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Caso Fizz. "A verdade é só uma", mas em julgamento já há três

O procurador que está a ser julgado por corrupção diz que abandonou a magistratura para aceitar uma proposta de trabalho de Carlos Silva. O banqueiro nega. Verdade? Mentira? Fantasia?

“A verdade é só uma.” Foi assim que o procurador Orlando Figueira respondeu aos jornalistas no dia em que chegou ao Campus de Justiça para começar a ser julgado pelos crime de corrupção, branqueamento, falsificação e violação de segredo de justiça. A expressão foi já, várias vezes, repetida na sala de audiências onde estão também a ser julgados o advogado Paulo Blanco e o empresário Armindo Pires — que representa o agora deputado angolano e ex-vice-Presidente Manuel Vicente. Mas, no processo, parece haver mais do que uma verdade: o Ministério Público (MP) acusa Orlando Figueira de ter sido corrompido por Manuel Vicente; Orlando Figueira diz que quem lhe pagou foi Carlos Silva, que lhe terá oferecido trabalho no Banco Privado Atlântico (BPA); e o banqueiro, por seu turno, desmente e diz que tudo não passa de uma “fantasia”. Quem diz a verdade?

O procurador Orlando Figueira admite que o seu próprio relato mudou. Quando prestou declarações ao MP, diz, estava “condicionado” e não contou tudo. Só em dezembro de 2017 assinou uma exposição onde dispara contra o banqueiro Carlos Silva e o o advogado dele, Daniel Proença de Carvalho. Foi esta a “verdade” que prometeu contar em tribunal, mal o julgamento começou. Orlando Figueira diz que conheceu Carlos Silva num hotel em Luanda — para onde foi a convite do MP — e que nesse encontro, também com Paulo Blanco, o banqueiro lhe falou logo numa hipótese profissional. “Talvez um dia, quando me reformar”, terá respondido Orlando Figueira. Um mês depois, já em Lisboa, o procurador almoçaria com Carlos Silva e este reiterava a proposta, que o português acabaria por aceitar.

Advogado chegou a levar e a trazer cartas rogatórias do DCIAP para Angola

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Operação Fizz. Banqueiro Carlos Silva desmente Orlando Figueira

Paulo Blanco conta outra “verdade“. Na contestação que apresentou em tribunal disse que, de facto, se encontrou com Carlos Silva no hotel em Luanda, mas que Orlando Figueira não estava nesse encontro. E que só os três em Lisboa, no Hotel Ritz, depois de Carlos Silva ter ido prestar declarações ao DCIAP. Terá sido neste almoço que Orlando Figueira fez uma prospeção do mercado e revelou estar a divorciar-se e querer ir trabalhar para Luanda. Paulo Blanco garante que Orlando Figueira só conheceu o banqueiro em Lisboa.

Já a “verdade” de Carlos Silva é que só conheceu o procurador Orlando Figueira em Lisboa e que jamais se falou em propostas de trabalho. Tudo não passará de uma “fantasia”.

O contrato de trabalho e os 60 milhões de Carlos Silva sob investigação

Segundo as declarações e os documentos que mostrou em tribunal, o procurador Orlando Figueira teria sido convidado pelo banqueiro Carlos Silva, ainda em 2011, para ser consultor jurídico do grupo que detém o BPA. Orlando Figueira, que enfrentava um processo de divórcio e um corte salarial, acabaria por aceitar pedir uma licença sem vencimento no final desse ano, com efeitos a partir de setembro de 2012. Declarações que o banqueiro veio esta segunda-feira dizer tratarem-se da tal “fantasia”.

O contrato-promessa que o procurador Orlando Figueira assinou para ir trabalhar para o banqueiro Carlos Silva terá sido alterado depois de o jornalista e ativista angolano Rafael Marques ter denunciado ao MP que o BPA servia para “branqueamento de capitais” de empresas e empresários angolanos. Esta denúncia viria a dar origem a um inquérito-crime só arquivado em 2014. Durante todo este tempo, o procurador diz que esteve à espera de ser chamado para ir para Angola trabalhar — o que nunca chegou a acontecer, mesmo tendo recebido mais de meio milhão de euros em remunerações, segundo justificou em tribunal.

