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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Cenários para o impacto económico do covid-19: PIB pode cair mais de 5% em 2020

Nunca houve uma crise assim e por isso é muito difícil saber como e quando vai acabar. Recorrendo às melhores fontes internacionais, Abel Mateus traça vários cenários neste ensaio. Nenhum é optimista.

Estamos no meio da maior pandemia dos últimos setenta anos. Cientistas britânicos que trabalham com modelos epidemiológicos afirmam que esta epidemia tinha o potencial de ser tão devastadora como a gripe espanhola, que matou cerca de 50 milhões de pessoas após a I Grande Guerra — mais do que qualquer conflito armado, caso não se tomassem as medidas sanitárias apropriadas. Estas permitem reduzir as taxas de infeção de 70% como os modelos epidemiológicos previam, citados pela Chanceler Merkel, para níveis inferiores a 0,1-0,15% ao longo de um ano. Na província de Hubei, centro da erupção do vírus, a taxa de infetados situou-se, até agora, em 0,12%, taxa que poderá ser atingida pela Itália. Por isso, as medidas excecionais que têm sido tomadas para diminuir drasticamente o potencial de contágio através do contacto humano são fundamentais para reduzir o número de infetados e mortos, e arrastar no tempo a curva da distribuição dos infetados graves, tendo em vista a limitação da capacidade do sistema de saúde.

Ora, as medidas drásticas que estão a ser tomadas terão implicações sérias sobre as economias a nível global, europeu e nacional. Conforme veremos abaixo, os cenários que se estão a delinear podem levar a uma queda do PIB da dimensão da crise financeira de 2009 ou mesmo superior, dependendo da evolução epidemiológica e das medidas de política económica. Estas são fundamentais para aliviar a situação durante a crise (que pode durar entre um e três trimestres, dependendo do setor económico) e das políticas para acelerar o processo de recuperação.

China, Europa e EUA estão com as economias quase paralisadas. Não sabemos ainda por quanto tempo vai durar a fase aguda da crise. A Goldman Sachs reviu a sua estimativa de crescimento do PIB da China no primeiro trimestre, passando de 2,5% para -9%.

Não existem estimativas rápidas do nível de atividade económica. Para suprir essa ausência, alguns economistas estão a recorrer às taxas de congestionamento do tráfego, que permitirá estimar a intensidade da atividade económica. No dia 16 de março, pela média dos 7 dias anteriores, os níveis de congestionamento nas principais metrópoles de Espanha estavam a 5% do normal, em Itália a 10%, em França a 25% e na Alemanha a 45%. As quedas em relação ao mesmo período de 2019 são também extraordinárias: 91% na Espanha, 86% na Itália e de 20% na Alemanha. Nos EUA, as médias de congestionamento estavam a 16% (queda de 73%), no Japão a 47% e em Pequim a 65%. Wuhan, o centro da erupção da epidemia na China, ainda está quase parada, com uma taxa de 6%. Para Portugal, houve uma forte quebra da semana de 9 para 17 de março. Enquanto na semana de 9 estava em 55%, a 16 de março tinha caído para 10% (uma quebra de 80%, segundo estes dados).

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Estes valores são elucidativos: China, Europa e EUA estão com as economias quase paralisadas, embora com diferenças importantes, como se observa. Não sabemos ainda por quanto tempo vai durar a fase aguda da crise. Mas, a avaliar pela China, poderá ser entre um e dois trimestres, sendo certo que a fase de recuperação não será imediata. As consequências já se começam a prever. Por exemplo, a Goldman Sachs reviu a sua estimativa de crescimento do PIB da China no primeiro trimestre, passando de 2,5% para -9%. E dadas as simulações abaixo estudadas, isso implica uma forte recessão para 2020, devendo o PIB anual baixar entre 4 e 5%, supondo uma recuperação progressiva ao longo do ano. Tendo o FMI previsto um crescimento de 5,8%, o impacto do COVID-19 é estimado entre 9,8 e 10,8 pontos percentuais só em 2020! No caso da China, esta estimativa está entre os cenários mais pessimistas que estudaremos abaixo. Este valor para a China permite-nos balizar os cenários abaixo apresentados, como veremos.

