Não há dúvida: o Ministério Público (MP) suspeita que Jorge Nuno Pinto da Costa terá alegadamente criado um esquema com o empresário Pedro Pinho para desviar fundos da Futebol Clube do Porto, Sociedade Anónima Desportiva (SAD) para seu alegado benefício e de outros administradores portistas.
Tal esquema, concretizado através da transferência de diversos jogadores desde a época 2016/17, teve a alegada colaboração de vários clubes, entre eles o Vitória Sport Clube e o Sporting Clube de Braga, mas também de Pedro Pinho e de outros empresários de jogadores. Estes, segundo o procurador Rosário Teixeira, só terão conseguido vender jogadores ou intermediar vendas de jogadores do FC Porto, devolvendo uma parte das comissões cobradas a Pinto da Costa e a outros dirigentes da SAD portista.
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O histórico presidente do FC Porto é assim suspeito da alegada prática dos crimes de abuso de confiança agravada, burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais, mas ainda não foi constituído arguido num caso que tem muitas semelhanças com o processo que levou à detenção de Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, no caso Cartão Vermelho.
O esquema sob investigação
Após a análise de um conjunto muito alargado de circuitos financeiros entre a SAD do FC Porto, as suas congéneres do Sp. Braga e do V. Guimarães e empresários como Pedro Pinho, alegado testa-de-ferro de Pinto da Costa, e o também empresário Bruno Macedo, o procurador Rosário Teixeira suspeita do seguinte esquema de fraude:
- A SAD do Porto assinou através dos seus representantes legais diversos contratos de intermediação de transferência de jogadores e contratos de consultadoria com o único objetivo de justificar o pagamento de alegadas vantagens indevidas ou de alegados rendimentos a Pedro Pinho e a outros agentes desportivos que não foram declaradas ao Fisco;
- E qual era o objetivo de tais pagamentos? Que uma parte significativa de tais fundos fossem devolvidos a dirigentes do FC Porto e administradores da SAD portista. Ou seja, os agentes pagariam alegadas comissões aos dirigentes portistas para realizar negócios com a SAD do Porto;
- O MP identifica claramente Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do FC Porto e líder do conselho de administração da SAD do FC Porto, como um dos dirigentes portistas que alegadamente recebiam tais vantagens indevidas. Mas o procurador Rosário Teixeira também tem indícios contra outros dirigentes do FC Porto.
- Os pagamentos para os dirigentes e administradores do FC Porto seriam feitos pelos empresários de futebol através de duas formas: ou os fundos eram transferidos para contas abertas por sociedades offshore controladas por esses dirigentes em bancos estrangeiros, nomeadamente suíços; ou os agentes pagavam despesas pessoais dos dirigentes que o próprio clube ou a SAD não podiam pagar.
- Neste último campo, por exemplo, o MP suspeita que Pedro Pinho terá pago as rendas da casa onde morava Fernanda Miranda, ex-companheira de Pinto da Costa, como noticiou a revista Sábado.
No comunicado emitido na última segunda-feira, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal referiu que o valor sob suspeita ascende a cerca de 20 milhões de euros. Ou seja, terá sido esse o montante que terá sido desviado dos cofres da SAD do FC Porto. O Observador sabe que esse valor é só uma estimativa e que, tendo em conta um período mais alargado, o mesmo deverá ser significativamente superior.
O acordo entre Pinto da Costa e Pedro Pinho e o caso Marega
Pedro Pinho utilizou várias sociedades para fazer concretizar este alegado esquema, como a PP Sports, Lda (ex-Energy Soccer, Lda), a Pesarp SA e a N1 — Gestão de Carreiras Desportivas, mas também empresas de outros agentes desportivos a quem pedia colaboração.
Entre os vários contratos sob suspeita, destaca-se o caso de Mousa Marega. Não só pela importância do jogador no FC Porto, um espécie de patinho feio que conquistou os adeptos portistas, mas também pela complexidade da operação — que se prolongou por vários anos.
O FC Porto comprou 100% dos direitos económicos e desportivos de Marega ao Marítimo em janeiro de 2016 por 3,8 milhões de euros. Os primeiros seis meses no Dragão não correram bem: 16 jogos, um golo e nenhuma assistência. E Marega foi emprestado em julho do mesmo ano ao V Guimarães. Custo? Zero.
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Até aqui tudo bem. É normal os clubes grandes emprestarem jogadores desvalorizados gratuitamente.
O problema começa com um “atípico” acerto de contas entre o FC Porto e o V. Guimarães em 2018. Após a sua melhor época (2017/18, com 40 jogos, 15 golos e cinco assistências, contribuindo de forma decisiva em vários jogos para quebra do maior jejum sem Campeonatos da era Pinto da Costa), os portistas decidem alienar 30% de uma futura mais-valia do passe de Marega ao Vitória de Guimarães pelo valor de 3.637.500 euros + IVA.
O problema? A Pesarp de Pedro Pinho cobrou ao FC Porto cerca de 400 mil euros de intermediação de uma operação que apenas deveria ocorrer no futuro. O MP considera que tal valor terá sido propositadamente inflacionado para que Pinho recebesse aquele valor.