Enquanto aguardava a resposta da hierarquia, Orlando Figueira acabaria por assinar três versões de contratos-promessa de trabalho diferentes: no primeiro, não estava inscrito o nome da entidade patronal; no segundo, o contrato seria celebrado com a Finicapital, do BPA; e, por último, o contrato foi-lhe entregue em nome da Primagest, a empresa que agora o Ministério Público (MP) diz pertencer a Manuel Vicente. Orlando Figueira tem refutado essa tese: a Primagest será, segundo ele, de Manuel António Costa, “um testa de ferro” de Carlos Silva. Por esta altura, janeiro de 2012, Rafael Marques era chamado a prestar declarações no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e denunciava o BPA como o instrumento que empresas e personalidades angolanas usavam para branquear capitais. Essa denúncia viria a resultar numa investigação que originou outros inquéritos.

“O contrato era para ser com a Finicapital, mas veio como Primagest. Vou ao Google, digito e vejo uma informação de 2011 a dizer que a sociedade integrou um consórcio com a Sonangol. Foi esta a busca que o MP fez para agora me acusar de ligações a Manuel Vicente”, disse o procurador em tribunal, na primeira semana de um julgamento que tem já mais de 50 sessões marcadas.

Da esquerda para a direita, Carlos Silva, Manuel Vicente, Orlando Figueira e Paulo Blanco

Orlando Figueira é acusado pelo MP de corrupção passiva por alegadamente ter recebido mais de 700 mil euros do ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, para arquivar dois processos que tinha em mãos. O procurador estava, na altura, ao serviço do DCIAP e investigava o então presidente do Conselho de Administração da Sonangol por corrupção. O MP acredita que o dinheiro que recebeu nas contas do BPA veio de Manuel Vicente e que os contratos de trabalho que assinou foram documentos falsificados para justificar as “luvas”. No processo são também arguidos o advogado Paulo Blanco e o empresário Armindo Pires — que representa Manuel Vicente em Portugal. Mas Orlando Figueira alega que nada tem a ver com Manuel Vicente, que o contrato foi celebrado com Carlos Silva e que, por isso, “não há corrupção”.

A alteração ao contrato de trabalho assinado por Orlando Figueira teria sido feita logo após as declarações de Rafael Marques, no âmbito de uma averiguação preventiva do MP. Assim, Orlando Figueira não ficaria ligado a uma empresa que estava a ser investigada. O inquérito que envolve o BPA e o pedido de esclarecimento de 60 milhões de euros movimentados por 33 contas diferentes do seu presidente, o angolano Carlos Silva, é um dos três processos que o advogado, e arguido no processo, Paulo Blanco, pediu que fossem apreciados em tribunal e que o coletivo de juízes aceitou na última quinta-feira.

O processo, a que o Observador teve acesso, começou com aquilo a que o MP chama de “Averiguação Preventiva” (AP) e que pode, ou não, dar origem a um inquérito-crime. Neste caso, essa AP foi baseada numa queixa feita por Adriano Parreira, ex-embaixador e historiador angolano, que vinha denunciar “factos suscetíveis de integrar crimes de associação criminosa e branqueamento de capitais, alegadamente praticados em território nacional, tendo como crimes precedentes corrupção, burla, fraudes fiscais e outros, alegadamente praticados em Angola”, lê-se. Resume o MP que o historiador pede que sejam investigadas as transações de “avultadas somas” envolvendo bancos e instituições financeiras portuguesas, por personalidades politicamente expostas e empresários angolanos.

A queixa foi completada por declarações de Rafael Marques e com informações da CMVM, pelo que o procurador Paulo Gonçalves acabaria por converter a AP num inquérito em junho de 2012 — dois meses antes de Orlando Figueira abandonar a magistratura com uma licença sem vencimento — declarando o segredo de justiça. E viria a dar origem a dois processos diferentes.