Basta ouvir os noticiários de vários países para nos apercebermos da situação dramática em que a economia se encontra: lojas fechadas ou desertas, escolas encerradas, trabalhadores em casa. Como é que o pequeno restaurante que não tem receitas pode pagar aos seus empregados que estão em casa?  Os desafios económicos são, por isso, muito complexos. Para podermos enquadrar a atual situação vamos analisar alguns cenários que têm sido construídos por diversos organismos, para podermos balizar as políticas públicas e a capacidade de resposta do governo. Na medida em que ainda há poucos dados, é difícil fazer previsões robustas, pelo que teremos de esperar possivelmente vários meses até que a Comissão Europeia ou o FMI publiquem as suas novas previsões.

Os cenários que aqui se apresentam não são previsões, mas apenas as consequências económicas dos fenómenos em estudo, com base em dadas hipóteses de epidemia e dos parâmetros económicos. É evidente que a evolução poderá ser mais favorável se as medidas de política económica e das descobertas científicas que poderão ser aceleradas tiveram uma aplicação efetiva.

1 Quais são os efeitos macroeconómicos da pandemia?

O primeiro efeito da pandemia é sobre a oferta de trabalho. A quarentena declarada fecha escolas, serviços e fábricas, pelo que os trabalhadores têm de permanecer em casa. Como o teletrabalho tem ainda uma dimensão reduzida e não se pode aplicar para muitos processos, há uma forte redução das horas trabalhadas, com a consequente queda da produção. As estatísticas para a China mostram reduções da ordem dos 50% a 70% na indústria e de 80% em muitos setores dos serviços durante a fase crítica da epidemia.

Tudo somado: a redução das horas trabalhadas e os custos de interrupção nas cadeias de produção levam ao aumento dos custos de produção das empresas e pelo seu efeito conjugado fazem aumentar as falências e o desemprego.

Outro efeito é sobre o consumo, que cai fortemente, sobretudo nos serviços (por exemplo, restaurantes, hotéis e diversões). Com a queda da procura são adiados os investimentos, adicionando ao efeito da queda do consumo. Ambos estes efeitos são amplificados pelo fator medo/incerteza. Os efeitos internacionais também são fundamentais: como a procura nos países em lockdown cai forçosamente, caem também as exportações de bens, o que se adiciona à queda da procura interna. E, devido às cadeias de produção internacionais, começa a haver ruturas no processo produtivo, com consequências sobre a importação e produção internas. O turismo cai também a pique, com efeitos sobre os transportes e serviços, com dimensão proporcional à sua contribuição para o PIB.

Tudo somado: a redução das horas trabalhadas e os custos de interrupção nas cadeias de produção levam ao aumento dos custos de produção das empresas e pelo seu efeito conjugado fazem aumentar as falências e o desemprego.

Outro canal importante é o financeiro. A antecipação de uma recessão e o efeito de incerteza/pânico levam a uma forte queda das bolsas de valores e consequente subida do prémio de risco, o que tem também importantes consequências no valor das empresas. A maior restritividade das condições monetárias levará o setor bancário a reagir com maior prudência na atribuição de crédito, podendo assim acelerar o processo recessivo. As consequências para as finanças públicas também são sérias. A queda da atividade económica e o aumento do desemprego levam, através do chamado estabilizador automático, à subida do défice orçamental, que será necessariamente agravado pelas despesas discricionárias para combater a pandemia e reduzir a morbidade resultante. Ambos os fatores levam a uma subida da dívida pública.

Estes efeitos prevalecem no curto prazo, enquanto dura a fase crítica da epidemia. Contudo, a economia pode levar algum tempo a reajustar-se devido à rigidez dos salários e preços (efeito keynesiano), de restrições de liquidez das famílias e empresas (efeitos de crédito) e de falhas na coordenação a nível interno e internacional.

As economias poderão, se as políticas orçamentais e monetárias de sustentação da recuperação forem apropriadas, ter uma evolução positiva do PIB rápida, em forma de “V”. Devemos acentuar que toda a experiência sobre os coronavírus, até hoje, é que tanto o surto epidémico como o impacto na economia dura entre 6 meses e um ano. Mas o caso da China, onde a recuperação se começa a operar, mostra que existem estrangulamentos a nível de oferta de trabalho, coordenação das cadeias de produção e transportes que não se ultrapassam imediatamente. O horizonte de recuperação dos diversos trabalhos publicados anda hoje entre os 9 e os 15 meses.