Mais tarde, e após mais uma época de sucesso, nomeadamente na Liga dos Campeões (onde Marega marcou durante seis jogos seguidos, batendo registos como os de Mário Jardel), o FC Porto decidiu recomprar os tais 30% de uma mais-valia futura que tinha vendido ao V. Guimarães, de forma a ficar com os 100% dos direitos económicos do jogador. Ao mesmo tempo que o clube liderado por Pinto da Costa decidiu alienar uma parte dos passes de três jogadores. Explicando:
- O MP diz que o FC Porto comprou os 30% da tal mais-valia futura do passe de Marega por 3.675.500 euros, mas o Relatório e Contas da SAD do FC Porto refere-se a 4,2 milhões euros. Há uma diferença de cerca de mais 600 mil euros;
- A empresa de agenciamento chamada TM Management, do empresário de Marega Aziz Ben Assis, cobrou ao FC Porto cerca de 480 mil euros em comissões. Também este valor está a ser investigado;
- Ao mesmo tempo, o FC Porto cedeu três jogadores ao V. Guimarães, ficando 50% do direitos económicos de André André, Rafa Soares e João Carlos Teixeira — três futebolistas que estiveram apagados na passagem pelo Dragão, à exceção do primeiro na primeira época. Tal alienação teve o valor contabilístico de 3.637.500 euros + IVA.
- Em 2018/19, ainda houve o empréstimo de Yordan Osório ao V. Guimarães, saindo do Tondela e passando pelos portistas seis meses num negócio de 1,96 milhões de euros por 50% do passe, de acordo com o Relatório e Contas da SAD (é preciso recordar que nesta operação Cartão Azul, além de FC Porto, Sp. Braga, V. Guimarães e Tondela foram alvo de buscas).
- O empresário de Yordan Osório, o brasileiro Deco (ex-jogador do FC Porto e agora empresário e agente de jogadores, agindo muitas vezes em parceria com Jorge Mendes e a Gestifute) terá sido constituído arguido;
O MP suspeita que houve aqui dois alegados negócios simulados:
- o pagamento de 400 mil euros feito a Pedro Pinho pela cedência de 30% das mais-valias futuras do passe de Marega para o V. Guimarães e o pagamento de 480 mil euros à empresa TM Management de Aziz Ben Assis. Trata-se de um total de 880 mil euros.
- o esquema para a recompra desses mesmos 30% ao V. Guimarães que levou à cedência de 50% dos direitos económicos dos três jogadores acima referidos, de forma a que os valores contabilísticos fossem semelhantes.
O MP acredita que este esquema de alegada burla envolveu a faturação de comissões não necessárias ou de valores inflacionados — tudo para alegadamente ocultar o desvio de fundos para o suspeito Pedro Pinho.
Quem é Pedro Pinho, o agente que também é visado
Pedro Pinho, o agente que é também visado na investigação, ganhou outra “notoriedade” em abril, quando agrediu um repórter de imagem da TVI depois de um empate do FC Porto frente ao Moreirense. “Pedro Pinho não pertence ao FC Porto e não integrava a comitiva do FC Porto em Moreira de Cónegos, não fez a viagem com o FC Porto e não assistiu ao jogo a convite do FC Porto”, garantiu Pinto da Costa a Anselmo Crespo, diretor da TVI, numa chamada feita pelo líder dos dragões na manhã seguinte ao sucedido.
“Não vi nenhuma agressão nem vi nenhuma imagem a agredir e não digo que houve ou não houve. Pedro Pinho é portista, sócio do FC Porto, não tem nenhum cargo, é empresário que trabalha com muitos clubes. Até vi que ganhou 16,6 milhões em cinco anos… Totalmente mentira! Em cinco anos faturou ao FC Porto por serviços prestados 3,3 milhões de euros mas, acrescente-se, meteu nos cofres do FC Porto 7,5 milhões de euros pelo empréstimo do Casemiro, que o Real Madrid teve de pagar esse valor para voltar a ficar com ele”, destacou uns dias depois, numa entrevista ao Porto Canal.
Mas quem é Pedro Pinho? Filho de José Maria Pinho, antigo presidente do Rio Ave durante quase uma década nos anos 80, começou como agente de jogadores e foi sócio de Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente portista e outro dos alvos das buscas na operação Cartão Azul, numa empresa com o nome Energy Soccer. A separação ocorreu no final de 2016, com Pinho a ficar com a percentagem da agência de Alexandre. Três meses antes, Antero Henrique, diretor-geral do FC Porto, tinha deixado o Dragão. “Por motivos pessoais”, segundo um comunicado emitido pela SAD. Em choque com Alexandre Pinto da Costa, escreveu o Expresso. E dentro desse litígio estaria também a ligação de Pedro Pinho a Nélio Lucas, então o principal rosto do fundo de investimento Doyen Sports.