Rafael Marques, jornalista e ativista angolano, foi um dos denunciantes e constituiu-se assistente no processo

Orlando Figueira, que tinha já recebido um adiantamento de 210 mil dólares para começar a trabalhar em setembro, deixou a magistratura e ficou à espera que Carlos Silva o chamasse para ir trabalhar como consultor jurídico em Luanda. Em tribunal, o procurador explicou que esse adiantamento seria o equivalente aos ordenados que receberia durante o ano que se seguiu. Nesse período, diz que chegou a enviar vários documentos para Angola, para lhe tratarem do visto e de tudo o que precisava. Diz não ter estranhado a demora. “São as idiossincracias angolanas”, justificou.

Enquanto esperava, Orlando Figueira começou a trabalhar para o banco português Millennium BCP, onde Carlos Silva é também vice-presidente. O processo no DCIAP foi avançando. Nesta altura, Rafael Marques foi novamente ouvido e acrescentou informações relativamente ao BPA, que acusou de ser usado no branqueamento de capitais e que estas operações envolvem, normalmente, operações acima dos 250 mil dólares. O jornalista e ativista angolano acabou por constituir-se assistente no processo — o que implica o pagamento de mais de 100 euros em custas. Mais tarde, quando o processo foi arquivado, não pediu a abertura de instrução.

Um ano depois, em novembro de 2013, a investigação que entretanto se desenrolou relativamente ao então vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, a Francisco Higino Lopes Carneiro e à sociedade Portmill – Investimentos e Telecomunicações SA viria a ser arquivada, mas seriam aproveitadas algumas provas, desentranhadas do processo e juntas num outro novo inquérito. Aqui, investigavam-se, além de Carlos Silva e do seu banco, Manuel Dias Júnior, conhecido por general Kopelipa, Isménio Coelho Machado, administrador do BPA Europa, André Navarro, presidente executivo do BPA Europa e Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido por general Dino. O procurador pediu que fosse levantado o sigilo bancário para analisar os movimentos bancários destes denunciados. Suspeitava de associação criminosa e branqueamento de capitais.

O advogado Daniel Proença de Carvalho representou Carlos Silva no processo em que foi investigada a origem de 60 milhões de euros

A investigação tentou passar a pente fino as contas de Carlos Silva. O MP suspeitava de movimentos que perfaziam 60 milhões de euros. Concluiu que o banqueiro era o único titular ou co-titular de 25 contas e que se encontrava autorizado a movimentar outras nove. A investigação começou pelas contas do Millennium BCP — onde foi detetada uma transferência de 5 milhões de euros que tinha como descritivo “Fornecimento de Mercadorias”.

As contas do banqueiro estavam a ser analisadas ao detalhe quando o próprio Carlos Silva pediu para ser ouvido como testemunha (no processo não existe qualquer notificação para ouvir Carlos Silva). O banqueiro chegou às instalações do DCIAP acompanhado do advogado Daniel Proença de Carvalho. A inquirição começou pelas 14h40 do dia 30 de abril de 2014 e terminou menos de uma hora depois. O empresário angolano, apesar de ter adquirido a nacionalidade portuguesa meses antes, usou apenas o passaporte para se identificar. E foi informado de que no inquérito estavam a ser investigados todos os movimentos das suas contas superiores a 100 mil dólares. Disseram-lhe que, por isso, deveria esclarecer as autoridades da sua participação nas 33 contas e da origem dos dinheiros da sua responsabilidade.

Carlos Silva aproveitou para dizer que é “cidadão angolano”, foi advogado, trabalhou no BES Angola, do qual foi acionista fundador, e que, “em parceria com outros quadros do sector financeiro angolano e com a Sonangol”, fundou o BPA, lê-se nas suas declarações. Lembrou que tem contribuído para fomentar as relações entre Angola e Portugal, o que tem “trazido vantagens económicas” para ambos os países. Já em Portugal, abriu o Banco Privado Atlântico Europa — que está sob supervisão do Banco de Portugal. O banqueiro disse, ainda, que todo o seu dinheiro provinha das suas atividades profissionais e empresariais e lembrou que nunca exerceu cargos públicos ou políticos. Prometeu enviar, mais tarde, a justificação das transferências no Millennium BCP.

