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The Family Of Emperor Charles I Of Austria
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O então imperador Carlos I com a mulher, Zita de Bourbon-Parma e os filhos Otto, Adelheid, Robert e Felix, em 1916

Mondadori via Getty Images

O então imperador Carlos I com a mulher, Zita de Bourbon-Parma e os filhos Otto, Adelheid, Robert e Felix, em 1916

Mondadori via Getty Images

Carlos e Zita de Habsburgo: a história de um exílio que terminou na Madeira

A 1 de Abril de 1922, morreu no Funchal o último imperador da Áustria, Carlos I. Tinha chegado há 134 dias, exilado. Publicação de um excerto de um livro que recorda a sua vida e a da mulher, Zita.

Foi o último dos Habsburgos no duplo trono da Áustria e da Hungria e se não nasceu destinado a reinar, o seu reinado também foi de pouca duração. Só ascendeu ao trono porque o seu tio, o arquiduque Francisco Fernando, foi assassinado em Sarajevo, pelo que coube a ele, filho primogénito do arquiduque Oto Francisco da Áustria e da Maria Josefa da Saxónia, suceder ao seu tio avô Francisco José I já a I Guerra Mundial ia a meio, pois subiu ao trono em Dezembro de 1916. Quando a guerra acabou, nem dois anos depois, a 11 de Novembro de 1918, colocou o destino do trono nas mãos dos parlamentos da Áustria e da Hungria, que proclamaram a dissolução do Império e o fim da Casa Real.

É esta história que Elizabeth Montfort, licenciada em Direito e Filosofia e antiga deputada ao Parlamento Europeu conta em “Carlos e Zita de Habsburgo – Itinerário Espiritual de um Casal”, que já está nas livrarias portuguesas com a chancela da Lucerna.

O Observador publica um excerto onde se relata o desenlace frustrado da segunda tentativa de regresso à Hungria, no final de 1921, o caminho obrigatório do exílio que terminou na Ilha da Madeira – onde chegou a 19 de novembro de 1921. Foi aí que acabou por ir viver para uma casa que lhe foi cedida na freguesia do Monte, por cima do Funchal, uma quinta de veraneio do banqueiro Luís Rocha Machado, nos meses de Inverno sempre imersa num nevoeiro frio que acabaria por se revelar fatal para a saúde do antigo monarca, que não resistiria a uma pneumonia dupla, falecendo a 1 de Abril de 1922.

O seu corpo ainda repousa na igreja Paroquial do Monte mas, cumprindo a tradição familiar, o seu coração foi levado para Viena.

A capa de "Carlos e Zita de Habsburgo: itinerário espiritual de um casal" (Lucerna)

Para Carlos, as hipóteses de sucesso são mais sérias; pelo menos, assim acredita. Desta vez, o Santo Padre encoraja Carlos a voltar à Hungria para reagir às ideologias nascentes, o bolchevismo e o nazismo, que semeiam o terror num país martirizado.

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Pela segunda vez, Horthy recusa categoricamente deixar o poder. Mais: conserva o rei e a rainha prisioneiros na abadia de Tihany e faz apelo aos países da Entente. A partir de então, o destino de Carlos e Zita está nas mãos deles.

Este segundo fracasso da restauração na Hungria tem pesadas consequências. A conferência dos embaixadores anuncia-lhes que serão exilados. Prisioneiros, Carlos e Zita estão sós, sem notícias dos filhos e sem saber que futuro será o seu. Apesar do fracasso e das reservas que tinha, o barão de Werkmann escreve: «A posteridade será obrigada a reconhecer que, nestas horas históricas da Hungria, estes dois seres, o rei e a rainha, foram grandes, maiores do que todos os húngaros».