Após essa separação, Pedro Pinho passou a operar enquanto empresário através de duas agências, a PP Sports e da N1 – Gestão de Carreiras Desportivas, com mais de uma dezena de negócios feitos com o FC Porto só desde o ano de 2017 ou através das suas empresas ou em nome próprio enquanto agente. Quintero, Ricardo Pereira, Suk, João Pedro, Saidy Janko, Osório, Soares, Yoni Mosquera e Gérman Meneses foram alguns dos jogadores que saíram ou chegaram com a sua intermediação até ao último verão.
Ainda assim, nem sempre tudo foi pacífico na ligação de Pedro Pinho aos olhos do universo azul e branco, havendo um episódio limite que explica isso mesmo: o facto de o agente ter estado na festa noturna da mulher de Uribe, em novembro de 2019, que viria depois a resultar no afastamento do médio colombiano, de Marchesín, de Luis Díaz e de Saravia da equipa.
Como escreveu na altura o jornal Record, os jogadores consideraram que a presença do agente poderia “legitimar” o não cumprimento das horas de recolher e houve algumas vozes ligadas aos portistas a questionarem então a relação quase de exclusividade que havia com o empresário. A “resposta” de Pinto Costa chegou apenas dois dias depois: a seguir ao jogo seguinte, no Bessa com o Boavista (1-0 para o FC Porto), o presidente dos dragões viu o encontro e jantou com Pinho.
Três inquéritos na origem de buscas
As buscas que ocorreram na semana passada no FC Porto, Sp. Braga, V. Guimarães, Tondela mas também em Lisboa e noutras localidades do país não tiveram por base apenas um inquérito — mas sim três inquéritos.
As primeiras buscas ocorreram na segunda-feira e tiveram Jorge Nuno Pinto da Costa, o seu filho Alexandre e o seu alegado testa-de-ferro Pedro Pinho como principais alvos.
Dois dias depois, novas buscas no Minho com os estádios do Sp. Braga e do V. Guimarães e os escritórios de Bruno Macedo (alegado testa-de-ferro de Luís Filipe Vieira que também trabalhou com o FC Porto) e do seu pai Vespasiano Macedo na mira.
Uma parte das buscas foram lideradas pelo procurador Rosário Teixeira e estão relacionadas com o inquérito que tem Pinto da Costa como principal suspeito no alegado desvio de fundos do FC Porto.
A outra parte foi liderada pela procuradora Inês Martins e tem precisamente a ver com a matéria original da Operação Fora de Jogo que já decorre há seis anos: crimes de fraude fiscal, fraude à segurança social e branqueamento capitais relacionados com rendimentos e contribuições de contratos de trabalho de jogadores de futebol que não foram declarados.
Em causa estão suspeitas de negócios simulados, celebrados entre clubes de futebol e terceiros, que tiveram em vista a ocultação de rendimentos do trabalho dependente, sujeitos a declaração e a retenção na fonte, em sede de IRS, envolvendo jogadores de futebol profissional. Os valores envolvidos rondarão os 15 milhões de euros.
Reação do FC Porto, SAD, Pinto da Costa e de Pedro Pinho
O Observador contactou por escrito o advogado de Pedro Pinho, tendo confrontado o empresário de futebol com todas as informações que constam desta peça. “As perguntas partem de uma suspeição sem fundamento pelo que não será feita nenhuma declaração. Em sede e local próprio o meu cliente dará todas as explicações e mostrará o embuste das suspeitas que sobre si recaem”, respondeu Pedro Marinho Falcão, advogado de Pinho.
“Consigno que apenas foram realizadas buscas e que o meu cliente não foi ouvido nem constituído arguido”, concluiu o conhecido causídico.
O mesmo contacto foi feito com Nuno Brandão, advogado de Pinto da Costa e do FC Porto, SAD. “A Porto SAD e o sr. Pinto da Costa decidiram que, encontrando-se o processo em segredo de justiça, não é o momento oportuno para responder às questões que colocou”, lê-se na resposta escrita.
Além de ter confrontado com todas as suspeitas do MP acima descritas, o Observador enviou sete perguntas à FC Porto SAD e a Pinto da Costa, nomeadamente sobre a eventual abertura de um inquérito interno aberto para aferir o fundamento das suspeitas reunidas pelo Ministério Público sobre a alegada violação dos interesses patrimoniais da FC Porto SAD e sobre a existência de eventuais conflitos de interesse pelo facto de Alexandre Pinto da Costa, filho do líder da administração da Porto SAD, participar direta ou indiretamente em negócios que envolvem interesses patrimoniais daquela sociedade anónima. Mas não teve resposta.
Ironia das ironias, Jorge Nuno Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, dois ‘inimigos’ desportivos, têm exatamente o mesmo problema com a Justiça: são ambos suspeitos de terem alegadamente desviado fundos das sociedades anónimas desportivas do FC Porto e do Benfica em benefício próprio.
Mas enquanto Luís Filipe Vieira foi constituído arguido, detido e esteve em prisão preventiva tendo de pagar uma caução elevada, Pinto da Costa ainda é só e apenas suspeito da alegada prática do mesmo tipo de crimes imputados a Vieira. E, claro, enquanto o primeiro foi afastado da liderança do Benfica, tendo sido substituído pelo presidente eleito Rui Costa, Jorge Nuno Pinto da Costa continua à frente do FC Porto desde 1982.