É como se o antigo Yamba, beach club que em 2021 sofreu um incêndio, tivesse renascido das próprias cinzas, como uma Fénix. Mas não é bem a mesma coisa, tanto que a casa e o nome são diferentes: deixa a praia do Castelo, ruma à Praia da Cabana do Pescador, ambas na Costa da Caparica, e chama-se agora Casa Reîa, um espaço com 600 metros quadrados de portas abertas desde meados de junho.
É mais um irmão — até porque partilham do mesmo pai: à frente do projeto, está o francês Sacha Gielbaum, fundador do Astral, estúdio por detrás da criação do Yamba — que foi considerado um dos 10 melhores beach clubs do mundo pela Condé Nast Traveller —, em conjunto com Emil Stefkov, fundador do coletivo de restaurantes em Nova Iorque, o The Group NYC.
Conta com três chefs — ou, talvez, com três “rock stars”: Dário Costa, chef brasileiro, vencedor do concurso Mestre do Sabor, em 2016, que está por detrás de muitos projetos gastronómicos em São Paulo, Udi Barkan, chef e nutricionista israelita, sediado em Lisboa, e, por último, Pedro Lima, de 26 anos, natural de Santos, também no Brasil. Foi braço direito de Dário Costa, mas, com uma carreira de dez anos que começou ainda na adolescência, é agora responsável por diariamente comandar as operações desta casa onde, em simultâneo, se sentam 340 pessoas. Aos 22, já era sub-chef, aos 26 é chef executivo. “Ele é uma rock star”, garante-nos Sacha.
A mudança do Brasil para Lisboa aconteceu muito rápido. Pedro recebeu a proposta de Emil e no espaço de um mês já estava em Lisboa. A realidade é que o convite para comandar a cozinha da Casa Reîa chegou primeiro ao pupilo e só depois ao seu mestre: “Convidaram-me para vir e o Dário veio junto, como chef consultor do projeto”, conta. “Estávamos os dois a trabalhar num restaurante dele em São Paulo, o Deus Ex-Machina. Tem um conceito parecido com este, em que se junta à comida o entretenimento.”
Foi Dário Costa, destaca, quem lhe ensinou muito do que hoje sabe sobre a grelha, o peixe e o marisco. Este é, precisamente, um dos pilares da cozinha da Casa Rêia, complementada com uma forte aposta nos vegetais, confecionados também no fogo. A entrada de Udi Barkan, com conhecimento vasto sobre a cozinha de base vegetal, não só enriquece a proposta gastronómica da Casa Rêia, como desbloqueia alguns obstáculos. O israelita funciona como uma espécie de ponte entre o Brasil e Portugal — dois países que partilham do mesmo idioma, mas com as devidas nuances (“aboborinha aqui é courgete”, exemplifica Pedro), além de que a geografia portuguesa e brasileira atribui aos mesmos produtos características distintas.
A soma das três partes resulta nisto: uma carta, pensada para partilhar, que respeita os princípios da sustentabilidade, que prefere os fornecedores locais, e que escolhe como modo de confecção principal o fogo. Mas já vamos a pormenores.
Espaço
A dois passos do mar, é como se, pela escolha das cores, a Casa Reîa se fundisse com a areia. Perfeitamente enquadrada na praia, não destoa dos elementos naturais em que se circunscreve. Com claras referências ao estilo boho — e a filosofia holística que não se lhe pode dissociar — aposta em tons leves e orgânicos, presentes quer no design de interiores (a cargo de Juliana Cavalcanti), quer na extensa esplanada no areal. Com um total de 340 lugares e 600 metros quadrados, divide-se em vários espaços: há o interior do restaurante, há a esplanada no estrado de madeira, há as mesas na areia e há a zona dedicada ao bar (com espreguiçadeiras incluídas). “A ideia é podermos receber uma família ou um casal que procuram uma refeição mais sossegada, mas também grupos de amigos ou pessoas que venham da praia, que queiram ouvir música, fazer uma refeição na areia ou beber só um copo”, explica Pedro.