Ruas vazias em Itália. Toda a experiência sobre os coronavírus, até hoje, é que tanto o surto epidémico como o impacto na economia dura entre 6 meses e um ano.

MASSIMO LAPENDA/EPA

Estudos feitos do impacto da epidemia do SARS (2003) para a China, Taiwan e Hong Kong encontraram efeitos significativos macro através da redução do consumo de bens e serviços, acréscimo dos custos operacionais de produção e reavaliação do risco país associado à subida do prémio de risco. O choque estimado (impacto de 1 ano) sobre o PIB da China foi de 2,3%. Curiosamente, o maior impacto resultou da queda da bolsa e aumento do prémio de risco. Os choques para as outras economias transmitiram-se de acordo com o grau de abertura internacional do país e a exposição à pandemia. Apesar do número reduzido de casos e mortes, os custos globais foram significativos e não se limitaram aos países afetados pela epidemia. Acresce que a epidemia do SARS foi localizada na Ásia, ao contrário da atual CODIV-19, que assume proporções alarmantes na Europa e Irão.

Resumindo, nunca até hoje houve uma reação tão generalizada de paralisação da atividade económica e interconexão global da atividade a nível mundial, o que faz prever um forte impacto sobre a economia. Além disso, o fator pânico é ampliado não só pela explosão repentina da epidemia como pelos novos meios de comunicação global. Vamos agora ver quais são os cenários que se estão a avançar para o impacto do COVID-19 na economia global e na Europa.

2 Os cenários preliminares

Mais vale ir direto ao assunto: os cenários sobre a economia global e europeia apontam para uma recessão global que poderá ser tão ou mais grave como a crise financeira de 2009.

Os principais trabalhos publicados até agora sobre os impactos do COVID-19 na economia global são da Universidade Nacional da Austrália/Brookings e da McKinsey. A McKinsey constrói três cenários: um cenário de recuperação rápida, em que a recuperação da China estaria quase completa no segundo trimestre de 2020 e que a Europa só experimentaria a desaceleração económica até finais do primeiro trimestre – este cenário parece atualmente totalmente ultrapassado. O segundo cenário é de desaceleração global, baseado na hipótese de que o vírus é sazonal e que a desaceleração na Europa seria até cerca de maio 2020, com setores como a aviação e hotéis, restaurantes e turismo fortemente afetados, incluindo a estação estival, e os outros setores a recuperarem até finais do segundo trimestre. O terceiro cenário é de pandemia e recessão globais, no qual a China só recuperaria no terceiro trimestre, com forte impacto na Europa e EUA, e com a confiança dos consumidores só a recuperar depois do terceiro trimestre.

Quais os cenários económicos? No caso do segundo cenário epidemiológico, que agora parece o mais otimista, dar-se-ia uma forte queda nas bolsas (o que já está a acontecer), com um impacto na economia em forma de “U” (e não de “V”), o que implica mais tempo na inversão a caminho da recuperação. Os consumidores teriam uma recuperação lenta da confiança e a recomposição das cadeias de produção globais teria uma certa demora. O PIB global refletiria uma recessão internacional, crescendo apenas 1 a 1,5% — contra os 2,5% projetados pelos organismos internacionais antes da crise. Neste cenário, a Europa teria um impacto generalizado com redução do consumo e investimento, com desaceleração até maio, os serviços deprimidos mesmo no terceiro trimestre, e com o crescimento do PIB a baixar de 1,8% para 0,75%.

Nunca até hoje houve uma reação tão generalizada de paralisação da atividade económica e interconexão global da atividade a nível mundial. Além disso, o fator pânico é ampliado não só pela explosão repentina da epidemia como pelos novos meios de comunicação.

Em relação ao terceiro cenário epidemiológico (o mais grave), a McKinsey não estuda o cenário económico. Mas é evidente que acarretaria um crescimento próximo de zero da economia mundial e negativo para a União Europeia.