É preciso recordar que este mesmo Horthy se tinha ido prostrar aos pés de Zita a 11 de novembro de 1918, algumas horas antes da partida definitiva de Schönbrunn, deixando com essa visita uma lembrança indelével: a de um oficial de marinha ativo e capaz, que vinha, em nome do seu rei, entregar aos Eslavos do Sul a frota de guerra para poupar os edifícios ao domínio dos vencedores. «Lembro-me bem da sua emoção», recorda Zita, «das suas lágrimas, das suas palavras impressionantes quando prometeu ajudar a restabelecer a soberania do seu imperador e rei, tanto em Budapeste como em Viena».

Horthy ficou à cabeça da Hungria, enquanto regente, até 1945. Depois exilou-se em Portugal, quando os soviéticos tomaram o poder. Nas suas memórias, não teve nenhuma hesitação em considerar que a dissolução do Império Austro-Húngaro tinha sido uma catástrofe e fazia referência ao projeto federalista de Carlos lamentando que não tivesse sido levado a bom porto. Mas omite que o principal opositor desse projeto era precisamente a Hungria. Por fim, e talvez seja este o aspeto mais interessante, Horthy parecia desejar o regresso dos Habsburgo para remediar a divisão que acabou por sair da Segunda Guerra Mundial. Sem o nomear, referia-se ao «herdeiro legítimo» da dinastia de Habsburgo, o que pode ser surpreendente se nos lembrarmos da atitude que teve em relação ao rei Carlos IV em 1921.

Chegados ao largo de Gibraltar, a 16 de novembro, os prisioneiros pedem para ir a terra ouvir missa. O pedido é-lhes recusado, mas um padre inglês é autorizado a vir a bordo celebrar no dia seguinte. Será a única missa de toda a viagem. E é então que ficam a saber qual será o seu destino final: a Madeira!

A 3 de novembro chegou o adeus à Hungria para sempre. E assim começa o caminho do calvário daquele que em breve será chamado o servo de Deus Carlos da Casa de Áustria.

O caminho do exílio começa no Danúbio, mas tanto os pilotos húngaros como os croatas se recusam a conduzir um barco para expulsar o rei e a rainha. Assim, é preciso levar o casal num bote até terra firme para que possa viajar de comboio. Por toda a parte, a população acorre para lhes prestar homenagem e manifestar a sua fidelidade. Finalmente, um navio inglês, o Cardiff, admite-os a bordo com o conde e a condessa Hunyady, que os acompanharão até ao destino final.

Durante todo esse périplo, que dura três semanas, Zita mantém um diário. Não tem uma única palavra de mágoa, de amargura ou de crítica para com os seus carcereiros. Descreve as peripécias da partida, as paisagens, as pessoas que encontram e que lhes prestam uma derradeira homenagem. Refere a boa cozinha do vapor Princesse Maria e vem mais tarde a saber que o cozinheiro trabalhara anteriormente em Schönbrunn.

Chegados ao largo de Gibraltar, a 16 de novembro, os prisioneiros pedem para ir a terra ouvir missa. O pedido é-lhes recusado, mas um padre inglês é autorizado a vir a bordo celebrar no dia seguinte. Será a única missa de toda a viagem. E é então que ficam a saber qual será o seu destino final: a Madeira!

É na mesma altura que recebem notícias dos filhos através de um telegrama do seu anjo da guarda de Eckartsau, o coronel Strutt.

Charles I of Austria (Charles IV of Hungary) (1887-1922) the last ruler of the Austro-Hungarian Empire ca. 1914

Carlos I da Áustria nasceu a 17 de agosto de 1887 e morreu a 1 de abril de 1922. Tinha 34 anos. Reinou entre 21 de novembro 1916 e 12 de novembro de 1918

HUM Images/Universal Images Grou

Prosseguem caminho: «No dia seguinte, voltámos ao mar», recorda Zita. «O imperador e eu estávamos na ponte e víamos a Europa desaparecer lentamente no horizonte: que tristeza termos de deixar não só o nosso país, mas a Europa! Quando lhe confiei este sentimento, ele respondeu muito calmamente: “Se Deus nos quiser fazer voltar, há de fazê-lo. Se não, submeto-me à sua vontade”».