Dois meses depois, o seu advogado enviou ao MP uma série de justificações das contas, não sem antes explicar que os rendimentos do empresário provinham das suas “prestações profissionais” e de “operações de investimento bem sucedidas em imobiliário e ativos financeiros” . O advogado aproveitou, também, para mandar o currículo do empresário e documentos justificativos de uma obra na Baía de Luanda, que foi da sua responsabilidade. Enviou, também, algumas declarações de empresas a declararem que os valores transferidos eram reembolsos de empréstimos que Carlos Silva concedeu. Não se vê no processo que essas empresas tenham sido contactadas para confirmar as declarações.

O advogado Paulo Blanco pediu que fossem analisados em julgamento três inquéritos que correram no DCIAP e que foram arquivados. Um deles refere-se a Carlos Silva e ao Banco Privado Atlântico. O juiz aceitou na passada quinta-feira e pediu ao Ministério Público os processos.

Um mês depois, o procurador Paulo Gonçalves — que herdou alguns processos de Orlando Figueira — decidiu arquivar o processo. “Considerando que não é possível, em face da escassez de recursos, conseguir resposta célere relativamente a todas as perícias financeiras em curso, entendeu-se ir encerrando a investigação por etapas”, lê-se. E deu como justificados os movimentos de Carlos Silva pelos documentos “voluntariamente” por ele “fornecidos”. Diz o MP que não restam “dúvidas” relativamente à origem do dinheiro. Mandou extrair certidão em relação a Carlos Silva e arquivou, depois, esse processo. Relativamente aos restantes investigados, o processo continua aberto em 2018.

Paulo Blanco diz que Figueira ajudou a arquivar

Na contestação à acusação e ao despacho de pronúncia que Paulo Blanco entregou em tribunal, o advogado tece graves acusações relativamente a este arquivamento. Diz que Orlando Figueira colaborou sempre com Daniel Proença de Carvalho — a quem agora aponta o dedo — e que foi ele “quem combinou com o procurador da República, Paulo Gonçalves, a inquirição do Dr. Carlos Silva no âmbito do referido inquérito”. Mais. Diz que Orlando Figueira, mesmo já não estando na magistratura, contribuiu para o arquivamento deste processo. Um esclarecimento que deverá dar em tribunal quando, esta semana, começar a sua defesa.

Segundo afirmou em tribunal, Orlando Figueira continuava nesta altura à espera de ir para Luanda, enquanto Carlos Silva tentava encontrar formas de o remunerar. Uma delas através de uma conta em Andorra, para assim — nas palavras de Orlando Figueira — escapar aos impostos. Quando em março de 2015 Orlando Figueira soube que estava a ser investigado pensou, por isso, tratar-se de fraude fiscal e branqueamento — por não ter declarado os valores recebidos por Carlos Silva. O procurador ameaçou Carlos Silva de que iria contar tudo o que se passava e que ele seria também detido como co-autor. Em maio desse ano, o procurador disse ter mantido duas reuniões com Daniel Proença de Carvalho, que lhe terá transmitido que Carlos Silva estava disposto a pagar tudo. Nessa altura o magistrado retificou as suas declarações de rendimentos: declarou os 265 mil dólares recebidos em Andorra e os 210 mil dólares de adiantamento. E terá acordado com Proença uma cessação do contrato de trabalho. Orlando Figueira decidiu denunciar o banqueiro quando percebeu que ele não lhe ia pagar tudo o que prometera com o final de um contrato que o levaria para Angola. E para onde não chegou a ir.

Olhando para trás, Orlando Figueira considera que Carlos Silva o quis afastar do DCIAP por causa de processos que tinha em mãos e que envolviam personalidades angolanas. Foi essa a justificação que deu em tribunal e é essa a sua defesa, ilibando assim Manuel Vicente e escapando às acusações de corrupção.

Além do processo que envolve Carlos Silva, o advogado Paulo Blanco, também arguido no caso Manuel Vicente, pediu ainda que fossem analisados em tribunal dois outros processos: o da Edimo, a empresa do enteado de Manuel Vicente, Edmilson Martins, que comprou as ações que Manuel Vicente tinha no BIG; e o processo em que o procurador-geral angolano, João Maria de Sousa, foi investigado a propósito de um depósito que tinha feito no Santander. Os três processos, que o arguido Paulo Blanco quer levar agora a tribunal, foram arquivados sem constituição de arguidos. Agora, regressam — e vão ter um papel central no julgamento mais mediático do momento.

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