Por seu lado, os académicos da Universidade da Austrália utilizam um modelo de equilíbrio geral dinâmico, que hoje são a ferramenta de base para simulações e projeções económicas, para estudarem o efeito do choque da pandemia a nível global. O cenário médio global (que corresponde ao cenário 5 dos autores) mostra que o PIB da Zona do Euro seria cortado em 4,8 pontos percentuais, a China em 3,6% pontos percentuais, os EUA em 4,8 e o Japão em 5,6. No cenário mais grave, com uma maior taxa de população afetada e mais mortalidade, o impacto sobre o PIB da Zona Euro seria de um corte de 8,4 pontos percentuais ao PIB projetado para 2020. O gráfico 1 mostra os diferentes cenários para os EUA simulados pelo modelo — o cenário de base está a azul e o cenário mais pessimista a verde. É interessante constatar que só no ano 3 depois da epidemia é que se verifica uma forte recuperação, por efeitos adiados sobre o investimento e bolsas.

No cenário de base, o PIB da Zona Euro cairia 3,6% em vez de crescer 1,2%. Mas num cenário mais grave o PIB poderia cair mesmo mais do que se verificou durante a crise global de 2009, em que o PIB caiu 4,5%!

Assim, no cenário de base, o PIB da Zona Euro cairia 3,6% em vez de crescer 1,2%, como projetado pela Comissão Europeia no outono do ano passado. Mas num cenário mais grave, o PIB poderia cair mesmo mais do que se verificou durante a crise global de 2009, em que o PIB caiu 4,5%!

3 Quais os setores que vão ser mais afetados?

Todos os setores de atividade da economia serão afetados, embora a diferentes graus de severidade e com maior ou menor duração. A McKinsey, baseada na opinião dos seus especialistas setoriais e das notícias, aponta para o setor do turismo e atividades conexas (hotéis, restaurantes e outros serviços) como aquele que vai ser mais afetado. No período mais crítico, que corresponde à quarentena, o setor fica praticamente paralisado, com quebras superiores a 80-90%. A fase de recuperação depende, a nível nacional, primeiro do fim da quarentena e depois do retomar da confiança dos consumidores nestes serviços sem perigo elevado de contágio. Esta fase só se deve iniciar no fim do segundo trimestre. A nível internacional vai depender da abertura das fronteiras e do restabelecimento da confiança dos estrangeiros sobre a estadia no país. É evidente que esta só se pode restabelecer depois da dos nacionais, pois estes têm em geral um maior conhecimento das condições locais. É difícil antecipar um Verão normal dentro da Europa, pelo que será previsível uma queda apreciável durante aquela época, prevendo a McKinsey apenas um retorno ao normal já para além do terceiro trimestre, caso não haja ressurgência do vírus no próximo Outono.

A McKinsey, baseada na opinião dos seus especialistas setoriais e das notícias, aponta para o setor do turismo e atividades conexas (hotéis, restaurantes e outros serviços) como aquele que vai ser mais afetado.

A segunda atividade mais severamente afetada são os transportes aéreos. Tanto as companhias aéreas europeias como dos EUA já estão a sentir fortemente o efeito dos lockdowns, através do cancelamento de milhares de voos para abril e maio. De acordo com uma notícia recente, os voos entre os EUA e China caíram 60%, a Virgin Atlantic cortou 4/5 dos voos, a Ryanair e Easyjet vão parar a maior parte dos aviões e a British Airways vai cortar 75% da sua capacidade. Hoje, há 150 países a impor restrições nas ligações aéreas devido à pandemia. A McKinsey prevê assim que a retoma será primeiro dos voos domésticos (dentro de dois trimestres) e só depois de três a quatro trimestres do tráfego internacional.

O terceiro setor a ser afetado é o do petróleo. Entre 17 de fevereiro e 17 de março, o preço do Brent caiu cerca de 50%, para 30 dólares, esperando-se uma recuperação longa dependente da forma como os países produtores atuarem ou não em concertação. Na crise global de 2009, caíram 40% em relação a 2008. O quarto setor a ser afetado é o da produção automóvel, registando-se nalguns países quedas nas vendas de 90%, afetado não só pela disrupção das cadeias de produção como pela quebra da procura, não se esperando início da recuperação senão lá para o terceiro trimestre.

