo, é ouvido diariamente de norte a sul do país e enche palcos um pouco por todo o lado ainda sem nenhum álbum completo editado.

No caso desta belga de ascendência portuguesa, a espera justifica-se também por uma vontade de se aprimorar enquanto criadora musical e enquanto pessoa, para evitar dar um passo maior do que a perna e impedir que o seu primeiro álbum não envelheça tão bem quanto ela quer. É mais ou menos isso que Salomé explica, por outras palavras: “Neste momento canto, escrevo os meus textos e faço o meu próprio flow [modo de rimar], mas não faço a composição, a produção musical [das batidas instrumentais]. No meu tema, gostava de também ser compositora”.

Outro objetivo já definido por Salomé Magalhães para os próximos anos passa por implementar-se mais em Portugal enquanto Blu Samu, sendo mais ouvida no país que também é o seu e dando mais concertos nesse território. O primeiro ensaio foi bom, como começa por explicar em inglês: “Graças ao MIL, percebi que há pessoas em Portugal que conhecem os meus textos. Não tinha certezas sobre isso, não fazia ideia do que devia esperar, tudo era possível. Estava nervosa, mas percebi que há portugueses que me ouvem e gostam da minha música”. O público, acrescenta, foi “super caloroso”. Faz uma pausa, diz “I don’t know man” e acrescenta: “Foi mesmo uma sensação de voltar a casa, de estar com pessoas que são como eu, que fazem barulho quando gostam das coisas”.

"Adorava mesmo do fundo do meu coração poder fazer uma digressão em Portugal. Se há um objetivo que tenho na cabeça é esse, talvez ir ao Brasil também. Não significa que me vá embora da Bélgica, hei-de sempre voltar porque foi o primeiro sítio que me deu oportunidade de fazer isto e que me tem carregado às costas, mas quero ver mundo, quero descobrir e quero crescer como pessoa."

Para concluir, a artista — que prefere “apenas Blu” a rótulos que a definam, já que não se sente “uma crazy rapper” ou uma “crazy singer”, é alguém que “flutua algures a meio caminho e se diverte com isso” — reforça a mensagem em português: “O MIL foi verdadeiramente a primeira oportunidade que tivemos de ir a Portugal. Já estou a exclamar que sou portuguesa desde que comecei, há muito tempo que perguntava ao meu agente na Bélgica se era possível fazer um concerto em Portugal. Recomendou-me paciência, disse-me para esperar. Gostava que agora surgissem mais oportunidades, adorava mesmo do fundo do meu coração poder fazer uma digressão em Portugal. Se há um objetivo que tenho na cabeça é esse, talvez ir ao Brasil também. Não significa que me vá embora da Bélgica, hei-de sempre voltar porque foi o primeiro sítio que me deu oportunidade de fazer isto e que me tem carregado às costas, mas quero ver mundo, quero descobrir e quero crescer como pessoa”.

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