À medida que se baixam as armas na Madeira, soa o tiro de partida para as eleições nacionais. Ainda a recontagem dos votos na ilha ia a meio e já António Costa dava o primeiro sinal. Na terça-feira, o líder do PS anuncia que vai renunciar ao mandato como autarca de Lisboa para se dedicar em exclusivo ao partido e, nesse mesmo dia à noite, Paulo Portas e Marco António Costa reúnem-se para definir um “roteiro” para as legislativas e para dar novo prazo de validade ao anúncio da coligação: maio.
Faltam mais de seis meses e a data das eleições ainda não está marcada, mas tanto PS como PSD estão cientes de que o tempo voa e, em proporção, o nervosismo aumenta. É preciso limpar as armas e preparar-se para a guerra.
Entre os socialistas, a decisão de Costa de sair da câmara foi muito aplaudida. Começou com o líder parlamentar, Eduardo Ferro Rodrigues, que disse, durante o debate quinzenal da última quarta-feira, que o PS via com “muita honra” o facto de o secretário-geral ter decidido dedicar-se em exclusivo ao partido. A bancada vibrou e aplaudiu.
Ao Observador, o vice-presidente Vieira da Silva também saudou a decisão do líder socialista, justificando-a com um facto de calendário. É que as eleições serão daqui a seis meses mas, “subtraindo o período de férias, que é sempre mais calmo em termos de debate político”, sobram cerca de quatro meses de luta. Por isso admitiu: “Vivemos um momento de maior densidade de preparação eleitoral”.
Segundo Vieira da Silva, o clima está mais “intenso” e o partido “mobilizado”. Mas trata-se, diz, de uma “aceleração natural”, também motivada pelas determinantes externas (as diretrizes europeias, a questão grega, o Banco Central Europeu), que “influenciam o debate” e fazem com que “tudo tenha de se passar mais rápido do que antes”.
“O tempo político é hoje mais acelerado e há uma maior acumulação de tensões”, constata, justificando-o tanto com os fatores externos como com o debate interno, que é hoje mais aguerrido.
Também Francisco Assis não se poupou a congratular publicamente o facto de o secretário-geral socialista ter feito inversão de marcha e posto o pé a fundo no acelerador. “António Costa fez bem em abandonar a presidência da câmara porque era evidente que era cada vez mais difícil compatibilizar as duas funções e que isso estava, de alguma maneira, a ser um fator de perturbação do seu processo de afirmação eleitoral”, reconheceu, considerando que assim fica “mais disponível” para travar a “disputa eleitoral”.
Mas se o PS faz ajustamentos à estratégia, o PSD/CDS também não quer ficar para trás. Ao Observador, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, admite que já há um sentimento de pré-campanha eleitoral nos bastidores do Parlamento. “Sente-se no grupo parlamentar um crescendo de agitação, os deputados estão mobilizados e motivados para o trabalho”. Tudo “normal”, segundo Montenegro, já que as eleições são certas e o tempo não pode parar.
O presidente da bancada social-democrata não vê sequer “mal nenhum” em que a pré-campanha já esteja em marcha – apesar de a atual legislatura ainda ter pela frente momentos-chave de governação. Para o PSD o clima de campanha é bem-vindo desde que “não se centre em casos e casinhos”, mas sim em “prestar os devidos esclarecimentos às pessoas”. E nisso, ambos os partidos estão de acordo. “O pior que pode acontecer é a campanha ser descentrada dos assuntos que realmente interessam”, que são os projetos para Portugal e a Europa, sublinha ao Observador o socialista Vieira da Silva.
O problema é que os trabalhos parlamentares ainda têm cerca de quatro meses pela frente, até meados de julho, e o PSD tem de equilibrar, numa mão, a atual legislatura, e, na outra, o plano para conquistar a próxima. Mas sobre isso Montenegro descarta que a ânsia de campanha esteja a toldar a visão aos deputados da maioria: “Não estamos a suspender o rumo desta legislatura nem a descartar-nos das nossas obrigações”, garante.