O quarto setor é o setor bancário, onde sobem os sinistros de crédito das empresas e das famílias. As empresas deixam de pagar os juros ou as prestações assim como as famílias, sobretudo as desempregadas. As condições monetárias agravam-se devido à subida do prémio de risco e a uma eventual queda dos preços. Também se podem verificar ruturas no sistema de pagamentos por efeitos da pandemia. Os bancos registam reduções drásticas da taxa de rentabilidade, podendo mesmo enfrentar uma crise bancária, que terá de ser evitada pelo fornecimento de liquidez dos bancos centrais.

É evidente que quase todos os outros setores também serão afetados. Por exemplo, o comércio a retalho não alimentar, porque pode ter de fechar durante a quarentena ou/e registar fortes quebras nas vendas devido à redução da procura. Os media, porque as empresas cortam drasticamente na publicidade para reduzir custos. Até os supermercados e indústrias alimentares por causa da redução da procura devido à quarentena, embora sejam os setores com menor impacto porque as pessoas não podem deixar de se alimentar para sobreviver.

4 Cenários para a Economia Portuguesa

Munidos das análises anteriores, é possível agora traçar alguns cenários para a economia portuguesa, tomando com referência os cenários para a Zona Euro. Na análise setorial, verificamos que o setor do turismo é o mais profunda e duradouramente afetado. Ora, Portugal é o país desta Zona com maior peso do turismo. Partindo das contas satélite do INE, o peso do turismo no PIB em 2019 deveria rondar os 14,5%, em termos de consumo dos nacionais e estrangeiros. Esta é uma estimativa do impacto direto. Mas em termos de impacto direto e indireto estima-se que deve rondar os 21% a 25%. O Gráfico 2, que reporta o último ano (2016) para os quais existem estatísticas completas para os países da OCDE, mostra que Portugal já tinha um diferencial de 4 pontos percentuais no impacto direto em relação à média da Zona Euro.

Este diferencial terá crescido desde aquele ano. Tomando o valor de 6 pontos percentuais verificamos que uma redução do turismo entre 30% e 60% tem um impacto diferencial na economia portuguesa de 1,8 a 3,6 pontos percentuais, que são os valores negativos a adicionar a um cenário negativo de evolução do PIB da zona Euro.

Assim, adicionando este diferencial aos cenários acima indicados, obtém-se uma queda do PIB de 5,4% (3,6+1,8=5,4%) para o cenário de base, podendo ser ainda mais grave. Esta taxa de -5,4% seria a maior queda do PIB desde 1975. Em relação à projeção do Governo para 2020, que era de cerca de 1,9% positivos, o efeito da pandemia estima-se em cerca de 7,3 pontos percentuais. Para comparação, o PIB caiu 3,1% por efeito da crise financeira global de 2009 e, em 1975, por efeito das ruturas económicas que se seguiram ao 25 de abril, houve uma queda de 5,1%. Evidentemente que o que se calcula aqui é apenas um cenário: o valor real que se verificará vai depender das políticas epidemiológicas e económicas tomadas por Portugal e pela União Europeia.

Quais os efeitos sobre o emprego? É evidente que, perante este cenário do PIB, o desemprego vai aumentar de forma significativa. A relação entre a evolução do PIB e da taxa de desemprego é estudada desde os anos 1960 pela chamada lei de Okun (ver exemplo aqui), que em termos simples diz que uma variação negativa do PIB implica um aumento amplificado do desemprego por um fator que depende da economia, depois de retirarmos o desemprego estrutural. Assim, para um impacto de cerca de 7 pontos percentuais sobre o PIB, este traduz-se no caso da economia portuguesa em cerca de 5 a 7,5 pontos percentuais de aumento da taxa de desemprego. Desta forma, a taxa de desemprego pode subir rapidamente este ano e dentro de 2 a 3 anos ultrapassar os 10%, caso não sejam tomadas medidas apropriadas.

Os efeitos que estamos a estudar são apenas de curto prazo, mas haverá outros efeitos como o impacto na dívida pública. Será previsível um aumento substancial nas taxas de juro da dívida.