Apesar da tempestade, que deixou Carlos esgotado, apesar da privação da missa diária, Zita termina o seu diário, no dia da chegada à ilha, com estas palavras: «Deus seja louvado! Chegámos ao Funchal».

Carlos e Zita chegam à ilha da Madeira a 19 de novembro, dia da festa de Santa Isabel da Hungria, sua antepassada. Será o seu terceiro exílio, aquele que viverão como uma subida ao Calvário.

Madeira, a ilha no fim do mundo

Carlos e Zita chegam ao cais. Daí podem ver a Igreja de Nossa Senhora do Monte. «Olha aquela igreja lá no alto», diz Carlos. «É parecida com as nossas do Tirol. Havemos de ir vê-la». Como qualquer pessoa numa terra estrangeira, sente necessidade de fazer referência ao universo que lhe é familiar. A ilha tem 100 000 habitantes; para além dos portugueses, há espanhóis, germânicos e eslavos.

Carlos e Zita são acolhidos pelo cônsul britânico, pelo representante do Governo Português e, sobretudo, pelo cónego Homem de Gouveia, que vai saudá-los em nome do bispo. Torna-se seu capelão e passa a celebrar a missa diariamente, acolitado por Carlos. Instalam-se na Villa Victoria, um anexo do Hotel Reid’s, com os condes de Hunyady, que viajaram com eles, e dois criados. Mais ninguém conseguiu obter um visto para os acompanhar.

Mas a sua chegada oficial à ilha tem lugar a 20 de novembro, na missa das 10 horas, celebrada na catedral do Funchal. São acolhidos pelos eclesiásticos e respondem com um sorriso às inúmeras homenagens dos fiéis, após o que se vão recolher na capela do Santíssimo, aonde Carlos voltará frequentemente, sobretudo quando estiver só.

O bispo do Funchal, D. António Pereira Ribeiro, vem cumprimentá-los na terça-feira seguinte. O Papa Bento XV pediu-lhe que velasse por eles e lhes desse apoio espiritual. Autoriza-os a manter em casa uma capela privada. Zita virá a obter autorização semelhante em todos os seus lugares de exílio. Cedo a vida na cidade se torna incomportável para Carlos, que, ao contrário do que lhe tinha sido prometido, não recebe nenhuma dotação da parte da conferência dos embaixadores da Entente.

Tempo de retiro não significa afastamento do mundo. Todos os dias se passeiam na cidade do Funchal. Carlos compra o jornal, Zita faz algumas compras. Os habitantes da ilha saúdam-nos, eles respondem com um sorriso. Tornam-se, assim, hóspedes distintos, ou melhor, prisioneiros distintos. E conquistam os corações pela sua simplicidade e pela sua simpatia.

É este o panorama. O que vai ser deles? E dos filhos? Será que poderão reunir-se aos pais? Já faz um mês que Carlos e Zita os deixaram. E as notícias são raras.

Carlos e Zita vivem este exílio como um retiro espiritual. Um dia, Carlos diz à mulher que compreende que Deus lhe peça a oferta da sua vida. Zita não responde, não pode imaginar o futuro e não consegue prever de que maneira isso possa ser feito. Vive com um santo e vê quão radical é a generosidade do seu coração. Já o demonstrou tantas vezes! Mas ela tem também um espírito prático: a missão de Carlos em relação aos seus povos e, sobretudo, à família e aos filhos. Apesar do silêncio de Zita, Carlos acrescenta: «E fá-lo-ei».

A partir desse dia, Carlos exprime com maior precisão a maneira como vê a educação dos filhos e sobretudo do mais velho, Otto, destinado a suceder-lhe.

Tempo de retiro não significa afastamento do mundo. Todos os dias se passeiam na cidade do Funchal. Carlos compra o jornal, Zita faz algumas compras. Os habitantes da ilha saúdam-nos, eles respondem com um sorriso. Tornam-se, assim, hóspedes distintos, ou melhor, prisioneiros distintos. E conquistam os corações pela sua simplicidade e pela sua simpatia.

