Faltava menos de uma hora para o início do concerto dos The National no palco principal do NOS Alive, esta sexta-feira, quando os irmãos e guitarristas Aaron e Bryce Dessner receberam o Observador no backstage. Escolhidos pelo quinteto americano para fazerem de porta-voz do grupo, os guitarristas da banda falaram da relação estreita com Portugal e com o público português, do tempo que têm de passar na estrada, longe das famílias, e de Donald Trump, um elefante tão grande na sala dos The National que levou Bryce a abandonar o país e mudar-se para França. “Não conseguia viver lá”, afirmou.
Têm vindo a Portugal muitas vezes nos últimos anos. Já tiveram oportunidade de cá vir em férias?
Bryce Dessner (B. D.): Já viemos uma vez. Não viemos, Aaron?
Aaron Dessner (A. D.): Passámos umas férias aqui. O Bryan [Devendorf], o nosso baterista, esteve aqui duas semanas. Este é um dos nossos sítios preferidos para tocar. Uns amigos nossos estão a fazer um projeto no norte da Europa que envolve construir pequenos sítios para fazer residências. Portanto, talvez no futuro possamos vir cá descontrair.
Quando vêm para os concertos, conseguem ter algum tempo livre para passearem? Ou é impossível?
A. D.: Passeamos muito, por acaso, e visitamos vários sítios. Quando estamos em Portugal, vamos a restaurantes, vamos a museus, damos umas corridas, saíamos à procura de uns cafés mais estranhos e recônditos… Já cohecemos alguns sítios cá!
Há alguns de que gostem mais?
A. D.: Ainda ontem… Onde é que fomos, Bryce? Como é que se chamava o sítio?
B. D.: [Depois de uma pausa] Era um restaurante fantástico numa colina…
A. D.: Não somos muito bons com nomes. Mas adoramos Lisboa, já cá viemos muitas vezes e é uma das cidades mais bonitas do mundo.
Costumam ser abordados por fãs?
A. D.: Costumamos, sim. Por algumas pessoas na rua, pelas pessoas nos aviões e pelo piloto [riros]. Mas não nos importamos.
O sucesso da banda tem-se mantido estável com o passar dos anos. Porque é que criaram os The National [em 1999]? Quando estavam, por exemplo, a compor o primeiro álbum, já tinham uma ideia de que poderiam chegar aqui?
A. D.: Diria que, no início, começou tudo por ser uma reunião descontraída de amigos que adoravam música e que se queriam divertir. Eu e o Bryce crescemos a tocar com o Bryan [Devendorf], o nosso baterista, mas não tínhamos ambição alguma de nos tornarmos numa banda rock popular. Diria que até agora, quando estamos a fazer canções, não pensamos se vão ser populares. A vontade é sempre a mesma. Além de que isto tudo é um bom motivo para nos juntarmos. Eu e o Bryce somos irmãos e é porreiro termos este emprego juntos. Mas o sucesso… Se calhar, se pudesse trocar com alguém que consegue estar com os filhos todos os dias e que é um professor universitário ou algo assim, talvez trocasse. Porque isto também tem aspetos negativos.
É um trabalho que já fazem há muito tempo. Já tiveram momentos em que pensaram: pronto, acabou-se?
A. D.: Em todos os discos. Quase acabamos no fim de cada disco. E noutras vezes também. Mas de alguma forma as coisas não se precipitam totalmente e normalmente não chegamos a esse precipício. Há é momentos mais duros…
B. D.: Diria que tivemos dois grandes momentos de quase rutura em 20 anos.
Não é uma má média. Um por cada década…
A. D.: Exatamente [risos].
Até ao Boxer [o quarto álbum, editado em 2017] lançavam novos discos de dois em dois anos. Daí para cá o ritmo abrandou e o álbum mais recente, Sleep Well Beast, saiu quase quatro anos e meio depois do anterior, Trouble Will Find Me. Já não sentem a mesma urgência em compor? Ou deve-se a outros projetos paralelos?
B. D.: Na verdade, acho que isso acontece por causa das digressões. À medida que os discos se fora tornando maiores e o público aumentou, as digressões também começaram a tornar-se maiores e mais longas. Hoje, demoramos mais tempo a voltar à fase de composição. No início, viajávamos menos, e isso levava a que escrevêssemos mais rapidamente.
A. D.: Temos saudades das nossas famílias, também. Acho que muitos de nós, na banda, sentimos que estamos numa luta contra as digressões. Adoramos a sensação de tocar ao vivo, mas talvez o possamos passar a fazer um pouco menos vezes…
Qual é a sensação do regresso a casa e o estúdio? É reconfortante?
A. D.: Nós gostamos das duas coisas, de compor e tocar ao vivo. São coisas que ocupam diferentes lugares na nossa cabeça. Sentimo-nos vivos quando estamos a tocar música para outras pessoas e elas respondem ao que tocamos. No entanto, fazer canções foi o que nos levou a começar isto tudo — a procura da sensação de fazer nascer alguma coisa. Para nós, não importa quantas canções já escrevemos — quando voltamos a iniciar este processo, é como se o começássemos pela primeira vez.