E os efeitos sobre o orçamento do Estado? O primeiro efeito é a redução da receita por via dos impostos, porque cai o nível de atividade económica, e de subida da despesa pública, porque aumenta, por exemplo, o subsídio aos desempregados: é o chamado estabilizador automático. A estes efeitos juntam-se os efeitos discricionários das medidas excecionais adotadas (e já anunciadas) de aumento da despesa pública para combater a pandemia e sustentar a atividade económica. Estimativas anteriores mostram que, para cada ponto percentual de redução do PIB, o défice orçamental sobe de cerca de 0,3 a 0,4 pontos percentuais, sem medidas excecionais. Assim, para o impacto dos 7 pontos percentuais do PIB pode estimar-se a deterioração do défice para cerca de 2 a 3% do PIB. Mas a este valor teríamos de adicionar as despesas excecionais já anunciadas e cujo impacto sobre o défice está sujeito a grande incerteza. Mas, se este fosse entre 1 a 2 pontos percentuais do PIB, atiraria com o défice para níveis claramente superiores ao limite dos 3% do Tratado Orçamental. É evidente que, dadas as circunstâncias em que estamos, esta subida do défice não implica o acionamento do mecanismo dos défices excessivos.

Um outro ponto a que temos chamado a atenção é a situação de fragilidade em que se encontra ainda o ajustamento orçamental, mesmo antes desta crise, pelo que serão postas à prova os seus fundamentos. Os efeitos que estamos a estudar são apenas de curto prazo, mas haverá outros efeitos como o impacto na dívida pública. Será previsível um aumento substancial nas taxas de juro da dívida que deriva da subida do prémio de risco acima referido nas simulações, e que perdurará por mais tempo.

 5 Conclusões

Não pretendemos com estas análises lançar alarmismos, mas apenas contribuir para a informação dos cidadãos quanto a cenários possíveis, para os quais se têm de preparar famílias e empresas. Como se demonstra, a ciência económica pode ajudar a traçar cenários para preparar os agentes económicos e sobretudo o Estado na formulação de políticas públicas à altura de combater a recessão económica que se perspetiva.

Um país desenvolvido deve usar as melhores práticas internacionais para formular as suas políticas. Nas políticas epidemiológicas, devemos olhar para o que os países mais bem-sucedidos e que estavam na frente da batalha contra o vírus fizeram. Por exemplo, as políticas adotadas em Taiwan, descritas num artigo científico por um grupo de especialistas, mostram que o fundamental na pandemia é a identificação das pessoas infetadas e o seu isolamento imediato, para quebrar a cadeia de contágio. Esta política obriga a ter meios rápidos e generalizados de deteção dos possíveis casos de infeção. Nos países asiáticos, utilizaram-se técnicas como big data, inteligência artificial, uma rede de postos de testes (drive-ins) com resultados rápidos, e com medidas drásticas de isolamento das pessoas identificadas. Assim, Japão, Coreia do Sul e Taiwan conseguiram parar o contágio com menores custos sociais e económicos. Quanto mais se investir nestas medidas, menor será o custo económico associado à paralisação geral da atividade económica. Provavelmente, já será tarde para evitar esta paralisação e agora temos de recorrer à quarentena e paralisação, medidas que remontam à Idade Média. Será a forma mais apropriada de combater uma situação que já ultrapassou um nível crítico e entrou na fase exponencial. Mais uma vez, este caso mostra a importância de atuação imediata e eficaz, baseados nos melhores princípios e práticas científicos.

A literatura e análises publicadas em revistas de referência são uma evidência de que os políticos foram alertados para esta situação, mas as medidas tomadas foram e continuam a ser inadequadas.

O mundo está mal preparado para responder a epidemias. Basta olhar para o relatório da Universidade John Hopkins, apoiado pela fundação Gates, sobre o nível de segurança de saúde por países. A literatura e análises publicadas em revistas de referência são uma evidência de que os políticos foram alertados para esta situação, mas as medidas tomadas foram e continuam a ser inadequadas: as pandemias são tanto ou mais importantes que os problemas climáticos. Soou agora o alarme.

Professor Universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência.

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