Os condes Hunyady só podem ficar na Madeira até 15 de dezembro. O conde foi camareiro-mor da corte. Nesta qualidade, ele representa, sobretudo para Carlos, alguém com quem pode falar sobre o Império Austro-Húngaro, sobre os seus projetos para o futuro da zona do Danúbio e mesmo sobre o seu próprio futuro. A sua presença foi preciosa, já que constituía o único laço com a pátria e com a história recente do império. A sua partida foi, portanto, um duro golpe. Ao partir, leva consigo pequenas lembranças de Carlos para os seus servidores fiéis que foram feitos prisioneiros pelo regente Horthy. Agora é preciso preparar a vinda das crianças, a sua educação e a sua instrução.

Carlos e Zita ficam sós. E a pobreza torna-se o seu quotidiano. Apesar de sempre terem levado uma vida simples, nunca lhes faltou o essencial. Mas agora não têm nada. As joias pessoais que tinham conseguido trazer de Viena foram roubadas pela pessoa encarregada de as guardar.

O Natal de 1921 é uma festa triste, infinitamente triste. Sentem saudades dos filhos, dos parentes, do seu país, não têm dinheiro. Só lhes restam a fé e o amor: Carlos e Zita aproximam-se ainda mais um do outro.

Carlos de Habsburgo e Zita de Bourbon na chegada ao Funchal, a 19 de novembro de 1921 (Perestrellos Photographos; Museu de Fotografia da Madeira)

A 31 de dezembro chega o segundo anjo da guarda desta existência trágica, D. João d’Almeida. É um antigo oficial do Exército Austro-Húngaro, cujo pai tinha acompanhado o rei de Portugal, D. Miguel I, avô de Zita, no seu exílio austríaco. Regressou a Portugal para tomar parte na guerra contra os republicanos. Foi feito prisioneiro e casou com Constança Teles da Gama, visitadora da prisão. Assim que soube que o seu imperador estava na Madeira, na maior solidão e no mais total abandono, veio colocar-se à sua disposição. Como não tinha de pedir um visto, a sua chegada ao Funchal foi vista por Carlos e Zita como uma verdadeira bênção. Com ele chegam um criado de quarto que já servia Carlos desde 1911, a mulher deste e duas cozinheiras, todos eles muito ligados à família imperial.

Zita apoia o marido sem um queixume e escreve aos filhos e à família, que ficaram na Suíça:

«Vivemos felizes nas nossas belas recordações…

Todos os nossos amigos foram fiéis como o ouro…

Estamos bem e o tempo é maravilhoso, está uma temperatura de primavera e por isso nunca é preciso fechar as janelas e podemos sair para o ar livre logo de manhã sem precisar de casaco. A população é de uma simpatia extraordinária…

Gostava de vos saber tão tranquilos como eu…».

Carlos sofre, contudo, com a solidão e o afastamento da pátria. Consciente das suas responsabilidades, está persuadido de que a sua missão política não terminou. Mas raramente tem notícias dos seus povos porque grande parte das cartas é intercetada. É então que pede ao seu antigo secretário particular, o barão de Werkmann, que teve de deixar a Suíça e se refugiou no Luxemburgo, um relatório pormenorizado sobre a marcha dos acontecimentos nos diversos países a partir do dia em que foi feito prisioneiro e de fazer o levantamento de tudo o que se passou na pátria, não só os factos importantes, mas também os incidentes menores da vida de todos os dias respeitantes a pessoas e coisas, para que possa ter a ilusão de ouvir a voz dos seus súbditos, como antigamente. Na sua biografia, o barão de Werkmann escreve: «A tarefa estava longe de ser fácil. Não me queria afastar da verdade, por vezes tão dura de revelar, mas, por outro lado, era meu dever evitar que o imperador exilado perdesse a confiança. O imperador recebeu o meu relatório e leu-o. Não tive resposta».