Essa preocupação, contudo, ainda prevalece nos discursos dos partidos da maioria. Para o vice-presidente do PSD José Matos Correia, a aceleração do período de campanha não é assim tão notória. “Se o PS quer começar a pedalar, acho muito bem, mas do nosso lado continua a não haver pressa, estamos tranquilos”, diz ao Observador, acrescentando que a reunião que se deu na terça-feira entre o líder do CDS e o porta-voz do PSD é “normal” nesta fase da corrida, numa altura em que se negoceia a provável coligação pré-eleitoral e, consequentemente, os lugares das listas conjuntas.
Do lado do CDS, o discurso é semelhante. O porta-voz centrista, Filipe Lobo d’Ávila, nega que já haja um “cheiro a campanha” porque “ainda há um caminho de governação muito importante” a percorrer. É nisso que os partidos devem pensar primeiro, e não nas eleições, diz. Defende, contudo, que “é normal” os partidos começarem a olhar para os seus programas e propostas, mas sem levantarem os pés da terra.
Certo é que “as mensagens estão mais carregadas”, admite Montenegro. No debate quinzenal de quarta-feira, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, foi o primeiro a notar isso mesmo, constatando, numa resposta ao líder parlamentar Ferro Rodrigues, que o “tom de crispação artificial” já estava a aumentar no Parlamento à medida que crescia a sombra das eleições. “Mas eu dou o desconto”, disse na altura Passos Coelho.
Sobre a decisão do líder da oposição de se dedicar em exclusivo ao PS, Luís Montenegro não deixa de dizer que António Costa “fez bem” porque “tem estado muito desconcentrado”. “Pode ser que assim tenha mais tempo de dizer ao que vem”, diz, puxando da narrativa de que os socialistas têm “arranjado sempre pretextos para não se atravessarem em nada”.
Argumento semelhante, mas em sentido contrário, tem o PS, que diz que “todos pedem clareza ao PS mas pouco se sabe sobre qual vai ser a posição da maioria para o futuro”. “Continuam juntos ou vão-se separar?”, questiona Vieira da Silva. O anúncio tem sido empurrado com a barriga. Até aqui, CDS e PSD escudavam-se nas eleições na Madeira, uma vez que os dois corriam separados. Mas terminado o sufrágio no arquipélago não parece haver mais desculpas.
A verdade é que os desafios nos próximos meses são muitos e exigem clareza. Ainda este mês, Portugal tem de apresentar em Bruxelas o Programa de Estabilidade, obrigatório agora que o programa de assistência financeira terminou, e o Governo espera contributos dos partidos da oposição, principalmente do PS. Na manga, Passos tem também um debate sobre o Plano Nacional de Reforma, onde os socialistas vão ser chamados a dizer qual a sua estratégia para o país.
Paralelamente, os programas eleitorais do PS, PSD e CDS (em separado) estão a ser trabalhados nos bastidores, com coordenadores e até com sites preparados para consultas populares, mas sem propostas claras em cima da mesa.
Mas mesmo por parte do Governo há sinais de mudança que denunciam a chegada das eleições. Nas últimas semanas, o Executivo fez alguns anúncios que indiciam, por assim dizer, um abrir os cordões à bolsa. Mostrou-se favorável à criação de uma carreira especial para os técnicos superiores das Finanças, garantiu que não vai cortar nos suplementos dos militares e que vai até autorizar a promoção de mais de cinco mil militares e, no que diz respeito à justiça, o Governo mostrou-se de acordo com a reivindicação da Associação Sindical dos Juízes Portugueses para que estes tenham um aumento salarial.
Em entrevista ao Observador há uma semana, também o porta-voz e vice-presidente do PSD, Marco António Costa, reconheceu que há coisas que estão a mudar, ainda que tenha negado qualquer eleitoralismo. “São ajustamentos adequados em função da melhoria que o país vai sentindo. Nós dissemos com toda a clareza que as medidas excecionais que foram tomadas foram com o objetivo de as ir gradualmente fazendo desaparecer até 2017 ou mais tarde”, lembrou, sublinhando, no entanto, que o primeiro-ministro tem sido “acusado” de ter “uma personalidade muito austera e muito fria”.
Ainda está presente a declaração de Passos de “que se lixem as eleições”, quando se aproximava a data das eleições europeias. Resta saber se será repetida agora que se trata de legislativas.