Ao Observador coube um lugar na areia, numa mesa e cadeira corrida de madeira, com almofadões brancos. Estamos descontraídos e confortáveis, como mandam os bons almoços na praia. Olhamos à nossa volta. É engraçado: os que frequentam a Casa Rêia não destoam do espaço — uns usam chapéus de abas largas, outros camisas abertas, apostam nos padrões tribais, preferem os tons terra. Têm cabelos compridos, muitas vezes aclarados e desgrenhados pelo sal do mar.
É domingo e a música vai, gradualmente, fazendo parte do nosso almoço. Mais tarde, ficamos a saber que de quinta-feira a domingo, há artistas convidados, numa programação que aposta na união do eletrónico com o acústico. Conseguimos ver um bar de apoio no local em que se prevê que, mais tarde, surja uma pista de dança, assim como a cabine de DJ, que ganha vida numa espécie de cabana aberta, com panos e madeiras.
“Queremos mudar a forma como se faz uma festa. Queremos luzes quentes, queremos pessoas a sorrir e a abraçar-se. Queremos que as pessoas aproveitem. Temos o mesmo sistema de som do DC10 [uma discoteca em Ibiza], que permite estar perto da coluna, ouvir som de alta qualidade e, ao mesmo tempo, manter uma conversa”, detalha, indicando que a cargo da curadoria musical está Duda Louro, sendo Marc Mâhfoud o músico residente. Entrando em pormenores sobre o estilo musical, adianta que “a intenção é fazer uma ponte entre o acústico e o elétrico”, acrescentando que dificilmente aqui se ouvirá deep hard techno: “Se acontecer, será apenas com nomes grandes.”
Além da música, também há workshops. A cargo desta secção está Melody Sanderson, companheira de Sacha, diretora de comunicação e programação e gestora da marca e da comunidade online da Casa Reîa. “São atividades que desenvolvem ferramentas para uma vida mais saudável, ferramentas que nos ajudem a conectar com as outras pessoas”, explica. Da poesia aos exercícios de respiração, o fundamental é que estas aprendizagens se possam aplicar a longo prazo. Chamam-lhe o “lifelong learning”, que, traduzido à letra, significa aprendizagem contínua.
E para que não se cumpra a maldição que parece pairar sobre os espaços que abrem portas junto às praia da Caparica— nos últimos anos, noticiou o Expresso em 2021, houve, pelo menos, sete incêndios nas praias desta costa, que destruiram bares e restaurantes em circunstâncias semelhantes —, Sacha revela que todas as precauções foram tomadas para que o flagelo não se repita: há extintores por todo o lado, há um reforço da videovigilância e seguranças em permanência no espaço.
Sobre a experiência anterior, explica-nos que nunca se percebeu qual a fonte do incêndio. “Quem me dera saber”, diz. Estávamos fechados no dia em que aconteceu. No relatório, a polícia disse que foi um acidente, mas não encontraram a fonte. Nas câmaras não aparecia nada. Não sabemos… Podemos apenas especular. E, por isso, vamos acreditar no que nos disse o relatório da polícia: um acidente.”
Comida
De regresso à comida, recapitulemos: uma carta que se ergue sobre os princípios da sustentabilidade, apostando em produtos frescos, locais e sazonais. No que respeita ao produto, o destaque vai para os vegetais de fornecedores locais, peixes e mariscos da costa portuguesa, trabalhados numa cozinha que dá preferência ao fumado e à grelha — intervenientes que estão à vista de todos os que visitam a Casa Reîa.
O menu é simples, mas cuidado. A união dos vegetais com os ingredientes do Médio Oriente nas cenouras assadas no forno a lenha, labneh, citrinos e pistácios, um especial da Casa Reîa, fazem-nos crer que estamos perante uma invenção de Udi Barkan. Especialista em vegetais, de certo que contribuiu também para a criação do carpaccio de beterraba, morangos, vinagrete de cebolinha verde ou salada de tomate, melancia, queijo feta, molho somtam. Dário Costa e Pedro Lima também estão escondidos na carta: de camarões a mexilhão, de robalo a dourada, a oferta inclui ainda peixes e mariscos do dia, confecionados no assador Josper.
A Casa Reîa fica na Praia da Cabana do Pescador, na Costa da Caparica. O horário de funcionamento é de segunda-feira a quinta-feira, das 13 às 20 horas; e de sexta-feira a domingo, das 13 horas à meia-noite.