Carlos continua a delinear o seu projeto de constituição para os países do Danúbio. Poderá ser um sonho cor-de-rosa, mas é sinal de que não abandona os seus povos e não se resigna a passar o resto da vida exilado.

"Aqui no Monte, o tempo só é agradável a partir de maio ou junho. Lá em baixo, havia sol todos os dias e, mesmo quando chovia, não era por muito tempo. Mas aqui só tivemos uns três ou quatro dias bonitos; de resto, é sempre nevoeiro, chuva e humidade. Nestas montanhas, passamos frio. Não temos luz elétrica, só há uma casa de banho para toda a casa e só temos água no primeiro andar e em baixo, na cozinha."

As crianças continuam à espera na Suíça. O pequeno Roberto tem uma crise de apendicite e precisa de ser operado. Zita decide então deslocar-se a Zurique para estar junto do filho. Nas mais duras provas, foi sempre a companheira fiel e inseparável de Carlos; mas nessa altura o amor de mãe chama-a para o pé do filho.

E ainda tem de fazer frente às reticências da conferência dos embaixadores, que receia que ela aproveite a ocasião para voltar à Hungria com o seu filho Otto. Finalmente, consegue obter um passaporte e, a 4 de janeiro de 1922, na companhia de D. Constança, deixa a Madeira e viaja para Portugal, para Espanha e depois para França, já acompanhada do seu irmão Xavier. Estará ausente um mês, deixando Carlos na companhia de D. João. O reencontro com os filhos é comovente. Não está autorizada a deixar a clínica onde Roberto foi operado e é aí que os filhos vão ao seu encontro. Não os via há três meses. Mas Zita tem de partir só, porque as autoridades suíças receiam que ela possa ter outros projetos. Alguns dias mais tarde, em Madrid, reencontra-se com os filhos.

No regresso à Madeira, a 2 de fevereiro, quando Zita desembarca no Funchal, Carlos espera-a no cais há já bastante tempo. Sobe ao passadiço, aperta nos braços o seu pequeno Rudolfo e as lágrimas correm-lhe pela face. Envelheceu, os cabelos embranqueceram. O seu aspeto é o de um homem esgotado e triste.

Com Zita, chega a condessa Mensdorff, sua aia. Alguns dias depois chegam também o padre húngaro Zsamboki, que se torna capelão da família, e o Sr. Dietrich, o precetor tirolês, ambos já ao serviço da família na Suíça.

A presença das crianças, enfim reunidas, alegra o coração de Carlos. Andarilho infatigável, faz longos passeios com os filhos e ensina-lhes história e geografia, sobretudo aos dois mais velhos, Otto e Adelaide. Zita recorda:

«As crianças aprenderam imenso com o pai. Era como se devesse utilizar esse tempo para preparar a sucessão. Também falava às crianças sobre a grande fidelidade de muitos dos nossos compatriotas e contava-lhes a enorme alegria que sentia ao encontrar por todo o lado tanta gente dedicada, sobretudo nos piores momentos».

O casamento de Carlos de Habsburgo e Zita de Bourbon, a 21 de outubro de 1911

Mas como a família já não dispõe de meios para continuar na Villa Victoria, Carlos aceita a oferta de um português ilustre que coloca à disposição da família a sua residência de verão situada nas montanhas do Funchal. Muito agradável no verão, no inverno torna-se quase inabitável, tanta é a humidade e tal é o nevoeiro que invade a zona. Ainda assim, a família instala-se na Quinta do Monte a 18 de fevereiro. Alguns dias depois, a 1 de março, chega o pequeno Roberto, completamente restabelecido, acompanhado pela arquiduquesa Maria Teresa, a avó adotiva de Carlos, e pela condessa Kerssenbrock, governanta das crianças, a tão dedicada Korffi.

