É a primeira eleição nacional do Chega sem André Ventura como protagonista, mas, nem por isso, será diferente das outras. Se antes do arranque da maratona de debates — que não têm corrido particularmente bem a Tânger Corrêa —, já era certo que Ventura teria uma forte presença na campanha para as eleições europeias, os últimos dias vieram reforçar os planos originais do líder do Chega: Ventura não vai largar Tânger Corrêa durante quinze dias.

Um dirigente do Chega ouvido pelo Observador descreve o arranque de Tânger Corrêa como um “primeiro choque”, ainda que acredite que “não será desastroso” nas intensas semanas de campanha que se aproximam. Há muitos anos longe da política, pelo menos no que toca ao mediatismo e até ao confronto com adversários, Tânger Corrêa vai ficar na história do Chega por ter aceitado a difícil missão de ser o primeiro a fazer aquilo que apenas Ventura fez: ser cabeça de lista numas eleições nacionais.

“É a primeira vez que vamos a votos e que não temos o André Ventura como cabeça de lista. E isso reflete-se”, admite um membro do núcleo duro do Chega, que antecipa que com qualquer candidato “as coisas não correriam tão bem” como quando é o presidente do partido — e ser igual ou sequer idêntico é, atualmente, praticamente inatingível.

Ciente de que Ventura é o pote de ouro do Chega em termos eleitorais — há até quem arrisque dizer que “em qualquer eleição, 95% dos votos são do presidente e talvez uns 5% pertençam ao candidato” —, o partido vai apostar tudo num modelo de campanha em que o líder está em todo o lado, a toda a hora, como se do candidato se tratasse e se estas fossem umas legislativas e não umas europeias. Até porque, tal como Ventura fez questão de dizer na apresentação do programa eleitoral do partido, estas eleições serão um “barómetro” para umas possíveis legislativas antecipadas. A fasquia está alta: o Chega quer mesmo vencer estas europeias.

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[Já saiu o primeiro episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui.]

Assim, ao contrário do que é habitual no Chega, em que tudo gira à volta de um homem, desta vez prevê-se uma inversão de toda a estratégia de campanha — pelo menos aquela que não terá Ventura como o rosto principal. Um dirigente do partido conta ao Observador que Tiago Moreira de Sá e Francisco Almeida Leite, número dois e quatro da lista, vão ser chamados a dar a cara com muito maior frequência do que era normal nas campanhas anteriores.

A ideia parece ser, por isso, resguardar Tânger Corrêa dos adversários e do escrutínio — ou, numa leitura mais cínica, resguardar o eleitorado do Chega de Tânger Corrêa. De resto, nquinta-feira, o Chega anunciou um colóquio que será protagonizado exatamente pelo antigo deputado PSD e pelo ex-secretário de Estado — Tânger a ser secundarizado. “Vamos transformar a coisa em algo menos pessoal e mais de equipa”, explica um dirigente do Chega ao Observador, reconhecendo que a estratégia é praticamente oposta ao que costuma ser a imagem de marca do partido.

A confiança em Tânger Corrêa não está colocada em causa, mas há quem entenda que os tropeções do candidato, principalmente as declarações que fez ao Observador, não jogam a favor do candidato e do partido. Porém, ninguém vai deixar cair Tânger. até porque existe a sensação de que o cabeça de lista apenas “precisa de treino” — o candidato só esteve na política durante a juventude, antes de iniciar uma carreira diplomática, e, mesmo sendo vice-presidente do Chega, nunca foi verdadeiramente confrontado com o combate político puro e duro.

Alinhados na ideia de que têm o perfil certo para representar o partido a partir de 9 de junho na previsível estreia do Chega no Parlamento Europeu, os dirigentes do Chega acreditam que depois destes primeiros tempos mais delicados, Tânger Corrêa vai adaptar-se e usar a experiência de diplomata para mostrar que é conhecedor da política internacional.

Apesar de tudo, e ainda que exista esperança na melhoria das prestações do cabeça de lista, André Ventura não vai correr riscos e não vai largar Tânger Corrêa nem por um segundo. Em termos de cobertura mediática, com o presidente do Chega constantemente em campanha, dificilmente ficará sem falar com os jornalistas ou sem discursar nos comícios — logo, todos os holofotes estarão em cima de Ventura e deslocados do verdadeiro candidato.

Tânger Corrêa em entrevista: “Judeus podem ter sido avisados do 11 de Setembro”

A semana difícil de Tânger Corrêa

Tânger Corrêa era dado como o inevitável candidato do Chega às europeias. Mas, assim que começou a dar entrevistas e a entrar debates, os alarmes soaram. A primeira imagem não foi positiva, reconhece-se. Desconhecido em termos mediáticos e conhecido pela carreira diplomática de vários anos, os pensamentos de Tânger Corrêa foram sendo expostos nas redes sociais nos últimos anos e acabaram por tomar proporções mais alargadas quando, na semana passada, o cabeça de lista foi confrontado em entrevista ao Observador sobre algumas das ideias que defende num livro editado recentemente.

Entre dizer que a pandemia foi “dramatizada” para “controlar a população” a sugerir que houve um “alarme misterioso” para que os judeus não fossem às Torres Gémeas trabalhar no dia do atentado do 11 de Setembro, passando pelas referências à “Nova Ordem Mundial” e os elogios a Slobodan Milosevic, nada correu particularmente bem, concorda-se no Chega. As declarações levaram-no para o centro da pré-campanha para as eleições europeias e expuseram-no ao ataque dos adversários políticos, às críticas do comentariado e à sátira dos programas de entretenimento — Ricardo Araújo Pereira dedicou-lhe quase um programa inteiro no último domingo.

Na oportunidade seguinte, Tânger Corrêa não conseguiu debater de igual para igual com os adversários, mais especificamente com Catarina Martins, que lhe lançou várias críticas diretas que ficaram sempre sem qualquer tipo resposta. No núcleo duro do Chega admite-se que não esteve na melhor forma e que precisa de ganhar tarimba. “Vai melhorar“, jura-se.

A pouco mais de duas semanas do arranque oficial da campanha eleitoral para as europeias, Tânger Corrêa tem mais entrevistas marcadas, ainda vai marcar presença em debates televisivos e de rádio, mas o Chega vai investir em diversificar as caras em tudo o que for possível. Quando for a doer, na rua e no período oficial de campanha, será Ventura (como sempre) a assumir as despesas da casa.