Mas o processo não mudou? Por um lado, já têm experiência acumulada a escrever canções mas, por outro, já escreveram tantas que deve ser um desafio não se repetirem.
B. D.: Sinceramente, acho que estamos cada vez melhores a fazê-lo. Talvez não fossemos assim tão bons antes [risos]. À medida que ficamos mais velhos, vamo-nos sentindo mais confiantes com as letras e até com a música, porque ampliámos os nossos horizontes musicais durante estes anos todos. Basicamente, acho que nos tornámos melhores a escrever canções.
A. D.: No momento em que perdermos essa sensação, paramos de vez. Acho que isso é bastante óbvio: se começarmos a fazer más canções, não faz sentido continuarmos.
Há alguma canção que vos dê mais prazer tocar ao vivo?
A. D.: Gostamos muito de tocar a “Graceless”. A “Guilty Party” também tem sido divertida de tocar.
B. D.: A “Carin at the Liquor Store” também é interessante.
Mudando um pouco de assunto: os debates sobre a política americana e a presidência de Donald Trump têm subido de tom nos Estados Unidos da América. É algo que costumam discutir no seio da banda?
B. D.: É, e está para lá de qualquer dúvida o quão trágico e horrível tudo isto tem sido. Saí dos Estados Unidos, já não vivo lá. Não consigo viver lá. Agora vivo em França. Isto é horrível e embaraçoso. Porque ele [Trump] é um criminoso…
A. D.: Um chefe da máfia, mesmo.
B. D.: Tudo isto dos russos significa que o nosso país foi feito refém. Pôr crianças em gaiolas, banir pessoas de países muçulmanos… Só espero que isto não afete demasiado o resto do mundo. Já está a afetar, mas espero que não atinja outras proporções. É uma tragédia absoluta.
Sentem diferenças no modo como as pessoas se comportam, na maneira como falam?
A. D.: O medo é percetível. Medo nas pessoas mais novas, de cor, LGBT, nas minorias, nos imigrantes. Vivo numa zona agrícola, com várias quintas, e há muitos trabalhadores das fazendas próximas que vivem perto de nós, que vêm da América Latina e do México e que estão muito assustados. Dá para perceber que há muitas pessoas brancas que se sentiram encorajadas pela eleição de Donald Trump, que repentinamente sentem que já é aceitável serem racistas. Entramos numa bomba de gasolina algures no sul dos Estados Unidos e acontece com frequência verem-se pessoas com tatuagens que defendem a supremacia branca ou com bandeiras da Confederação [que era a favor da escravatura no século XIX].
B. D.: No início dos anos 1930, quando o Hitler ascendeu ao poder, a situação era provavelmente semelhante. Será que vamos chegar tão longe quanto ele chegou? Espero que não, as neste momento o clima parece ser o mesmo.
A. D.: A cerca de 16 quilómetros de onde vivo, em Hudson Valley, Nova Iorque, houve um imigrante gay que foi linchado há uns anos. Foi enforcado numa janela de um camião. O homicídio ainda não foi resolvido e aconteceu vários anos antes de Donald Trump ter aparecido, mas mostra bem como o nosso país é uma confusão. É um país virado de pernas para o ar, até mais do que as pessoas geralmente pensam. Donald Tump veio mostrar isso mesmo. Mas também é possível que tenhamos dado dois passos em frente com o Barack Obama, que estejamos agora a dar quatro passos atrás com o Trump e possamos vir a dar seis passos em frente a seguir. É assim que as coisas funcionam. Há muita gente que nunca considerou a hipótese do Donald Trump vir a ser eleito e estou certo de que todas as pessoas que não votaram não o vão fazer da próxima vez. Havia muita gente que estava zangada por causa da derrota do Bernie [Sanders nas primárias democratas], e até percebo isso, mas a Hillary Clinton venceu o voto popular e perdeu por uma pequena margem, devido às regras eleitorais. Numa eleição normal, voto por voto, Donald Trump não conseguiria ganhar.
A escolha de França para viver deveu-se a algum motivo em especial, Bryce?
B. D.: A minha mulher é francesa e isso ajudou. Além disto, acho que é um país europeu que, pelo menos, faz um esforço, mesmo que pequeno, para acolher migrantes e para lhes dar proteção legal, um sistema de saúde, educação e serviços sociais. Todos esses direitos humanos básicos. França tem muitos problemas, mas são problemas diferentes. A democracia francesa tem muito mais anos — sinto que há princípios que foram desenvolvidos durante anos e anos. Basta ver como eles reescreveram a constituição cinco vezes e nós [Estados Unidos da América] temos uma constituição que foi escrita como se fosse a Bíblia. Foi escrita, já agora, numa altura em que havia escravatura e em que se podia matar índios. É incrível, é um país que está cheio de promessas vazias e de hipocrisias. França é , para mim, uma versão ligeiramente melhor do que é um país democrático.
Obrigado. E boa sorte para o concerto.
B.D. e A. D.: Obrigado nós.
Fotografias dos The National durante o concerto do NOS Alive: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR. Fotografia de Donald Trump: Drew Angerer/Getty Images