Carlos leva uma vida simples. Está sob vigilância permanente, mas não se queixa. O rei vive apenas para a família, com uma grande fé em Deus e uma resignação tranquila… e sem ponta de amargura, por sinal. Um dia, quando o cónego Gouveia critica Horthy, responde-lhe: «Quem sabe se ele não será o instrumento da Providência».

O hall da Quinta do Monte foi transformado em capela. O padre Zsamboki celebra missa todos os dias e, várias vezes por dia, a família encontra-se aí para rezar. Mas a casa é fria e húmida. A iluminação é feita com candeeiros a petróleo. Sabemos em que condições viviam Carlos e Zita graças a uma carta que a criada de quarto da imperatriz enviou à sua família austríaca a 12 de março de 1922:

«Teria há muito cumprido a minha promessa de te escrever uma carta pormenorizada se não tivéssemos tido de nos mudar do Funchal para as montanhas, onde quase não havia móveis e tivemos de alugar quase tudo ao Hotel Victoria… Lá em baixo era realmente muito bonito, mas as nossas pobres Majestades não têm dinheiro e já não podiam pagar um hotel tão caro…

Aqui no Monte, o tempo só é agradável a partir de maio ou junho. Lá em baixo, havia sol todos os dias e, mesmo quando chovia, não era por muito tempo. Mas aqui só tivemos uns três ou quatro dias bonitos; de resto, é sempre nevoeiro, chuva e humidade. Nestas montanhas, passamos frio. Não temos luz elétrica, só há uma casa de banho para toda a casa e só temos água no primeiro andar e em baixo, na cozinha.

A casa até podia ser boa, mas é pequena para nós, mesmo estando o pessoal reduzido ao estritamente indispensável. Para nos aquecermos só temos lenha verde, que deita imenso fumo. Lavamos a roupa com água fria e sabão. Graças a Deus, temos aqui o nosso aparelho de fazer a barrela, que está instalado ao ar livre…

"Na nossa capela, crescem cogumelos nas paredes; e não poderíamos aguentar nos quartos se não tivéssemos as lareiras permanentemente acesas. Naturalmente, procuramos todos ajudar o mais possível, mas às vezes estamos à beira do desespero. E é só quando vemos a paciência com que Suas Majestades suportam tudo isto que pomos mãos à obra."

Se ao menos conhecêssemos alguém que pudesse exercer influência junto da Entente no sentido de conseguir que Suas Majestades pudessem alugar uma casa conveniente!…

Mas o pior de tudo é que Sua Majestade deverá dar à luz no mês de maio e ninguém quer contratar enfermeira nem médico. Só temos a ama das crianças, mas não tem experiência. Por isso, não teremos nenhuma parteira. Estou em desespero.

Estou a escrever sem o conhecimento de Sua Majestade, mas na verdade não consigo suportar que estas duas criaturas inocentes sejam deixadas por mais tempo nesta casa completamente incapaz. Temos de protestar. Suas Majestades nada farão; mais depressa deixariam, sem dizer palavra, que os fechassem numa cave a pão e água, se tal lhes fosse exigido. Na nossa capela, crescem cogumelos nas paredes; e não poderíamos aguentar nos quartos se não tivéssemos as lareiras permanentemente acesas. Naturalmente, procuramos todos ajudar o mais possível, mas às vezes estamos à beira do desespero. E é só quando vemos a paciência com que Suas Majestades suportam tudo isto que pomos mãos à obra».

Pobre rei! A sua coragem e a sua fé mantêm-se inabaláveis perante as provações que os caprichos do destino lhe reservam. Esforça-se por contornar os aspetos trágicos da sorte com pequenas jovialidades. Não tem nenhuma exigência pessoal. Não se preocupa em saber como será a vida da família na Madeira, nem quais serão os dissabores do dia a dia! A sua única preocupação é saber se as crianças conseguirão suportar o clima.

E, com efeito, mal alimentada, numa casa mal aquecida, não é de admirar que toda a família fique doente, a começar pelas crianças.

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